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Regulamento de Desempenho Energético dos Edifícios

  • Foto do escritor: Ana Carolina Santos
    Ana Carolina Santos
  • 23 de out.
  • 6 min de leitura

A Portaria n.º 138-I/2021, de 1 de julho, marca um momento estruturante na evolução da eficiência energética dos edifícios em Portugal. Este diploma estabelece, pela primeira vez de forma integrada e sistemática, os requisitos mínimos de desempenho energético aplicáveis tanto à envolvente dos edifícios como aos sistemas técnicos instalados, promovendo um uso mais racional da energia e contribuindo para a sustentabilidade ambiental do parque edificado nacional.


Habitação unifamiliar com bom desempenho energético, vista da área de estar
Habitação unifamiliar com bom desempenho energético, vista da área de estar

Contexto e aplicação


Esta Portaria surge em execução do Decreto-Lei n.º 101-D/2020, de 7 de dezembro, que regula o Sistema de Certificação Energética dos Edifícios (SCE). O objetivo central é assegurar que os edifícios novos e renovados em Portugal cumprem padrões elevados de desempenho energético, reduzindo o consumo de energia e as emissões de carbono.

A Portaria aplica-se a:

  • Edifícios de habitação

  • Edifícios de comércio e servios

  • Edifícios novos ou sujeitos a renovação

  • Sistemas técnicos instalados ou renovados em edifícios



Estrutura da Portaria: Dois eixos fundamentais


A regulamentação organiza-se em dois anexos complementares que definem com rigor técnico os requisitos exigidos:


Anexo I: Envolvente dos Edifícios

Estabelece requisitos para os elementos construtivos que separam o interior do exterior ou de espaços não climatizados:

  • Envolvente opaca (paredes, coberturas, pavimentos)

  • Envolvente envidraada (janelas, portas envidraçadas, claraboias)


Anexo II: Sistemas técnicos

Define obrigações de desempenho para todos os sistemas instalados:

  • Sistemas de ventilação

  • Sistemas de climatização

  • Sistemas de preparação de águas quentes (AQS)

  • Sistemas de iluminação

  • Sistemas de produção de energia elétrica

  • Sistemas de automação e controlo (SACE)

  • Elevadores, escadas mecânicas e tapetes rolantes

  • Infraestruturas de carregamento de veículos elétricos



Requisitos para a Envolvente dos Edifícios


Envolvente Opaca: Isolamento e proteção térmica

A Portaria estabelece coeficientes de transmissão térmica máximos para paredes, coberturas e pavimentos, variáveis em função da zona climática (I1, I2, I3) e da localização geográfica (Portugal Continental, Madeira, Açores).

Exemplo para edifícios de habitação no Portugal Continental (zona I3):

  • Paredes verticais exteriores: U ≤ 0,35 W/(m².°C)

  • Coberturas horizontais exteriores: U ≤ 0,30 W/(m².°C)

  • Pontes térmicas planas verticais: U ≤ 0,90 W/(m².°C)

Aspetos fundamentais:

  • Todos os elementos construtivos devem ter caracterização técnica documentada

  • Obrigatoriedade de marcação CE e declaração de conformidade

  • Possibilidade de isenção mediante comprovação de conforto térmico adequado

  • Previsão de soluções alternativas em caso de constrangimentos técnicos ou funcionais


Envolvente Envidraçada: Controlo solar e perdas térmicas

Os vãos envidraçados devem cumprir dois tipos de requisitos:

Coeficientes de transmissão térmica máximos:

  • Edifícios de habitação (Portugal Continental, zona I3): Uw ≤ 2,20 W/(m².°C)

  • Edifícios de comércio e servios: Uw ≤ 3,30 W/(m².°C)

Controlo de ganhos solares:

  • Fatores solares máximos variáveis por zona climática e inércia térmica

  • Requisitos específicos para proteção solar e sombreamento

  • Limitação da área envidraçada em função da exposição solar



Sistemas técnicos: Eficiência e qualidade


Sistemas de Ventilação

Prioridades:

  • Privilegiar ventilação natural sempre que possível

  • Garantir renovação adequada do ar interior

  • Caudais mínimos definidos por tipologia de espaço

Exemplos de caudais mínimos (edifícios de comércio e servios):

Tipo de atividade

Caudal mínimo (m³/h por ocupante)

Sono

16

Descanso

20

Sedentária (escritórios)

24

Moderada (laboratórios)

35

Alta (pavilhões desportivos)

98

Obrigações técnicas:

  • Instalação de filtros adequados em sistemas mecânicos

  • Distâncias mínimas de segurança para captação de ar novo

  • Recuperação de energia em sistemas com potência superior a 80 kW

  • Testes de estanquidade e ajustamento


Sistemas de Climatização

Requisitos de desempenho:

  • Regulação separada da temperatura por espaço ou zona térmica

  • Isolamento térmico rigoroso de todas as redes de distribuição

  • Dispositivos de free-cooling quando caudal de insuflação superior a 10.000 m³/h

  • Recuperação de energia com eficiência mínima de 50%

Limitações de potência:

  • Aquecimento elétrico por efeito de Joule ≤ 5% da potência térmica global (máximo 25 kW por fração)

  • Reaquecimento terminal ≤ 10% da potência de arrefecimento

Controlo e monitorização:

  • Obrigatoriedade de contadores de energia em sistemas centralizados

  • Integração em sistemas de gestão técnica (potência ≥ 50 kW)

  • Pontos de monitorização de temperatura, consumos e eficiência


Sistemas de Preparação de Águas Quentes

Prioridades:

  • Privilegiar equipamentos com recurso a energia renovável

  • Isolamento térmico rigoroso de tubagens e depósitos

  • Instalação de sistemas solares térmicos certificados

  • Eficiência hídrica e minimização de desperdícios

Exigências para sistemas solares térmicos:

  • Certificação obrigatória por laboratório credenciado

  • Válvulas misturadoras para controlo de temperatura

  • Dimensionamento para 50% a 75% das necessidades anuais

  • Proteção contra congelamento e sobrepressões


Sistemas de Iluminação

Densidade de potência de iluminação (DPI):

A Portaria define limites máximos de potência instalada por unidade de iluminância, variáveis por tipologia de espço:

  • Escritórios e salas de aula: 1,8 W/(m².100 lux)

  • Corredores e escadas: 2,3 W/(m².100 lux)

  • Parques de estacionamento: 2,1 W/(m².100 lux)

Sistemas de controlo obrigatórios:

  • Deteção de presença e aproveitamento de luz natural

  • Regulação de intensidade luminosa

  • Integração em sistemas de gestão técnica

  • Temporizadores e horários de funcionamento


Sistemas de Automação e Controlo (SACE)

Aplicação por potência instalada:

Potência Nominal Global

Tipo de Sistema

100 kW ≤ PC < 290 kW

Sistema de Gestão Técnica (GT)

PC ≥ 290 kW

Sistema de Gestão Técnica Centralizada (GTC)

Funcionalidades mínimas:

  • Monitorização e registo contínuo de consumos

  • Análise comparativa de eficiência energética

  • Deteção de perdas de eficiência

  • Comunicação com sistemas técnicos (protocolos normalizados)

  • Contadores individualizados por sistema

  • Arquivo histórico de dados (mínimo 6 anos)

Classe de eficiência energética:

  • Até 2025: Classe B (EN 15232)

  • A partir de 2025: Classe A


Elevadores e mobilidade vertical

Requisitos de eficiência energética:

  • Ascensores: Classe B (ISO 25745-2)

  • Ascensores hidráulicos: Classe C

  • Escadas mecânicas e tapetes rolantes: Classe A (ISO 25745-3)


Infraestruturas de carregamento de veículos elétricos

Edifícios de habitação novos:

  • Suporte para futura infraestrutura em todos os lugares de estacionamento

  • Condutas e caminhos de cabos preparados

Edifícios de comércio e servios novos:

  • Suporte em um de cada cinco lugares

  • Instalação mínima de dois pontos de carregamento

  • Integração em sistema de gesto técnica de energia


Habitação unifamiliar com bom desempenho energético, vista da cozinha e área de jantar
Habitação unifamiliar com bom desempenho energético, vista da cozinha e área de jantar

Constrangimentos e flexibilidade


A Portaria reconhece a existência de situações excecionais e prevê mecanismos de flexibilidade:


Tipos de constrangimentos

  • Técnicos ou funcionais: Impossibilidade de cumprimento por diploma específico ou comprometimento do funcionamento

  • Económicos: Impossibilidade comprovada em edifícios certificados


Soluções alternativas

O técnico autor do projeto deve:

  • Identificar e justificar detalhadamente os constrangimentos

  • Propor soluções alternativas que minimizem impactos

  • Promover a melhoria do desempenho energético e conforto

  • Documentar todas as opções no projeto


Instalação, testes e ajustamento

  • Instalação por entidades devidamente habilitadas

  • Acompanhamento por técnicos qualificados (quando aplicável)

  • Conformidade com legislação, normas e projeto



Testes obrigatórios


A Portaria estabelece procedimentos rigorosos de verificação:

Sistemas de ventilação (caudal ≥ 3.000 m³/h):

  • Estanquidade de redes de condutas

  • Medição de caudais em terminais

  • Verificação de proteções elétricas

  • Limpeza e funcionalidade

Sistemas de climatização (potência > 30 kW):

  • Estanquidade de redes hidráulicas

  • Balanceamento de redes

  • Rendimento de combustão

  • Medição de consumos elétricos

Sistemas de iluminação (≥ 25% da área):

  • Medição de níveis de iluminância

  • Aferição de sistemas de controlo

  • Consumos de energia


Relatórios e documentação

  • Relatório de execução validado pelo dono de obra

  • Manuais de condução

  • Telas finais

  • Catálogos e certificados de conformidade

  • Procedimentos de manutenção



Conselhos práticos para Promotores e Proprietários


  • Planeie antecipadamente: Integre os requisitos energéticos desde a fase de conceção do projeto.

  • Escolha profissionais qualificados: Garanta que projetistas e instaladores têm formação específica em eficiência energética.

  • Valorize a envolvente: O investimento em isolamento térmico e envidraçados eficientes tem retorno garantido a médio prazo.

  • Aposte em energias renováveis: Sistemas solares térmicos e bombas de calor reduzem custos operacionais.

  • Não negligencie a ventilação: A qualidade do ar interior é fundamental para a saúde e bem-estar dos ocupantes.

  • Privilegie sistemas de controlo: A automação permite otimizar consumos sem comprometer o conforto.

  • Documente tudo: Mantenha registos de ensaios, certificados e manuais de manutenção.

  • Consulte especialistas: Em situações de constrangimento, procure apoio técnico especializado para encontrar soluções adequadas.



Impactos e benefícios


A aplicação rigorosa da Portaria n.º 138-I/2021 traduz-se em múltiplos benefícios:

Ambientais:

  • Redução significativa do consumo energético

  • Diminuição das emissões de gases com efeito de estufa

  • Contributo para os objetivos climáticos nacionais e europeus

Económicos:

  • Redução de custos com energia ao longo do ciclo de vida do edifício

  • Valorização imobiliária

  • Menor dependência energética do exterior

Sociais:

  • Melhoria do conforto térmico e qualidade do ar interior

  • Redução da pobreza energética

  • Promoção de emprego qualificado no setor



Para refletir


A Portaria n.º 138-I/2021 representa um salto qualitativo na regulamentação energética dos edifícios em Portugal, alinhando o país com as melhores práticas europeias. Mais do que uma obrigação legal, constitui uma oportunidade para repensar a forma como concebemos, construímos e gerimos os edifícios, promovendo simultaneamente sustentabilidade ambiental, eficiência económica e qualidade de vida.

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