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Normas de Acessibilidade na Reabilitação de Edifícios: Um novo olhar sobre o Património Edificado

  • Foto do escritor: Ana Carolina Santos
    Ana Carolina Santos
  • 28 de set.
  • 4 min de leitura

A reabilitação urbana em Portugal ganhou um novo impulso com a publicação do Decreto-Lei nº 95/2019, que estabeleceu o Regime Aplicável à Reabilitação de Edifícios ou Frações Autónomas (RAREFA). Esta transformação normativa representa um marco fundamental na forma como lidamos com o nosso património edificado, especialmente no que se refere às exigências de acessibilidade.


Edifício de habitação após obras de reabilitação, remodelação e projeto aprovado ao abrigo do RAREFA
Edifício de habitação após obras de reabilitação, remodelação e projeto aprovado ao abrigo do RAREFA


O Decreto-Lei nº 163/2006 define as condições de acessibilidade a satisfazer no projeto e na construção de espaços públicos, equipamentos coletivos e edifícios públicos e habitacionais. Este diploma estabelece que todas as áreas urbanizadas devem ser servidas por uma rede de percursos pedonais acessíveis, que proporcionem o acesso seguro e confortável das pessoas com mobilidade condicionada.

As normas técnicas de acessibilidade aplicam-se de forma abrangente, incluindo:

  • Edifícios habitacionais - com implementação gradual ao longo de oito anos

  • Equipamentos sociais de apoio a pessoas idosas e com deficiência

  • Estabelecimentos comerciais com superfície superior a 150 m²

  • Edifícios de escritórios e estabelecimentos que recebem público

  • Via pública e espaços de estacionamento



RAREFA: Uma abordagem equilibrada à Reabilitação


O RAREFA surge como resposta às dificuldades práticas encontradas na aplicação integral das normas de acessibilidade ao edificado existente. O regime estabelece três princípios fundamentais para as operações de reabilitação:


Proteção e Valorização do Existente

Este princípio reconhece que a atuação sobre o edificado existente deve integrar a preservação adequada da preexistência, conjugada com a melhoria do desempenho. Os valores a proteger incluem dimensões artísticas, científicas e socioculturais, expressos através das características arquitetónicas, construtivas e espaciais.


Sustentabilidade Ambiental

A reabilitação deve orientar-se para a minimização do impacto ambiental, privilegiando a reutilização de componentes, a utilização de materiais reciclados e a redução da produção de resíduos. A melhoria da eficiência energética constitui objetivo prioritário.


Melhoria Proporcional e Progressiva

O nível de satisfação das exigências regulamentares deve ser proporcional à profundidade da intervenção. Esta abordagem permite adequar e fasear a satisfação dos objetivos de qualidade nos edifícios, considerando uma relação custo-benefício equilibrada.



Comparação entre RGEU e Portaria nº 304/2019


A análise comparativa entre o Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU) e a Portaria nº 304/2019 revela uma evolução significativa na forma como abordamos as exigências funcionais da habitação.

Aspeto

RGEU

Portaria nº 304/2019

Área mínima de compartimentos

Mais restritiva

Mais flexível, adequada ao existente

Pé-direito mínimo

2,70 m (geral)

2,40 m (obras de alteração)

Ventilação natural

Exigências rígidas

Adaptadas às condicionantes existentes

Instalações sanitárias

Normas para construção nova

Flexibilização para reabilitação

A Portaria adequa o RGEU à especificidade das obras em edifícios existentes através de quatro abordagens principais:

  • Requisitos inferiores mas que garantem condições mínimas de segurança

  • Dispensa condicionada de alguns requisitos do RGEU

  • Atualização de requisitos obsoletos face aos atuais modos de vida

  • Complemento pontual das exigências regulamentares



Implementação prática das normas


Percursos Acessíveis

Os edifícios devem ser dotados de pelo menos um percurso acessível que proporcione acesso seguro entre a via pública e todos os espaços interiores e exteriores. Este percurso deve satisfazer especificações técnicas rigorosas:

  • Largura mínima de patamares, galerias e corredores: 1,2 m

  • Portas de entrada/saída: largura útil não inferior a 0,87 m

  • Rampas: inclinação máxima de 6% para desnível até 0,6 m


Adaptação de Edifícios Existentes

Os edifícios existentes têm prazos específicos para adaptação às normas de acessibilidade:

  • 10 anos para edifícios com construção anterior a 1997

  • 5 anos para edifícios com construção posterior a 1997

  • Isenção para edifícios já conformes com o Decreto-Lei nº 123/97


Exceções e Flexibilizações

O cumprimento das normas técnicas não é exigível quando as obras necessárias sejam desproporcionadamente difíceis ou requeiram meios económico-financeiros desproporcionados. As exceções devem ser devidamente fundamentadas e sujeitas a aprovação pelas entidades competentes.


"A reabilitação urbana em Portugal equilibra a preservação do património com as necessidades contemporâneas de acessibilidade, criando um modelo sustentável de intervenção no edificado existente."


Desafios e Oportunidades


Coordenação entre Especialidades

Uma intervenção pode ser simultaneamente abrangida pelo RAREFA em alguns domínios regulamentares e não noutros. Esta diferenciação não se afigura inconveniente, pois os diversos domínios correspondem a diferentes projetos de especialidade, exigindo o normal trabalho de compatibilização.


Justificação Técnica

Os projetistas devem identificar concretamente as condicionantes determinadas pela preexistência que justificam recorrer aos requisitos menos exigentes do RAREFA. Os motivos podem ser de natureza:

  • Técnica - trabalhos tecnicamente irrealizáveis

  • Económica - investimento desproporcionado

  • Ambiental ou cultural - destruição de elementos de valor

  • Estética - quebra da harmonia compositiva

  • Construtiva - incompatibilidade de sistemas


Fiscalização e Responsabilidades

A fiscalização do cumprimento das normas compete a diferentes entidades conforme o tipo de edifício:

  • Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais - entidades públicas centrais

  • Inspeção-Geral da Administração do Território - administração local

  • Câmaras Municipais - particulares


Vista do interior de edifício de habitação após obras de reabilitação, remodelação e projeto aprovado ao abrigo do RAREFA
Vista do interior de edifício de habitação após obras de reabilitação, remodelação e projeto aprovado ao abrigo do RAREFA

Benefícios Económicos e Sociais


Revitalização Urbana

O RAREFA promove a revitalização de centros históricos e áreas urbanas degradadas, criando condições para o retorno de população e atividades económicas a estas zonas.


Eficiência de Recursos

A reutilização do edificado existente representa uma utilização mais eficiente dos recursos naturais e energéticos, alinhando-se com os objetivos de sustentabilidade ambiental.


Inclusão Social

A melhoria das condições de acessibilidade promove a inclusão social e a qualidade de vida de pessoas com mobilidade condicionada, contribuindo para uma sociedade mais equitativa.



Para refletir


A evolução normativa em Portugal demonstra uma maturação significativa na abordagem à reabilitação urbana. O RAREFA representa um equilíbrio conseguido entre a preservação do património arquitetónico e a necessidade de adequação às exigências contemporâneas de habitabilidade e acessibilidade.

Esta transformação não se limita a uma simplificação burocrática, mas constitui uma mudança de paradigma que reconhece a especificidade do edificado existente. A implementação bem-sucedida deste regime depende da capacidade de todos os intervenientes - projetistas, entidades licenciadoras e proprietários - compreenderem e aplicarem os princípios orientadores de forma consistente e responsável.

A sustentabilidade da reabilitação urbana em Portugal passa, inevitavelmente, por esta abordagem integrada que valoriza simultaneamente a herança construída e as necessidades das gerações presentes e futuras.

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