Conforto Acústico em Edifícios Reabilitados: As novas exigências e soluções práticas
- Ana Carolina Santos

- 10 de set
- 4 min de leitura
A reabilitação de edifícios em Portugal tem sido uma prioridade nacional, especialmente nos centros históricos e urbanos consolidados. No entanto, estas intervenções enfrentam desafios específicos quando se trata de garantir o conforto acústico dos novos habitantes. As exigências técnicas atuais para isolamento sonoro representam um passo importante na valorização do património edificado, mas também trazem questões práticas que merecem atenção especial.

O enquadramento legal atual
O Regulamento dos Requisitos Acústicos dos Edifícios (RRAE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/2002, estabelece os valores mínimos de isolamento sonoro que devem ser respeitados em todas as construções novas e reabilitações. Este regulamento aplica-se também aos edifícios reabilitados, sendo especialmente relevante nas intervenções que alteram a estrutura ou compartimentação interior.
Valores de Referência para Edifícios Habitacionais
As principais exigências acústicas centram-se em dois parâmetros fundamentais:
DnT,w (Diferença normalizada ponderada): mede o isolamento sonoro a sons aéreos entre fogos
L'nT,w (Nível de pressão sonora de percussão normalizado ponderado): avalia o isolamento a ruídos de percussão
Para habitações, os valores mínimos exigidos são:
DnT,w ≥ 50 dB entre fogos distintos
DnT,w ≥ 40 dB entre espaços habitáveis e circulações comuns
L'nT,w ≤ 60 dB entre pisos sobrepostos
Desafios específicos na Reabilitação
Limitações Estruturais Existentes
Os edifícios antigos apresentam características construtivas que podem limitar significativamente o desempenho acústico:
Paredes em alvenaria de pedra: frequentemente com espessuras reduzidas e juntas irregulares
Pavimentos em madeira: com estruturas que transmitem facilmente vibrações
Coberturas tradicionais: sem isolamento acústico adequado
Tolerâncias especiais
Reconhecendo estas limitações, a legislação portuguesa prevê algumas tolerâncias para edifícios em reabilitação. Em determinadas circunstâncias, podem ser aceites reduções de até 3 dB nos valores exigidos, desde que devidamente fundamentadas tecnicamente e aprovadas pelas entidades competentes.
"A compatibilização entre preservação patrimonial e conforto acústico representa um dos maiores desafios técnicos da reabilitação urbana contemporânea."
Soluções técnicas inovadoras
Isolamento de Paredes Interiores
Para melhorar o isolamento acústico entre fogos sem comprometer a estrutura existente:
Contra-paredes com estrutura independente: criação de nova parede com isolamento específico
Sistemas de dupla placa de gesso cartonado: com material absorvente no interior
Painéis acústicos especializados: soluções de espessura reduzida mas elevada eficácia
Tratamento de Pavimentos
A redução de ruídos de percussão entre pisos pode ser conseguida através de:
Pavimentos flutuantes: criação de uma caixa de ar com material resiliente
Tectos falsos acústicos: instalação de sistemas suspensos com absorção sonora
Isolamento de tubagens: evitar transmissões parasitas através das instalações
Soluções para Caixilharias
As janelas representam frequentemente o ponto mais frágil do isolamento acústico:
Caixilharias de vidro duplo: com câmara de ar de dimensão adequada
Vedações perimetrais reforçadas: garantir estanquidade total
Caixas de estore com isolamento: evitar pontes acústicas
Metodologia de Intervenção
Diagnóstico inicial
Antes de qualquer intervenção, é fundamental realizar:
Ensaios acústicos in situ para caracterizar o estado existente
Análise das soluções construtivas tradicionais do edifício
Identificação das principais fontes de ruído no envolvente
Projeto de melhoria acústica
O projeto deve contemplar:
Soluções adaptadas à tipologia construtiva existente
Integração harmoniosa com os elementos patrimoniais a preservar
Análise custo-benefício das diferentes alternativas técnicas
Controlo de Qualidade
Durante a execução é essencial:
Verificação das espessuras de materiais isolantes aplicados
Controlo da execução das juntas e vedações
Ensaios intermédios para validar as soluções implementadas
Casos práticos e resultados
Reabilitação em Centros Históricos
Em intervenções recentes no centro histórico do Porto e Lisboa, verificou-se que:
A aplicação de contra-paredes com 8 cm de espessura permite ganhos de 8-12 dB
Pavimentos flutuantes com sistema de molas reduzem significativamente ruídos de percussão
Caixilharias especializadas podem melhorar o isolamento em 15-20 dB
Edifícios Pombalinos
Nas intervenções em edifícios pombalinos, as soluções mais eficazes incluem:
Reforço das paredes de tabique com materiais contemporâneos
Substituição de soalhos tradicionais por sistemas mistos madeira-betão
Criação de ante-câmaras acústicas nos acessos aos fogos

Benefícios e Valorização
Impacto na qualidade de vida
O investimento em conforto acústico traduz-se em:
Melhoria significativa do bem-estar dos ocupantes
Redução de conflitos entre vizinhos
Valorização do património imobiliário reabilitado
Sustentabilidade da intervenção
Edifícios com bom desempenho acústico apresentam:
Maior durabilidade das soluções implementadas
Redução de custos de manutenção a longo prazo
Compatibilidade com certificação energética
Conselhos para Proprietários
Planeamento da intervenção
Antes de iniciar uma reabilitação:
Solicite sempre um estudo acústico prévio por técnico especializado
Preveja no orçamento entre 5-10% para soluções de conforto acústico
Considere o faseamento das obras para minimizar perturbações
Escolha de Profissionais
Para garantir o sucesso da intervenção:
Exija experiência comprovada em reabilitação acústica
Solicite referências de projetos similares realizados
Confirme as qualificações técnicas dos projetistas envolvidos
Validação final
Após conclusão das obras:
Realize ensaios de receção para confirmar o cumprimento dos requisitos
Documente todas as soluções implementadas para futuras manutenções
Mantenha registos dos fornecedores e características dos materiais utilizados
Para refletir
A implementação de soluções acústicas adequadas em edifícios reabilitados não deve ser encarada apenas como uma obrigação legal, mas como um investimento na qualidade de vida urbana e na valorização do nosso património construído.
As novas exigências técnicas, longe de constituírem um obstáculo, representam uma oportunidade para elevar os padrões habitacionais dos centros urbanos consolidados. O sucesso destas intervenções depende de um planeamento cuidadoso, da escolha de soluções técnicas apropriadas e do acompanhamento especializado em todas as fases do projeto.
A reabilitação com conforto acústico adequado contribui decisivamente para a revitalização sustentável dos nossos centros urbanos, criando condições de habitabilidade que respondem às expetativas contemporâneas sem comprometer os valores patrimoniais existentes.



