Otimizar a luz e o ar em casas antigas: Requisitos e soluções
- Ana Carolina Santos

- 4 de set.
- 4 min de leitura
A ventilação e a iluminação natural são dois pilares essenciais do conforto e salubridade em qualquer habitação. Nos edifícios mais antigos — muitas vezes caracterizados por vãos pequenos, paredes espessas e fachadas sombreadas — garantir estes requisitos torna-se um verdadeiro desafio. Contudo, a legislação portuguesa é clara e obriga ao cumprimento de determinados parâmetros técnicos, tanto para construções novas como para intervenções em edifícios existentes. Neste post, partilho conhecimento prático, regulamentar e arquitetónico para ajudar proprietários, investidores e gestores de património a perceber como podem transformar o desempenho dos seus imóveis e, ao mesmo tempo, cumprir a lei.
“Ventilar e iluminar bem uma casa antiga é tão importante quanto restaurar a sua beleza: é investir na saúde, sustentabilidade e valor do imóvel.”

Enquadramento legal: O que exige o RGEU
Segundo o Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), cada compartimento de habitação deve ser dotado de iluminação e ventilação naturais, normalmente garantidas através de vãos (janelas e portas) em comunicação direta com o exterior. Estes são alguns dos requisitos mínimos previstos:
A área total dos vãos deve ser, pelo menos, 1/10 da área do compartimento, nunca inferior a 1,08 m²
A ventilação deve ser transversal, idealmente com aberturas em duas fachadas opostas
Afastamento mínimo das janelas a muros ou fachadas confrontantes: 3 m, garantido o acesso à luz solar
Instalações sanitárias: renovação permanente do ar, preferencialmente por vãos próprios (mínimo 0,54 m² de área envidraçada) ou por ventilação forçada adequada
Em situações excecionais, podem ser admitidas soluções alternativas, desde que não haja prejuízo para as condições de salubridade e conforto
Requisitos mínimos de iluminação e ventilação
Compartimento | Área mínima de vão | Distância mínima a obstáculos | Renovação transversal obrigatória? |
Quartos e Salas | 1/10 área, ≥1,08m² | ≥ 3 m | Sim |
Cozinhas | 1/10 área, ≥1,08m² | ≥ 3 m | Sim |
Instalações sanitárias | 0,54 m² | — | Sim (ventilação natural ou forçada) |
Diagnosticar obstáculos em edifícios antigos
Antes de intervir, é essencial identificar os principais constrangimentos que afetam a ventilação e a luz natural:
Paredes espessas que dificultam a abertura de vãos amplos
Padronização de pequenos vãos devido a técnicas construtivas antigas
Sombras projetadas por edifícios vizinhos ou logradouros fechados
Transformações ao longo dos anos que taparam janelas ou alteraram compartimentações internas
Análise realizada por um arquiteto especializado permitirá elaborar estratégias ajustadas, eficientes e seguras dentro do quadro legal.
Estratégias de melhoria: Soluções arquitetónicas
A otimização do conforto e da salubridade num edifício antigo pode exigir criatividade e conhecimento técnico. Eis as soluções mais comuns, aplicáveis caso a caso:
Reabertura ou ampliação de janelas nas respetivas fachadas compatíveis com o imóvel e vizinhança
Redefinição de compartimentações internas para facilitar fluxos de ar e de luz
Utilização de claraboias, “luz zenital”, poços de luz e varandas envidraçadas, sempre respeitando os limites regulamentares de dimensão e ventilação
Ventilação natural cruzada, através de vãos em fachadas opostas ou adjacentes
Instalação de sistemas mecânicos de ventilação (em casos onde não seja possível garantir ventilação natural)
Emprego de palhetas, venezianas ajustáveis, e portas/janelas de batente para maximizar o arejamento
Otimização da cor das paredes e pavimentos para amplificar a luz natural (tons claros e superfícies refletoras)
Exemplo prático
Imagine um apartamento pombalino, com apenas uma janela por compartimento e interiores compartimentados. Com a redefinição dos espaços internos e a abertura estratégica de uma nova janela para um pátio ou logradouro, é possível cumprir o RGEU e transformar o ambiente, tornando-o luminoso e agradável — e dentro da legalidade.
Vantagens práticas da boa ventilação e iluminação
A aposta na transformação destes elementos não traz apenas ganhos de habitabilidade. Eis benefícios concretos:
Redução de humidades e bolores
Melhoria da qualidade do ar interior, fundamental para quem sofre de alergias ou problemas respiratórios
Contribuição para casas mais eficientes e sustentáveis
Aumento do valor patrimonial do imóvel
Cumprimento da legislação e menor risco de coimas ou embargos em processos de legalização, venda ou arrendamento

Conselhos de Arquitetura
Antes de investir em obras, peça sempre o diagnóstico a um arquiteto experiente — pequenas alterações mal planeadas podem comprometer o valor do imóvel e resultar em ilegalidades.
Avalie o impacto das soluções propostas em fachadas históricas, para não prejudicar a integridade arquitetónica e evitar conflitos com regulações municipais ou áreas protegidas.
Valorize a luz natural: privilegie áreas de estar em zonas bem iluminadas, mesmo que implique redefinir a distribuição interna dos espaços.
Quando não for possível cumprir todos os requisitos de ventilação natural por limitações técnicas, justifique exaustivamente as soluções adotadas no projeto e registe as opções no processo municipal.
Alertas importantes
Intervenções em edifícios classificados ou inseridos em áreas de reabilitação urbana são sujeitas a regras próprias e, muitas vezes, requerem parecer de entidades externas.
O cumprimento dos mínimos legais não substitui a necessidade de criar espaços realmente confortáveis e adequados ao uso contemporâneo.
Não recorrer a técnicos habilitados pode resultar em graves danos estruturais ou legais.
Alguns municípios dispõem de regulamentos complementares ao RGEU: consulte sempre as normas locais.
Em situações limites, o RGEU permite soluções excecionais, se devidamente fundamentadas e aprovadas.
Para considerar
A ventilação e a iluminação natural não são apenas requisitos legais, mas sim elementos estruturantes para a vivência saudável e sustentável de qualquer habitação. Melhorar estes aspetos em edifícios antigos exige, simultaneamente, respeito pela história e inovação técnica. A experiência de um arquiteto é determinante não só para evitar erros dispendiosos e ilegais, mas também para encontrar soluções que valorizem o espaço e salvaguardem a saúde dos ocupantes. Se está a pensar reabilitar, investir ou simplesmente legalizar um imóvel, não hesite: aposte em projetos arquitetónicos pensados à sua medida, sempre com base na lei.



