Requisitos legais em avaliações para Crédito Bancário: O que os proprietários devem saber
- Ana Carolina Santos

- 18 de dez.
- 7 min de leitura
Quando solicita um crédito bancário para comprar ou refinanciar uma propriedade, o banco não financia baseado apenas no preço que acorda com o vendedor. O banco financia baseado numa avaliação independente feita por um perito especializado. Esta avaliação não é uma formalidade burocrática — é um processo regulado por legislação rigorosa, com requisitos legais específicos que protegem tanto o banco como o consumidor. Compreender estes requisitos oferece ao proprietário uma perspetiva clara sobre como a avaliação é feita, por quem, e como pode impactar o financiamento que consegue obter. A verdade é que muitos proprietários desconhecem que requisitos legais definem completamente o processo de avaliação em Portugal.
Avaliação para crédito bancário não é uma opinião de perito; é um processo regulado por legislação europeia e nacional que define rigorosamente como o imóvel deve ser avaliado.
O marco legal: Legislação que governa as avaliações
A avaliação de imóveis para fins de crédito em Portugal é regulada por legislação complexa que evoluí com as reformas europeias.
Legislação chave:
Lei nº 153/2015: Regula o acesso e exercício da atividade de peritos avaliadores de imóveis que prestem serviços a entidades do sistema financeiro nacional (bancos, seguradoras, etc.)
Decreto-Lei nº 74-A/2017: Estabelece o regime de contratos de crédito relativos a imóveis, e transpõe Diretiva Europeia 2014/17/UE sobre crédito a consumidores para imóveis de habitação
Avisos do Banco de Portugal: Especificamente Aviso nº 5/2006 e circulares posteriores estabelecem requisitos técnicos para avaliação
Normas Europeias de Avaliação (EVS 2025): A partir de 1 de janeiro de 2025, novas normas harmonizadas europeias aplicam-se em Portugal, estabelecendo padrões conservadores e prudentes
Regulamentações Prudenciais: Regulamento (UE) nº 575/2013 e nº 2019/876 (Basileia III) estabelecem critérios conservadores para avaliação em contexto de financiamento hipotecário
Este enquadramento não é teórico — tem implicações práticas diretas no valor que o banco considera para efeitos de financiamento.
Quem pode fazer avaliações para Crédito Bancário
Não é qualquer pessoa que pode fazer avaliação para fins de crédito. Requisitos legais são rigorosos.
Perito Avaliador Certificado:
Apenas peritos avaliadores registados na CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários) podem realizar avaliações para fins de crédito bancário.
Requisitos para ser registado como perito avaliador:
Idoneidade: Capacidade de decidir de forma ponderada, criteriosa e independente; cumprimento pontual de obrigações; comportamentos compatíveis com preservação de confiança nas suas funções
Qualificação: Formação técnica apropriada em avaliação imobiliária
Experiência profissional: Demonstração de experiência prática em avaliação de imóveis
Cobertura de Responsabilidade Civil: Apólice de seguro de responsabilidade civil profissional obrigatória, com empresa de seguros reconhecida
O perito é supervisionado pela CMVM e está sujeito a verificações regulares.
Independência obrigatória:
O perito deve ser independente. Lei n.º 153/2015 estabelece explicitamente que o perito não pode ter conflito de interesse que possa afetar a sua objetividade. Isto significa: o perito não pode ser proprietário do imóvel, familiar do comprador/vendedor, ou ter interesse financeiro no resultado da transação.
Contrato direto com Instituição Financeira:
O perito contrata diretamente com banco (ou instituição de crédito), não com o proprietário. Isto assegura independência — o banco paga o perito, não o proprietário ou comprador.
O processo de avaliação: O que é obrigatório
Processo de avaliação para o crédito não é discricionário — a legislação define passos obrigatórios.
1. Pedido formal de avaliação
O banco (instituição de crédito) inicia o processo formalmente. Isto não é informal — é procedimento documentado.
O banco fornece ao perito:
Certidão predial do imóvel
Caderneta predial atualizada
Plantas do imóvel
Alvará de construção (se aplicável)
Documentação de proprietário anterior (comparação)
2. Vistoria presencial obrigatória
O perito deve visitar fisicamente o imóvel. Não é possível avaliação por fotografia ou descrição.
Durante vistoria, o perito:
Inspeciona estado de conservação (estrutura, telhado, paredes, janelas, instalações)
Mede áreas (sala, quartos, cozinha, casas de banho)
Fotografa imóvel (interior e exterior)
Verifica a envolvente (bairro, proximidade a escolas/transportes, ruído, poluição)
Analisa a localização e acessibilidades
Valida a informação com documentação (certidão predial, plantas)
3. Análise técnica detalhada
Após vistoria, o perito realiza análise técnica que inclui:
Comparação com imóveis similares: Perito analisa preços de propriedades comparáveis recentemente vendidas (últimos 6-12 meses) em zona similar
Análise de mercado local: Verificação de tendências de preços na zona
Cálculo de valor: Utilizando métodos reconhecidos (desconto de rendimento, comparação com imóveis similares, custo de reposição)
Ajustamentos: Fatores específicos do imóvel (localização premium, defeitos, idade, estado)
4. Relatório formal escrito
O resultado é um relatório escrito formal que deve incluir:
Identificação clara do perito (nome, registo CMVM, apólice seguros)
Identificação do imóvel (morada, área, descrição)
Descrição detalhada do estado (estrutura, sistemas, acabamentos)
Fotografias do imóvel
Análise de valor (métodos utilizados, justificação)
Dois valores de avaliação:
Valor de mercado (valor em transação livre no mercado)
Valor da garantia hipotecária (valor conservador para efeitos de garantia)
Declaração assinada pelo perito de que a avaliação foi feita conforme requisitos legais
Data e assinatura do perito
O relatório é um documento legalmente vinculativo — o perito assume responsabilidade pela avaliação.
Os dois valores: Valor de Mercado vs Valor da Garantia
A legislação define dois conceitos de valor, e esta distinção é crítica.
Valor de Mercado:
Preço esperado de venda do imóvel em transação voluntária entre comprador e vendedor informados, em data específica. É valor "real" do imóvel.
Contudo, com reformas europeias (EVS 2025), desde de 2025, o valor de mercado para fins de financiamento hipotecário deve ser avaliado com critérios conservadores e prudentes. Isto significa: não é um valor máximo teórico, mas um valor realista e sustentado.
Valor da Garantia Hipotecária (Mortgage Lending Value - MLV):
Antes de 2025, os bancos podiam usar o "Valor da Garantia Hipotecária" — conceito mais conservador que o valor de mercado. Com EVS 2025, este conceito foi praticamente eliminado para empréstimos hipotecários comuns, sendo mantido apenas para obrigações cobertas (covered bonds).
A mudança significa: os bancos devem usar a avaliação de mercado com cautela, não avaliações inflacionadas.
Impacto prático para o proprietário:
Apenas o menor dos dois valores (90% do valor de compra OU avaliação de mercado conservadora) é usado para calcular financiamento máximo.
Exemplo: Casa com preço de compra 200.000€, mas perito avalia por 180.000€. Banco financia até 90% de 180.000€ = 162.000€. Comprador precisa de capitais próprios de 38.000€.
Prazos e validade da avaliação
A legislação estabelece prazos específicos.
Validade da avaliação:
Uma avaliação é válida por quanto tempo? A legislação estabelece:
Avaliação é válida por até 6 meses se foi elaborada por perito registado na CMVM
O cliente pode solicitar ao banco que reutilize avaliação anterior (menos de 6 meses) se foi feita para outro banco — e o banco não pode cobrar nova comissão se a aceitar
Banco pode recusar avaliação com >3 meses se houver alterações de mercado relevantes
Revisão da avaliação:
Para certos créditos, revisão periódica é obrigatória:
Créditos >5% dos fundos próprios do banco OU >€500.000 (habitação) OU >€1.000.000 (comercial)
Avaliação deve ser revista a cada 3 anos para manter garantia adequada
Sempre que houver informações indicando diminuição substancial do valor do imóvel, a reavaliação pode ser ordenada
Processamento:
A avaliação não deve demorar mais de 20 dias úteis, embora na prática é frequentemente 10-15 dias.
Custos da avaliação: Quem paga
Questão frequente: quem paga a avaliação?
O custo é suportado pelo cliente que pede financiamento. Conforme Decreto-Lei 74-A/2017, o cliente (comprador) paga comissão pelo procedimento de avaliação através de cobrança do banco.
Custo típico em Portugal:
Habitação: 150-300€ (conforme valor do imóvel)
Comercial/Industrial: 300-800€ (conforme complexidade)
A comissão é única — o banco não pode cobrar múltiplas comissões de avaliação.
Proteção legal:
Se o cliente já tem avaliação válida (menos de 6 meses) de um perito certificado pela CMVM, pode solicitar ao banco a reutilização. Se o banco recusa sem motivo legal, não pode cobrar nova comissão.
Impacto da avaliação na aprovação de crédito
Avaliação não é formalidade — tem impacto real na aprovação e montante de crédito.
Cenários:
Avaliação ≥ Preço de Compra: Sem problemas. Banco financia 90% do valor de compra.
Avaliação < Preço de Compra: Banco financia apenas 90% da avaliação. Comprador precisa de capitais próprios maiores.
Avaliação significativamente menor: Se diferença é muito grande (ex: preço 200k, avaliação 150k), banco pode questionar e exigir revisão de preço ou rejeitar financiamento.
Avaliação revela problemas: Se vistoria revela defeitos estruturais, ilegais, ou não conformidades, o banco pode recusar financiamento até ser resolvidos.
Novidades em 2025: Normas Europeias de Avaliação
(EVS 2025)
Desde de 1 de janeiro de 2025, as novas normas aplicam-se em Portugal.
Mudanças principais:
Critérios mais conservadores: A avaliação deve ser prudente, não otimista. Isto significa que os valores de avaliação podem ser mais baixos que antes
Eliminação de conceitos antigos: Valor da Garantia Hipotecária (MLV) deixa de ser opção para empréstimos hipotecários comuns
Foco em sustentabilidade: Avaliações devem considerar fatores de sustentabilidade (eficiência energética, fatores ambientais) com peso crescente
Alinhamento europeu: Todos os países da UE usam os mesmos critérios — reduz discrepâncias entre avaliações
Prática: avaliações em 2025 tendem a ser mais conservadoras que em 2024. Isto afeta o valor de garantia disponível.
Conselhos práticos para Proprietários
1. Tenha a documentação completa e pronta
Quando pedir avaliação, tenha disponível:
Certidão predial atualizada
Caderneta predial
Plantas do imóvel
Alvará de construção
Conta da energia (para dados de consumo)
Documentação de melhorias recentes
Documentação completa acelera o processo e evita atrasos.
2. Prepare o imóvel para vistoria
Embora a avaliação seja técnica, um imóvel limpo e organizado oferece melhor apresentação:
Limpeza geral
Reparos óbvios feitos (se viável)
Espaços acessíveis (sem móveis a bloquear passagens)
Isto não "compra" avaliação mais alta, mas oferece melhor avaliação visual.
3. Valide a avaliação
Após receber relatório, valide:
Áreas descritas estão corretas? Compare com plantas.
Descrição de estado é justa?
Comparáveis utilizados fazem sentido?
Se discorda, pode questionar o banco dentro de prazo (tipicamente 5-10 dias).
4. Reutilize a avaliação anterior
Se já tem avaliação válida (<6 meses) de perito certificado, solicite reutilização no novo banco. Pode economizar 150-300€.
5. Questione uma avaliação muito baixa
Se a avaliação é significativamente menor que preço de compra (>15% diferença), questione. Pode solicitar revisão ou segunda avaliação em certos casos.
Para considerar
Requisitos legais em avaliações para crédito bancário existem por uma razão clara: proteger o sistema financeiro contra sobreavaliações que causam bolhas especulativas, e proteger o consumidor de financiar com base em valores irreais.
A verdade: a avaliação para crédito não é o "preço que o imóvel vale" — é "valor conservador de garantia que o banco aceita para fins de financiamento". Estes não são a mesma coisa. A legislação em 2025 reforça isto ainda mais. Critérios de avaliação tornaram-se mais conservadores, transparentes, e alinhados a diretrizes europeias. Isto significa: menos inflação de valores, mas também maior previsibilidade e confiança no sistema.
Para um proprietário que compra com crédito, isto é uma realidade: a avaliação pode ser significativamente menor que o preço esperado. Isto não é fraude — é proteção regulatória. Deve planear capitais próprios, considerando o cenário de avaliação conservadora, não otimista.



