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Licenciamento em Áreas Patrimoniais: Especificidades das Zonas Históricas Classificadas

  • Foto do escritor: Ana Carolina Santos
    Ana Carolina Santos
  • há 3 dias
  • 5 min de leitura

O licenciamento urbanístico em áreas de valor patrimonial representa um dos desafios mais complexos no panorama da construção e reabilitação em Portugal. Quando um imóvel se situa numa zona histórica classificada ou na proximidade de bens culturais protegidos, o processo de licenciamento ganha contornos específicos que exigem compreensão aprofundada das entidades intervenientes e dos procedimentos aplicáveis.


Edifício de habitação e comércio após obras de reabilitação e remodelação na Ribeira do Porto
Edifício de habitação e comércio após obras de reabilitação e remodelação na Ribeira do Porto


O regime de proteção do património cultural imóvel assenta numa estrutura legislativa consolidada, onde se destacam a Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro, que estabelece as bases da política de proteção e valorização do património cultural, e o Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro, que define os procedimentos de classificação e o regime das zonas de proteção.



"A proteção efetiva do património cultural exige uma articulação cuidada entre as várias entidades competentes, assegurando que cada intervenção respeita os valores históricos e arquitetónicos em presença."


Categorias de Classificação


Os bens imóveis podem ser classificados em três graus de proteção, cada um com implicações específicas para o licenciamento:

Monumentos Nacionais

  • Bens de interesse nacional com valor cultural inestimável

  • Procedimentos de licenciamento mais rigorosos

  • Intervenção direta da DGPC em todos os processos

Imóveis de Interesse Público

  • Valor cultural relevante a nível regional ou temático

  • Análise técnica especializada obrigatória

  • Coordenação entre DGPC e Câmaras Municipais

Imóveis de Interesse Municipal

  • Relevância cultural local

  • Procedimentos simplificados mas mantendo critérios de proteção

  • Maior autonomia municipal com supervisão técnica



As Entidades intervenientes no processo


Direção-Geral do Património Cultural (DGPC)

A DGPC assume o papel central na proteção e valorização do património cultural imóvel. As suas competências abrangem:

  • Coordenação dos procedimentos de licenciamento em bens classificados

  • Emissão de pareceres técnicos especializados sobre projetos de intervenção

  • Definição de critérios e orientações para obras em contexto patrimonial

  • Fiscalização das intervenções em curso

Divisão de Salvaguarda do Património Arquitetónico (DSPA)

No âmbito da DGPC, a DSPA coordena especificamente os procedimentos de licenciamento para obras em bens culturais classificados, atuando tanto diretamente nas áreas de Lisboa e Vale do Tejo como através das Direções Regionais de Cultura nas restantes regiões.


Câmaras Municipais

As Câmaras Municipais mantêm a competência de licenciamento, mas devem obrigatoriamente solicitar parecer da DGPC ou das CCDR conforme o grau de classificação do bem ou da zona em causa. Esta articulação é fundamental para assegurar que:

  • Os projetos respeitam as normas municipais de ordenamento do território

  • São observados os critérios específicos de proteção patrimonial

  • O procedimento decorre dentro dos prazos estabelecidos


Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR)

As CCDR intervêm na apreciação de projetos localizados em zonas de proteção, coordenando com a DGPC a emissão de pareceres técnicos e assegurando a aplicação uniforme dos critérios de proteção a nível regional.



Zonas de Proteção: Um sistema de salvaguarda territorial


Zona Geral de Proteção (ZGP)

Todos os bens classificados ou em vias de classificação beneficiam automaticamente de uma zona geral de proteção de 50 metros contados a partir dos seus limites externos. Esta zona constitui uma servidão administrativa que:

  • Sujeita qualquer obra de construção a parecer prévio favorável

  • Protege a envolvente imediata do bem classificado

  • Estabelece restrições morfológicas básicas


Zona Especial de Proteção (ZEP)

As zonas especiais de proteção são definidas caso a caso, estabelecendo restrições específicas adequadas à proteção e valorização do bem imóvel. Podem incluir:

Zonas Non Aedificandi

  • Áreas onde é vedada qualquer construção

  • Proteção de perspetivas e enquadramentos visuais importantes

  • Preservação de espaços livres significativos

Restrições Morfológicas específicas

  • Limitações de altura, volumetria e materiais

  • Prescrições sobre cores e acabamentos

  • Requisitos especiais para coberturas e vãos



Procedimentos de Licenciamento diferenciados


Obras Sujeitas a Licenciamento obrigatório

O artigo 4.º do RJUE estabelece que estão sujeitas a licença:

  • Obras de conservação, reconstrução, ampliação, alteração ou demolição em imóveis classificados

  • Obras em imóveis integrados em conjuntos ou sítios classificados

  • Obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração exterior ou demolição em zonas de proteção


Prazos específicos para Património Classificado

O Decreto-Lei n.º 10/2024 estabeleceu prazos diferenciados para o licenciamento:

Imóveis Classificados

  • Prazo de 150 dias para decisão municipal

  • Período adicional para consulta às entidades competentes em património

  • Possibilidade de prorrogação em casos de particular complexidade


Simplificações introduzidas em 2024

O mesmo diploma introduziu importantes simplificações no procedimento:

Eliminação de pareceres em situações específicas

  • Obras no interior sem impacte no subsolo ou elementos patrimoniais relevantes

  • Obras de conservação no exterior

  • Instalação de sinalética, toldos e mobiliário urbano temporário

Procedimentos acelerados

  • Deferimento tácito aplicável em determinadas circunstâncias

  • Eliminação do alvará de licença, substituído pelo comprovativo de pagamento de taxas

  • Redução da documentação exigível em casos de menor impacte


Vista do interior do edifício de habitação e comércio após obras de reabilitação e remodelação na Ribeira do Porto
Vista do interior do edifício de habitação e comércio após obras de reabilitação e remodelação na Ribeira do Porto

Conselhos para navegar com sucesso


Planeamento antecipado é fundamental

Antes de avançar com qualquer projeto numa zona classificada, é essencial:

Identificar todas as Servidões aplicáveis

  • Consultar o portal da DGPC para localizar bens classificados

  • Verificar a existência de zonas de proteção específicas

  • Analisar regulamentos municipais complementares

Contacto Prévio com as Entidades

  • Solicitar reuniões técnicas preparatórias com os serviços municipais

  • Estabelecer diálogo com a DGPC ou CCDR competente

  • Esclarecer critérios específicos aplicáveis ao caso


Preparação técnica especializada

Equipa multidisciplinar

  • Arquiteto com experiência em património histórico

  • Especialistas em conservação e restauro quando aplicável

  • Coordenação eficaz entre todas as especialidades técnicas

Documentação rigorosa

  • Levantamento detalhado do existente

  • Estudos históricos e construtivos

  • Justificação técnica das soluções propostas


Comunicação eficaz com as Entidades

Transparência no Processo

  • Apresentação clara dos objetivos da intervenção

  • Demonstração do respeito pelos valores patrimoniais

  • Disponibilidade para ajustamentos e melhorias

Acompanhamento ativo

  • Monitorização regular do estado do processo

  • Resposta célere a pedidos de esclarecimentos

  • Coordenação entre diferentes entidades intervenientes



Alertas importantes para Proprietários e Técnicos


  • Obras sem Licenciamento Adequado: As obras realizadas em desconformidade com os requisitos de proteção patrimonial estão sujeitas a embargo e demolição, além de coimas significativas.

  • Prazos de Validade: As licenças em zonas classificadas podem ter prazos de validade reduzidos, exigindo atenção especial ao calendário de execução.

  • Alterações de Projeto: Qualquer modificação durante a execução deve ser previamente autorizada por todas as entidades competentes.

  • Fiscalização Especializada: A execução das obras está sujeita a fiscalização técnica específica, podendo exigir acompanhamento arqueológico ou outras especialidades.



Para refletir


O licenciamento em zonas históricas classificadas representa muito mais do que um procedimento administrativo. É um ato de responsabilidade coletiva na preservação da memória e identidade cultural do nosso território. Cada projeto é uma oportunidade de conciliar as necessidades contemporâneas com o respeito pelo legado histórico, contribuindo para a vitalidade e sustentabilidade dos centros históricos.

A complexidade destes processos não deve ser encarada como um obstáculo, mas como o reflexo da importância dos valores em causa. O diálogo técnico qualificado, a preparação cuidada dos projetos e o respeito pelos procedimentos estabelecidos são os pilares de intervenções bem-sucedidas que honram o património enquanto respondem às necessidades do presente.


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