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Reabilitação Urbana: Compreenda os requisitos

  • Foto do escritor: Ana Carolina Santos
    Ana Carolina Santos
  • há 17 horas
  • 6 min de leitura

A Portaria n.º 304/2019, de 12 de setembro, constitui um marco regulamentar essencial para quem deseja reabilitar edifícios antigos em Portugal. Este diploma estabelece requisitos funcionais específicos e ajustados à realidade construtiva histórica, permitindo que edifícios com licença de construção emitida até 1 de janeiro de 1977 possam ser recuperados e adaptados ao uso habitacional contemporâneo, respeitando as suas características originais e viabilizando a requalificação do património edificado nacional.


Interior da casa burguesa do séc.XVIII no Porto após obras de reabilitação e remodelação ao abrigo da Portaria n.º304/2019
Interior da casa burguesa do séc.XVIII no Porto após obras de reabilitação e remodelação ao abrigo da Portaria n.º304/2019

Contexto e objetivo


A Portaria surge em cumprimento do Decreto-Lei n.º 95/2019, de 18 de julho, que estabelece o regime aplicável à reabilitação de edifícios ou frações existentes. O objetivo central é criar um quadro normativo flexível e realista que:

  • Facilite a reabilitação de edifícios antigos sem os inviabilizar economicamente

  • Preserve as características arquitetónicas e patrimoniais

  • Garanta condições mínimas de habitabilidade, segurança e salubridade

  • Estimule a regeneração urbana e a revitalização dos centros históricos

Edifícios abrangidos:

  • Edifícios com licença de construção emitida até 1 de janeiro de 1977

  • Destinados total ou predominantemente ao uso habitacional

  • Sujeitos a operações de reabilitação (alteração, ampliação ou reconstrução)



Tipos de Obras de Reabilitação


A Portaria classifica as intervenções em quatro categorias, cada uma com requisitos específicos:


Obras de Pequena Reorganização Espacial

Obras de alteração que reorganizam o espaço de forma limitada, cumprindo cumulativamente todos estes critérios:

  • Não altera a localização, forma ou dimensão de mais de um terço dos compartimentos

  • Não aumenta o número de compartimentos em mais do que um

  • Não altera a localização, forma ou dimensão da escada (quando existir)

  • Não altera a dimensão do corredor interior

  • Não altera o número de habitações

  • Não altera o número de pisos

Flexibilidade: Aplicam-se requisitos apenas aos espaços, instalações e elementos construtivos que forem objeto de intervenção.


Obras de Grande Reorganização Espacial

Obras de alteração que reorganizam significativamente o interior da habitação, não incluídas na categoria anterior.

Exigência: Os requisitos aplicam-se a toda a habitação objeto de intervenção.


Obras de Ampliação

Obras que aumentam a área de implantação, área total de construção, altura da fachada ou volume de uma edificação existente.

Aplicação mista:


Obras de Reconstrução

Obras de construção subsequentes à demolição total ou parcial de uma edificação existente, das quais resulte a reconstituição da estrutura das fachadas.

Aplicação mista:



Requisitos para interiores das habitações


Pé-Direito

Valores mínimos:

  • Compartimentos habitáveis: 2,30 m

  • Compartimentos não habitáveis: 2,10 m

Flexibilidade permitida:

  • As habitações podem manter o pé-direito existente desde que não seja inferior aos valores mínimos estabelecidos

  • Qualquer diminuição de pé-direito só é permitida se respeitar os mínimos e resultar em melhoria de segurança, conforto, salubridade ou funcionalidade

  • Em casos excecionais e devidamente justificados, admite-se a manutenção de pé-direito inferior (mas nunca a sua diminuição)


Sala, Quartos e Cozinha

Composição mínima obrigatória:

  • Uma sala

  • Uma instalação sanitária

  • Equipamento de cozinha (que pode estar integrado na sala)



Obras de Pequena Reorganização Espacial (quando intervencionados):


Compartimento

Área mínima

Dimensão mínima

Sala

10 m² (ou 14 m² com cozinha integrada)

Círculo com diâmetro ≥ 2,10 m

Quarto

5 m²

Círculo com diâmetro ≥ 2,10 m

Cozinha/Equipamento

Não especificada

Lava-louça, fogo e frigorífico



Obras de Grande Reorganização Espacial:


Compartimento

Área mínima

Dimensão mínima

Sala

10 m² (ou 14 m² com cozinha integrada)

Círculo com diâmetro ≥ 2,10 m

Quarto

6,5 m²

Círculo com diâmetro ≥ 2,10 m

Quarto de casal (tipologia > T4)

9,0 m²

Círculo com diâmetro ≥ 2,10 m

Cozinha/Equipamento

Não especificada

Lava-louça, fogo e frigorífico

Nota importante: Quando a área útil do compartimento for superior a 15 m², deve ser permitida a inscrição de um círculo com diâmetro não inferior a 2,40 m.


Instalações Sanitárias

Definições:

  • Instalação sanitária completa: Lavatório + sanita + base de duche

  • Instalação sanitária complementar: Sanita + lavatório



Obras de Pequena Reorganização Espacial:


  • Quando intervencionadas, devem cumprir os requisitos mínimos de uma instalação completa ou, caso já exista outra nessas condições, os de uma instalação complementar

  • Admite-se comunicação direta entre instalações sanitárias com sanita e compartimentos de habitação (exceto cozinhas), desde que adotadas disposições contra maus cheiros

  • Admite-se comunicação direta com cozinha apenas quando preexistente e com disposições adequadas



Obras de Grande Reorganização Espacial:

Tipologia

Instalações Sanitárias obrigatórias

Inferior a T3

1 instalação completa

T3 ou T4

1 instalação completa + 1 instalação complementar

Superior a T4

2 instalações completas


Corredores e Escadas

Corredores das habitações:

  • Podem manter as suas dimensões quando não são objeto de alteração

  • Quando alterados, devem cumprir o artigo 70.º do RGEU

Escadas das habitações:

  • Podem manter as suas dimensões quando não são objeto de alteração

  • Quando alteradas, devem ter largura mínima de 0,70 m e garantir utilização ergonómica


Dimensão dos Vãos (janelas e portas)

Regra geral: Os vãos nas habitações podem manter as suas dimensões.

Exceções e requisitos específicos:


Obras de Pequena Reorganização Espacial (compartimentos novos ou alterados):

  • Área total dos vãos em comunicação direta com o exterior ≥ 1/12 da área do compartimento habitável

  • Quando em plano inclinado: área mínima ≥ 1/10 da área do compartimento

  • Vãos situados entre 0,80 m e 2 m de altura em pelo menos 50% das áreas mínimas


Obras de Grande Reorganização Espacial (todos os compartimentos habitáveis):

  • Mesmos requisitos das obras de pequena reorganização espacial

Situações excecionais: Compartimentos habitáveis podem ser iluminados e ventilados através de outros compartimentos, desde que as áreas totais dos vãos (tanto em comunicação direta com o exterior como de ligação entre compartimentos) não sejam inferiores a 1/10 da área total dos compartimentos.


Caves, Sótãos, Águas-Furtadas e Mansardas

Habitações situadas em sótãos:

  • Pé-direito mínimo (definido no artigo 4.º) em pelo menos 50% da respetiva área útil

  • Considera-se área útil a soma da totalidade da área em planta com pé-direito não inferior a 2 m

  • Não é exigível o cumprimento dos artigos 77.º a 80.º do RGEU desde que não se verifique redução das características de habitabilidade



Espaços comuns dos Edifícios


Comunicações Verticais

Escadas e elevadores existentes:

  • Não é exigível o cumprimento dos artigos 46.º, 47.º e 50.º do RGEU

  • Não é permitida a redução das suas dimensões ou características funcionais


Sistema de Evacuação de Lixos

Nos edifícios de habitação coletiva não é exigível o cumprimento do artigo 97.º do RGEU relativo ao sistema de evacuação de lixos.


Logradouros

Não é exigível o cumprimento do artigo 76.º do RGEU relativo aos logradouros, mas não é permitida a redução das suas dimensões ou características funcionais.


Casa burguesa do séc.XVIII no Porto após obras de reabilitação e remodelação ao abrigo da Portaria n.º304/2019
Casa burguesa do séc.XVIII no Porto após obras de reabilitação e remodelação ao abrigo da Portaria n.º304/2019

Edificação em conjunto


Altura máxima da Edificação

Regra geral: Não é exigível o cumprimento do artigo 59.º do RGEU quando a desconformidade seja preexistente, mas não é permitido o seu agravamento.

Exceções:

  • Quando o edifício se localiza numa área abrangida por regulamento específico, as suas regras prevalecem

  • Nas obras de ampliação com aumento do número de pisos, deve ser observado o RGEU, salvo em casos de desconformidade preexistente (sem agravamento)


Afastamento mínimo entre Fachadas

Vãos preexistentes:

  • A distância entre vãos de compartimentos de habitação entre fachadas pode não cumprir o valor mínimo do artigo 60.º do RGEU, quando os vãos não sejam objeto de alteração

Criação ou alteração de vãos:

  • Nas fachadas que não respeitem o artigo 60.º do RGEU, só podem ser criados ou alterados vãos por motivos de segurança, salubridade ou coerência formal com os restantes vãos não intervencionados da mesma fachada


Intervalo entre Fachadas Posteriores

Regra geral: Não é exigível o cumprimento do artigo 62.º do RGEU.

Exceção: Nos casos em que se procede a uma total reorganização espacial do lote, é exigível o cumprimento do artigo 62.º do RGEU.


Relação com o RGEU

A Portaria n.º 304/2019 não substitui o RGEU, mas estabelece uma relação de subsidiariedade:

  • O RGEU é aplicável subsidiariamente aos requisitos funcionais da habitação e da edificação em conjunto previstos na Portaria

  • Sempre que a Portaria não estabeleça requisitos específicos, aplica-se o RGEU

  • A Portaria permite flexibilizações justificadas pela necessidade de preservação patrimonial e viabilidade económica da reabilitação



Vantagens e impactos da Portaria


Para proprietários e promotores:

  • Viabilização económica de projetos de reabilitação

  • Redução de custos com obras estruturais desnecessárias

  • Preservação de características arquitetónicas originais

  • Valorização do património imobiliário

Para o setor da construção:

  • Estímulo à reabilitação urbana

  • Criação de emprego especializado

  • Dinamização económica dos centros históricos

  • Promoção da sustentabilidade (reabilitação vs. construção nova)

Para a sociedade:

  • Recuperação de edifícios devolutos

  • Revitalização dos centros urbanos

  • Preservação do património arquitetónico

  • Melhoria da qualidade de vida urbana



Conselhos práticos


  • Confirme a data da licença de construção: A Portaria só se aplica a edifícios com licença emitida até 1 de janeiro de 1977

  • Classifique corretamente o tipo de obra: A distinção entre pequena e grande reorganização espacial determina o nível de exigência dos requisitos

  • Documente as preexistências: Levantamento rigoroso do estado existente é essencial para justificar flexibilizações

  • Articule com regulamentos locais: Planos municipais e regulamentos de proteção patrimonial podem ter requisitos adicionais

  • Justifique tecnicamente as opções: A memória descritiva do projeto deve fundamentar todas as decisões à luz dos princípios do Decreto-Lei n.º 95/2019

  • Privilegie soluções que melhorem a habitabilidade: A flexibilidade da Portaria não dispensa a procura da melhor solução técnica possível

  • Consulte especialistas: Arquitetos e engenheiros com experiência em reabilitação são essenciais para o sucesso do projeto



Para refletir


A Portaria n.º 304/2019 representa um equilíbrio cuidadoso entre a preservação do património edificado e a necessidade de garantir condições mínimas de habitabilidade. Ao estabelecer requisitos ajustados à realidade dos edifícios antigos, este diploma viabiliza projetos de reabilitação que, de outra forma, seriam económica ou tecnicamente inviáveis, contribuindo decisivamente para a regeneração urbana e a salvaguarda da identidade arquitectónica das nossas cidades.

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