Arrendamento forçado: Entenda o mecanismo e em que situações pode ser ativado
- Ana Carolina Santos
- 10 de ago.
- 3 min de leitura
O arrendamento forçado é uma medida extraordinária que permite às Câmaras Municipais assumir a posse temporária de um imóvel privado e arrendá-lo a terceiros. O objectivo é resolver situações de degradação que ponham em causa a segurança, a salubridade ou o acesso à habitação. A figura existe há décadas, mas foi actualizada ao longo do tempo no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE) e no Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU).

Enquadramento legal
RJUE – Artigos 106.º a 109.º, com destaque para o Art. 108.º-B (“Arrendamento forçado”) e 108.º-C (“Arrendamento forçado de habitações devolutas”, entretanto revogado em 2024).
RGEU – Artigos 9.º a 11.º, que impõem obras de conservação periódicas e admitem demolição ou ocupação municipal se o proprietário permanecer inerte.
Porque é que o arrendamento forçado existe?
Protecção da segurança pública
Edifícios em risco de colapso ou que ameacem ruína.
Defesa da salubridade urbana
Imóveis que exalam cheiros, alberguem pragas ou causem infiltrações na vizinhança.
Garantia da função social da habitação
Colmatar a falta de fogos disponíveis quando o mercado não responde.
Recuperação do investimento municipal
Permite à autarquia receber rendas para pagar obras feitas de forma coerciva.
Passo a passo do processo municipal
Etapa | Descrição | Prazos típicos |
Vistoria | Técnicos municipais confirmam o estado de degradação. | Imediato |
Intimação ao proprietário | Notificação para executar obras ou apresentar plano de intervenção. | ≥ 30 dias |
Obras coercivas | Se nada for feito, a Câmara executa as obras por sua conta. | Variável |
Registo de ónus | Auto de posse administrativa é registado na conservatória. | Até 5 dias após auto |
Arrendamento forçado | Imóvel é colocado no mercado (concursos ou regulamento municipal). | Após conclusão das obras |
Extinção do ónus | Proprietário pode retomar a posse pagando a dívida municipal. | A qualquer momento |
Quem paga o quê?
Câmara Municipal– Avança com o capital para as obras coercivas. – Garante seguro, manutenção e gestão do arrendamento.
Proprietário– Fica devedor das obras e despesas de gestão. – Valor é cobrado através das rendas recebidas ou, em último caso, por via executiva.
Requisitos para o proprietário retomar o imóvel
Pagamento integral das quantias em dívida.
Pedido escrito com 120 dias de antecedência.
Cumprimento das regras urbanísticas vigentes (eventuais licenças pendentes).
O que mudou em 2024?
O regime específico para “habitações devolutas” (Art. 108.º-C RJUE) foi revogado, devolvendo ao regime-geral do arrendamento forçado a disciplina dos imóveis vazios.
Mantêm-se, contudo, as obras coercivas e o arrendamento forçado sempre que estejam em causa condições de segurança ou salubridade.
Vantagens e desafios
Vantagens
Recuperação célere de edifícios degradados.
Aumento imediato da oferta habitacional.
Estímulo à conservação preventiva por parte dos proprietários.
Desafios
Complexidade administrativa e custos iniciais elevados.
Dificuldade em localizar herdeiros ou comproprietários.
Possíveis litígios judiciais sobre o valor das rendas ou das obras.

Conselhos práticos para proprietários
Faça vistorias regulares – Lembre-se de que o RGEU obriga a obras de conservação de 8 em 8 anos.
Responda às notificações – Ignorar a autarquia abre caminho à posse administrativa.
Documente todos os consumos – Contadores activos provam que a casa não está devoluta.
Planeie financeiramente – Reservas para manutenção saem sempre mais baratas do que obras coercivas.
Consulte técnicos habilitados – Um projecto de reabilitação bem preparado evita embargos e multas.
O que podem esperar os inquilinos?
Rendas fixadas pelo regulamento municipal ou concurso público, muitas vezes em linha com o arrendamento acessível.
Direitos e deveres idênticos aos do mercado privado, mas com a Câmara como senhorio.
Possibilidade de permanência até o proprietário saldar a dívida e readquirir o imóvel.
Para considerar
O arrendamento forçado é uma medida de último recurso, mas continua a ser um instrumento poderoso para combater a degradação do património edificado e garantir habitação digna. Proprietários atentos e responsáveis raramente enfrentam esta figura; pelo contrário, beneficiam de imóveis valorizados e cidades mais saudáveis.