Abastecimento de Água em edifícios: O regulamento que protege a saúde pública
- Ana Carolina Santos

- 29 de out.
- 6 min de leitura
Quando se constrói ou reabilita uma habitação em Portugal, há um elemento fundamental que raramente recebe a devida atenção: o sistema de abastecimento de água potável. Este componente vital é regulado pelo Regulamento Geral do Abastecimento de Água, mencionado no Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38 382, de 7 de agosto de 1951. Este regulamento assegura que todas as edificações disponham de água potável em quantidade e qualidade adequadas para alimentação e higiene dos ocupantes.
"As instalações de distribuição de água potável devem estabelecer-se de modo que ela siga directamente da origem do abastecimento do prédio até aos dispositivos de utilização, sem retorno prolongada em quaisquer reservatórios."
O que é o Regulamento Geral do Abastecimento de Água?
O Regulamento Geral do Abastecimento de Água constitui o enquadramento normativo que estabelece as condições técnicas e sanitárias aplicáveis ao fornecimento de água potável aos edifícios em Portugal. Embora seja referenciado no RGEU, este regulamento específico define normas rigorosas destinadas a proteger a saúde pública através da garantia de qualidade e segurança da água distribuída.
O objetivo primordial deste regulamento é simples mas essencial: garantir que todas as edificações disponham de água potável na quantidade bastante para a alimentação e higiene dos seus ocupantes, evitando contaminações, infiltrações e alterações que possam comprometer a salubridade das habitações.
Âmbito de aplicação: Quando se aplica?
O Regulamento Geral do Abastecimento de Água aplica-se a:
Todas as novas edificações – as construções novas devem incluir, desde a fase de projeto, sistemas de abastecimento de água em conformidade com as normas regulamentares
Obras de reconstrução, ampliação e alteração – sempre que se intervenha numa edificação existente, os sistemas de abastecimento de água devem ser avaliados e, se necessário, atualizados para cumprir os requisitos legais
Edifícios de habitação, comércio, indústria e utilização coletiva – o regulamento é transversal a diversos tipos de uso, garantindo condições mínimas de salubridade
Ligação obrigatória à rede pública – salvo casos de isenção legal, os prédios situados em locais servidos por rede pública de abastecimento de água são obrigatoriamente providos de sistemas de canalizações interiores ligadas àquela rede por meio de ramais privativos
Contexto histórico: Da salubridade urbana à modernização
Antes da aprovação do RGEU em 1951, vigorava o Regulamento de Salubridade das Edificações Urbanas, de 1903, que apresentava disposições elementares sobre saneamento e abastecimento de água. Com a evolução das técnicas construtivas, o crescimento urbano e a maior consciência sobre saúde pública, tornou-se imperativo criar um regulamento mais abrangente e exigente.
A promulgação do RGEU em 1951 marcou uma viragem decisiva ao integrar, pela primeira vez, disposições técnicas rigorosas sobre:
Conceção e instalação de sistemas de abastecimento de água
Materiais a utilizar nas canalizações
Proteção contra contaminação
Qualidade e inalterabilidade da água
Ligação às redes públicas
Desde então, várias atualizações legislativas adaptaram o regulamento às realidades contemporâneas, mantendo sempre o princípio basilar: salvaguardar a saúde pública e garantir condições de habitabilidade dignas.
Do que trata o Regulamento?
O Regulamento Geral do Abastecimento de Água estabelece um conjunto detalhado de exigências técnicas, entre as quais se destacam:
1. Abastecimento obrigatório
As habitações devem normalmente ter assegurado o seu abastecimento de água potável na quantidade bastante para a alimentação e higiene dos seus ocupantes.
Os prédios situados em locais servidos por rede pública de abastecimento de água são providos de sistemas de canalizações interiores de distribuição, ligadas àquela rede por meio de ramais privativos, devendo dar-se a uns e outros traçados e dimensões tais que permitam o abastecimento direto e contínuo de todos os inquilinos.
2. Proteção da qualidade da água
As canalizações, dispositivos de utilização e acessórios de qualquer natureza das instalações de água potável dos prédios são estabelecidos e explorados tendo em atenção as disposições do RGEU e as do Regulamento Geral do Abastecimento de Água, de forma que possam rigorosamente assegurar a protecção da água contra contaminação ou simples alteração das suas qualidades.
Regras fundamentais:
As instalações de distribuição de água potável são inteiramente distintas de qualquer outra instalação de distribuição de água ou de drenagem
As canalizações de água mantêm-se isoladas das canalizações de esgoto em todo o seu traçado
A alimentação, pelas instalações de água potável, das bacias de retrete, urinóis ou quaisquer outros recipientes ou canalizações insalubres só pode ser feita mediante interposição de um dispositivo isolador adequado
3. Materiais permitidos
Nas instalações de água potável é interdita a utilização de materiais que não sejam reconhecidamente impermeáveis e resistentes ou que não ofereçam suficientes garantias de inalterabilidade da água até à sua utilização.
4. Sistemas de distribuição
As instalações de distribuição de água potável devem estabelecer-se de modo que ela siga directamente da origem do abastecimento do prédio até aos dispositivos de utilização, sem retenção prolongada em quaisquer reservatórios.
Quando seja manifestamente indispensável o emprego de depósitos de água potável, estes têm disposições que facilitem o seu esvaziamento total e limpeza frequentes, sendo instalados em locais salubres e arejados, distantes das embocaduras dos tubos de ventilação dos esgotos e protegidos contra o calor.
5. Poços e cisternas
Poços:
Devem ficar afastados de origens de possíveis conspurcações da água
As paredes são guarnecidas de revestimento impermeável nos seus primeiros metros e elevam-se acima do terreno no mínimo de 0,50 m
Deve evitar-se a infiltração de águas sujas, protegendo o terreno adjacente ao perímetro da boca numa faixa de largura não inferior a 1,50 m e com declive para a periferia
As coberturas são sempre estanques
Qualquer abertura de ventilação deve ser protegida contra a entrada de mosquitos, poeiras ou outras matérias estranhas
Cisternas:
São providas de dispositivos eficazes que impeçam a recolha das primeiras águas caídas nas coberturas do prédio
Retêm a todo o momento quaisquer matérias sólidas arrastadas pela água recolhida
Têm sempre cobertura rigorosamente estanque
Qualquer abertura para arejamento é protegida contra a entrada de mosquitos, poeiras ou outras matérias estranhas
6. Interdição de utilização
É interdita a utilização de poços ou cisternas para o abastecimento de água de alimentação sempre que se verifiquem condições de deficiente segurança contra quaisquer possibilidades de contaminação.
Profissionais que executam: Quem está habilitado?
A conceção, execução e fiscalização dos sistemas de abastecimento de água requerem a intervenção de profissionais tecnicamente habilitados. Em Portugal, destacam-se:
Autores de projeto
Engenheiros civis legalmente habilitados, inscritos nas respetivas ordens profissionais, responsáveis pela elaboração de projetos de redes de abastecimento de água e especialidades.
Os projetos devem incluir termos de responsabilidade que atestem a observância das normas técnicas e regulamentares em vigor, designadamente as normas legais e regulamentares aplicáveis.
Diretores de obra e fiscalização
Engenheiros com competência técnica para dirigir e fiscalizar a execução das obras, garantindo a conformidade com o projeto aprovado e as condições de licenciamento.
Empreiteiros e construtores
Empresas certificadas pelo Instituto da Construção e do Imobiliário (InCI, I.P.), responsáveis pela execução física das canalizações. Os empreiteiros respondem solidariamente, juntamente com os diretores de obra, pela conformidade da execução.
Empresas certificadas para ligação às redes
As ligações às redes de água podem ser efetuadas por empresas certificadas pelas entidades responsáveis por essas redes, casos em que fica o interessado dispensado de qualquer formalidade. Para este efeito, as entidades gestoras de redes de água disponibilizam no seu sítio na Internet uma lista com, pelo menos, sete empresas habilitadas a proceder ligação à rede.
Câmaras municipais e entidades fiscalizadoras
As Câmaras Municipais têm competência para licenciar, fiscalizar e exigir a correção de más condições de salubridade ou solidez das canalizações. A fiscalização garante que as instalações cumprem os requisitos de segurança, salubridade e proteção ambiental.
Regulamento Geral do Abastecimento de Água
Conselhos práticos
Consulte sempre um técnico qualificado (engenheiro civil) antes de executar ou alterar sistemas de abastecimento de água
Verifique se o seu imóvel está ligado à rede pública de abastecimento de água. Em caso negativo, assegure-se de que dispõe de um sistema adequado e conforme às normas legais
Mantenha a documentação técnica atualizada: projetos, licenças e termos de responsabilidade são fundamentais em processos de fiscalização e transações imobiliárias
Realize manutenções periódicas aos sistemas de abastecimento de água para garantir o bom funcionamento e prevenir avarias ou contaminações
Proteja poços e cisternas contra infiltrações e contaminações, assegurando limpezas frequentes e coberturas estanques
Respeite as normas de separação entre canalizações de água potável e canalizações de esgoto
Importante: A conformidade legal e técnica dos sistemas de abastecimento de água é essencial para a saúde pública, a segurança e a valorização do seu imóvel.
Em poucas palavras
O Regulamento Geral do Abastecimento de Água constitui um instrumento legal fundamental para garantir a saúde pública, a salubridade das edificações e a qualidade da água distribuída em Portugal. Assegura que todos os edifícios dispõem de sistemas adequados de fornecimento de água potável, concebidos e executados por profissionais qualificados, sujeitos a fiscalização municipal e em conformidade com normas técnicas rigorosas. A sua aplicação abrange novas construções e intervenções em edifícios existentes, promovendo padrões elevados de qualidade de vida urbana e proteção da saúde dos ocupantes.



