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Novas exigências de Acessibilidade em edifícios: As inovações do Decreto-Lei 163/2006

  • Foto do escritor: Ana Carolina Santos
    Ana Carolina Santos
  • 26 de ago.
  • 6 min de leitura

A acessibilidade nos edifícios e espaços públicos tem vindo a ser uma preocupação crescente na sociedade portuguesa, refletindo-se numa evolução legislativa significativa. Em 2006, Portugal deu um passo decisivo com a aprovação do Decreto-Lei n.º 163/2006, que revogou o anterior Decreto-Lei n.º 123/97 e introduziu um regime mais abrangente e rigoroso para a acessibilidade. Esta mudança não foi apenas uma atualização técnica, mas sim uma transformação profunda na forma como pensamos e projetamos os nossos espaços construídos. Para profissionais da construção, proprietários e todos os que se interessam pelo ambiente construído, compreender estas alterações é fundamental para garantir projetos conformes e verdadeiramente inclusivos.


Edifício de habitação em Lisboa com bom nível de acessibilidades
Edifício de habitação em Lisboa com bom nível de acessibilidades

Contexto da mudança legislativa


O Decreto-Lei n.º 123/97 constituiu o primeiro grande marco legislativo português em matéria de acessibilidades, introduzindo normas técnicas para a eliminação de barreiras urbanísticas e arquitetónicas. No entanto, após oito anos de aplicação, tornaram-se evidentes algumas limitações:

  • Eficácia sancionatória limitada - As coimas previstas eram de valor reduzido, não dissuadindo eficazmente o incumprimento

  • Âmbito de aplicação restrito - Não abrangia os edifícios habitacionais

  • Mecanismos de fiscalização insuficientes - Faltavam instrumentos adequados para garantir o cumprimento das normas

  • Coordenação deficiente entre diferentes entidades intervenientes no processo



O que mudou desde o Decreto-Lei 123/97: Principais inovações


1. Alargamento significativo do âmbito de aplicação

Extensão aos Edifícios Habitacionais: A inovação mais marcante foi a inclusão dos edifícios habitacionais no âmbito das normas de acessibilidade. Esta mudança garante:

  • Mobilidade sem condicionamentos nos espaços privados

  • Acessos às habitações adequadamente dimensionados

  • Condições de acessibilidade nos interiores das habitações

Aplicação abrangente: As normas técnicas passaram a aplicar-se a:

  • Instalações da administração pública (central, regional e local)

  • Equipamentos sociais de apoio a pessoas idosas e com deficiência

  • Estabelecimentos de saúde e ensino

  • Infraestruturas de transporte

  • Estabelecimentos comerciais, hoteleiros e de restauração

  • Instalações desportivas e de lazer

  • Edifícios habitacionais (nova inclusão)


2. Atualização e expansão das normas técnicas

As normas técnicas foram completamente revistas e atualizadas, incluindo:

Normas específicas para Habitação

  • Requisitos para acessos e circulações internas

  • Condições para instalações sanitárias acessíveis

  • Especificações para cozinhas e outros compartimentos

Normas gerais aperfeiçoadas

  • Critérios mais precisos para rampas e escadas

  • Especificações detalhadas para ascensores

  • Requisitos para estacionamento reservado

  • Normas para sinalização e orientação


3. Reforço dos mecanismos de fiscalização

Prevenção mais eficaz: O novo diploma introduziu mecanismos para evitar a entrada de novas edificações não acessíveis:

  • Obrigatoriedade de indeferimento de pedidos não conformes

  • Declaração expressa de cumprimento em operações da Administração Pública

  • Coordenação reforçada entre entidades licenciadoras

Responsabilização clara

  • Definição precisa das responsabilidades de cada interveniente (projectista, diretor técnico, dono da obra)

  • Comunicação obrigatória de situações de incumprimento entre entidades


4. Sistema sancionatório mais rigoroso

Coimas significativamente aumentadas

  • Pessoas singulares: de €250 a €3.740,98

  • Pessoas coletivas: de €500 a €44.891,81

  • Em caso de negligência: montantes reduzidos a metade

Sanções acessórias: O diploma introduziu a possibilidade de aplicar sanções complementares:

  • Privação do direito a subsídios públicos

  • Interdição de exercício de atividade

  • Encerramento de estabelecimentos

  • Suspensão de autorizações e licenças

Destinação das receitas: 50% das coimas revertem para investigação científica na área da deficiência, e 50% para as entidades fiscalizadoras.


5. Participação Cívica e transparência

Direito à Informação: As organizações não governamentais de pessoas com deficiência ganharam:

  • Acesso ao estado dos processos de licenciamento

  • Informação sobre operações urbanísticas públicas

  • Legitimidade para propor ações judiciais (ação popular)

Transparência nas exceções: Quando se justifiquem exceções ao cumprimento integral das normas:

  • Fundamentação obrigatória e detalhada

  • Publicação em local próprio para consulta pública

  • Disponibilização online nos sítios municipais ou através de relatórios anuais


6. Regimes especiais e adaptações

Edifícios Históricos: Avaliação caso a caso para imóveis classificados, com adaptação às características específicas, mediante parecer do Instituto Português do Património Arquitetónico e Arqueológico.

Prazos de adaptação diferenciados

  • Edifícios construídos antes de agosto de 1997: 10 anos para adaptação

  • Edifícios construídos após essa data: 5 anos para adaptação

  • Isenção para edifícios já conformes com o Decreto-Lei n.º 123/97

Exceções fundamentadas: Possibilidade de exceções quando as obras sejam:

  • Desproporcionadamente difíceis

  • Economicamente inviáveis

  • Prejudiciais ao património cultural ou histórico


7. Avaliação e acompanhamento sistemático

Monitorização contínua


Impacto prático das alterações


Para Projectistas e Técnicos

As mudanças exigem uma abordagem mais integrada e rigorosa:

Na fase de projeto

  • Consideração obrigatória da acessibilidade desde o início

  • Aplicação de normas técnicas mais detalhadas

  • Necessidade de soluções criativas para edifícios históricos

Durante a execução

  • Fiscalização mais rigorosa

  • Responsabilização clara de todos os intervenientes

  • Documentação detalhada das soluções adotadas


Para Proprietários e Promotores

Novos edifícios

  • Custos iniciais potencialmente superiores

  • Valor acrescentado a longo prazo

  • Cumprimento obrigatório sob pena de sanções significativas

Edifícios existentes

  • Necessidade de adaptação dentro dos prazos estabelecidos

  • Possibilidade de exceções fundamentadas

  • Planeamento financeiro para obras de adaptação


Para a Sociedade

Benefícios imediatos

  • Maior inclusão de pessoas com mobilidade condicionada

  • Melhoria da qualidade de vida urbana

  • Sensibilização crescente para questões de acessibilidade

Impacto a longo prazo

  • Criação de uma cultura de design inclusivo

  • Redução de barreiras urbanísticas e arquitetónicas

  • Contributo para uma sociedade mais justa e equitativa



Desafios na implementação


Edifícios Habitacionais

A extensão das normas aos edifícios habitacionais trouxe desafios específicos:


Aspetos técnicos

  • Adaptação de soluções construtivas tradicionais

  • Integração harmoniosa das exigências de acessibilidade

  • Conciliação com outras normas técnicas


Aspetos económicos

  • Impacto nos custos de construção

  • Necessidade de equilibrar exigências e viabilidade económica

  • Valorização a longo prazo do investimento



Edifícios Existentes

Desafios construtivos

  • Limitações impostas pela construção existente

  • Necessidade de soluções inovadoras

  • Conciliação com valores patrimoniais


Gestão de prazos

  • Planeamento das intervenções dentro dos prazos legais

  • Coordenação com utilizadores e inquilinos

  • Gestão de custos ao longo do tempo



Conselhos práticos para implementação


Para novos projetos

Fase de conceção

  • Integrar as exigências de acessibilidade desde o início

  • Consultar as normas técnicas detalhadas do anexo

  • Considerar soluções que excedam os mínimos legais


Desenvolvimento do projeto

  • Coordenar com especialistas em acessibilidade

  • Validar soluções com utilizadores com necessidades especiais

  • Documentar adequadamente todas as opções técnicas


Para Edifícios Existentes

Avaliação inicial

  • Realizar diagnóstico detalhado das condições atuais

  • Identificar prioridades de intervenção

  • Avaliar viabilidade técnica e económica das adaptações


Planeamento da intervenção

  • Estabelecer fases de execução adequadas

  • Coordenar com utilizadores e gestores

  • Preparar fundamentação para eventuais exceções



Ferramentas de apoio


Documentação técnica

Normas técnicas detalhadas: O anexo ao Decreto-Lei 163/2006 contém especificações precisas para:

  • Percursos acessíveis

  • Comunicações verticais

  • Instalações sanitárias

  • Estacionamento

  • Sinalização e orientação


Símbolo internacional de Acessibilidade: Manutenção do símbolo padronizado, obtido junto das entidades licenciadoras, para afixação obrigatória em edifícios conformes.


Símbolo Internacional de Acessibilidade
Símbolo Internacional de Acessibilidade

Entidades de apoio

Fiscalização


Apoio técnico

  • Organizações não governamentais de pessoas com deficiência

  • Ordens profissionais

  • Laboratórios e centros de investigação



Evolução futura e tendências


Legislação Complementar

O Decreto-Lei 163/2006 integra-se num quadro legislativo mais amplo:


Lei de Bases da Prevenção: Articulação com a Lei n.º 38/2004, de 18 de agosto, que estabelece as bases da prevenção, habilitação, reabilitação e participação das pessoas com deficiência.


Regime Jurídico da Urbanização e Edificação: Coordenação com o Decreto-Lei n.º 555/99, garantindo coerência nos procedimentos de licenciamento.



Perspetivas de desenvolvimento

Inovação tecnológica

  • Integração de novas tecnologias assistivas

  • Soluções inteligentes para acessibilidade

  • Materiais e sistemas construtivos inovadores


Sensibilização social

  • Crescente consciencialização para questões de inclusão

  • Participação ativa das comunidades de utilizadores

  • Desenvolvimento de competências profissionais especializadas



Para refletir


O Decreto-Lei n.º 163/2006 representa muito mais do que uma simples atualização normativa. Constitui um verdadeiro manifesto para uma sociedade mais inclusiva, onde o direito à mobilidade e à participação plena na vida social se materializa através de espaços verdadeiramente acessíveis a todos. As inovações introduzidas - desde o alargamento do âmbito aos edifícios habitacionais até ao reforço dos mecanismos sancionatórios - refletem uma mudança de paradigma profunda. Já não se trata apenas de cumprir requisitos mínimos, mas de abraçar uma filosofia de design universal que beneficia toda a sociedade.

Para os profissionais da área da construção, estas mudanças representam simultaneamente um desafio e uma oportunidade. Um desafio pela necessidade de dominar normas mais complexas e exigentes, mas também uma oportunidade para liderar a criação de espaços verdadeiramente inclusivos e inovadores.

O cumprimento destas exigências não é apenas uma questão legal, mas um imperativo ético e social. Cada projeto que desenvolvemos tem o potencial de quebrar barreiras ou de as perpetuar. A escolha é nossa, mas a responsabilidade é coletiva.

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