Alojamento Local em Portugal: O novo Regime Jurídico e as suas implicações
- Ana Carolina Santos

- 7 de set.
- 5 min de leitura
O setor do turismo em Portugal tem registado um crescimento exponencial nas últimas décadas, e com ele surgiu a necessidade de regulamentar uma modalidade de alojamento que se tornou cada vez mais popular: o alojamento local. O Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto, veio estabelecer um quadro normativo específico para esta atividade, criando um regime jurídico próprio que reconhece a relevância turística desta figura no panorama nacional.

A evolução da regulamentação
Antes da entrada em vigor deste diploma, o alojamento local era regulamentado de forma residual através de outros instrumentos normativos. A criação inicial desta figura remonta ao Decreto-Lei n.º 39/2008, que permitia a prestação de serviços de alojamento temporário em estabelecimentos que não cumpriam os requisitos exigidos para empreendimentos turísticos.
Com o crescimento significativo desta atividade, tornou-se evidente a necessidade de criar um regime jurídico autónomo, capaz de dar resposta às especificidades deste setor. O Decreto-Lei n.º 128/2014 eleva assim o alojamento local de categoria residual para categoria autónoma, reconhecendo a sua importância no contexto turístico nacional.
Definição e modalidades de Alojamento Local
O que é Alojamento Local?
Consideram-se estabelecimentos de alojamento local aqueles que prestam serviços de alojamento temporário a turistas, mediante remuneração, reunindo os requisitos previstos na lei. É importante notar que é expressamente proibida a exploração como alojamento local de estabelecimentos que reúnam os requisitos para serem considerados empreendimentos turísticos.
As três modalidades
O diploma estabelece três modalidades distintas de alojamento local:
Moradia
Constituída por um edifício autónomo de caráter unifamiliar
Unidade de alojamento independente e completa
Apartamento
Fração autónoma de edifício
Parte de prédio urbano suscetível de utilização independente
Modalidade cada vez mais frequente no mercado turístico
Estabelecimentos de Hospedagem
Unidades de alojamento constituídas por quartos
Podem utilizar a denominação "hostel" se cumprirem requisitos específicos
Processo de registo: Simplificação e controlo
Registo obrigatório
O registo de estabelecimentos de alojamento local é efetuado mediante comunicação prévia dirigida ao Presidente da Câmara Municipal territorialmente competente. Esta comunicação é realizada exclusivamente através do Balcão Único Eletrónico, que atribui automaticamente um número de registo ao estabelecimento.
Documentação necessária
A comunicação prévia deve incluir:
Autorização de utilização ou título válido do imóvel
Identificação completa do titular da exploração
Nome e endereço do estabelecimento
Capacidade (quartos, camas e utentes)
Data pretendida de abertura ao público
Contacto de emergência
Documentos de Instrução
O pedido deve ser acompanhado de:
Documento de identificação do titular
Termo de responsabilidade sobre a idoneidade do edifício
Caderneta predial urbana (se proprietário)
Contrato de arrendamento com autorização (se arrendatário)
Declaração de início de atividade junto da Autoridade Tributária
Requisitos técnicos e de funcionamento
Capacidade e limitações
A legislação estabelece limites claros para evitar a descaracterização dos espaços urbanos:
Capacidade máxima de 9 quartos e 30 utentes (exceto hostels)
Cada proprietário pode explorar no máximo 9 apartamentos por edifício
Cálculo conjunto para cônjuges, ascendentes e descendentes
Condições gerais
Os estabelecimentos devem assegurar:
Adequadas condições de conservação e funcionamento
Ligação à rede pública de abastecimento de água ou sistema próprio controlado
Ligação à rede pública de esgotos ou fossas sépticas adequadas
Água corrente quente e fria
Requisitos das Unidades de Alojamento
As unidades devem dispor de:
Janela ou sacada com comunicação direta para o exterior
Mobiliário, equipamento e utensílios adequados
Sistema de vedação da entrada de luz
Portas com sistema de segurança que assegure privacidade
Segurança e proteção
Regras de Segurança Contra Incêndios
Para estabelecimentos com capacidade igual ou superior a 10 utentes, aplicam-se as regras gerais de segurança contra riscos de incêndio. Para estabelecimentos menores, os requisitos são mais simples:
Extintor e manta de incêndio acessíveis
Equipamento de primeiros socorros
Indicação visível do número nacional de emergência (112)
Requisitos específicos para Hostels
Os estabelecimentos que pretendam usar a denominação "hostel" devem ter:
Unidade de alojamento única ou maioritária em dormitório
Mínimo de 4 camas por dormitório (ou menos se em beliche)
Outros requisitos aprovados por portaria ministerial

Fiscalização e Sanções: Um regime apertado
Entidades responsáveis
A fiscalização compete a diferentes entidades:
ASAE: Fiscalização do cumprimento legal e aplicação de coimas
Autoridade Tributária: Cumprimento das obrigações fiscais
Câmaras Municipais: Controlo através de vistorias
Contraordenações e Coimas
O diploma prevê um leque amplo de infrações com coimas significativas:
Infrações Graves (€2.500 a €35.000):
Oferta de alojamento local não registado
Violação do contrato de arrendamento
Angariação de clientela para estabelecimentos irregulares
Infrações Médias (€125 a €32.500):
Incumprimento dos requisitos técnicos
Violação das regras de identificação e publicidade
Infrações Leves (€50 a €7.500):
Não afixação da placa identificativa
Falta de publicitação do período de funcionamento
Sanções acessórias
Em casos graves, podem ser aplicadas sanções como:
Apreensão do material utilizado na infração
Suspensão da atividade até dois anos
Encerramento do estabelecimento até dois anos
Identificação e Publicidade: Transparência no mercado
Placa Identificativa obrigatória
Os estabelecimentos de hospedagem devem afixar no exterior uma placa identificativa em material acrílico cristal transparente, com dimensões específicas (200mm x 200mm) e características técnicas definidas no diploma.
Regras de Publicidade
A legislação é clara quanto à identificação:
Obrigatoriedade de identificação como "alojamento local"
Proibição de utilização de qualificações de empreendimento turístico
Indicação obrigatória do número de registo na publicidade
Impacto fiscal e transparência
Partilha de informação
O diploma estabelece mecanismos de partilha de informação entre entidades públicas:
Turismo de Portugal, I.P. envia dados semestralmente à Autoridade Tributária
Garantia do exercício dos direitos de proteção de dados
Disponibilização pública de informação sobre estabelecimentos registados
Destinação do produto das coimas
O produto das coimas tem dupla destinação:
60% para o Estado
40% para a entidade fiscalizadora
Esta distribuição visa incentivar uma fiscalização eficaz e contribuir para o erário público.
Regime transitório e adequação
Estabelecimentos já existentes
O diploma prevê um regime transitório para estabelecimentos já registados à data da entrada em vigor, garantindo que não há prejuízo para quem já operava legalmente.
Prazos de adequação
As Câmaras Municipais ficaram responsáveis pela inserção dos dados necessários no Balcão Único Eletrónico e pela disponibilização de novos números de registo aos estabelecimentos existentes.
Para considerar
O Decreto-Lei n.º 128/2014 representa um marco na regulamentação do setor do alojamento local em Portugal, estabelecendo um equilíbrio entre o fomento da atividade turística e a proteção do interesse público. Esta legislação reconhece a importância económica do setor, mas impõe regras claras que visam garantir a qualidade dos serviços, a segurança dos utilizadores e a preservação das características urbanas dos destinos.
Para proprietários e investidores, compreender este regime é essencial para operar legalmente e evitar sanções significativas. A regulamentação clara dos requisitos técnicos, dos processos de registo e das obrigações de funcionamento proporciona segurança jurídica a todos os intervenientes no mercado.
A eficácia deste regime depende não apenas da sua aplicação rigorosa pelas entidades competentes, mas também do conhecimento e cumprimento voluntário por parte dos operadores. Num setor em constante evolução, manter-se atualizado com as obrigações legais é fundamental para o sucesso sustentável do negócio.


