top of page

Plano de Prevenção e Gestão de Resíduos: O documento essencial para uma obra sustentável

  • Foto do escritor: Ana Carolina Santos
    Ana Carolina Santos
  • 20 de out.
  • 6 min de leitura

A gestão de resíduos na construção civil deixou há muito de ser uma simples boa prática para se tornar uma obrigação legal incontornável. Em Portugal, a legislação ambiental exige que todas as obras — públicas ou privadas — sejam acompanhadas de um Plano de Prevenção e Gestão de Resíduos de Construção e Demolição (PPGRCD), assegurando que os resíduos produzidos são geridos de forma ambientalmente responsável, rastreável e legalmente conforme.

Este documento é essencial não apenas para cumprir a lei, mas também para reduzir custos, promover a sustentabilidade e valorizar a economia circular no setor da construção.


Resíduos da demolição de uma obra em curso
Resíduos da demolição de uma obra em curso

O que é o Plano de Prevenção e Gestão de Resíduos de Construção e Demolição?


O Plano de Prevenção e Gestão de Resíduos de Construção e Demolição (PPGRCD) é um documento técnico que descreve, de forma detalhada, como serão geridos os resíduos produzidos durante a execução de uma obra, desde a sua origem até ao destino final.

Constitui um Resíduo de Construção e Demolição (RCD) todo o material proveniente de atividades de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação, demolição e derrocada de edificações.

O PPGRCD é uma peça obrigatória do projeto de execução, devendo estar disponível no local da obra para efeitos de fiscalização pelas entidades competentes e ser do conhecimento de todos os intervenientes na execução da obra.​


O Plano de Prevenção e Gestão de RCD é o instrumento que transforma a obra num processo sustentável, responsável e legalmente conforme.


Enquadramento legal


A gestão dos RCD obedece ao disposto no Anexo I do Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro (Regime Geral de Gestão de Resíduos), alterado pela Lei n.º 52/2021.​

A obrigatoriedade do cumprimento deste regime está também consagrada no Código dos Contratos Públicos e no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), que prevê que o cumprimento do regime legal da gestão de RCD constitui condição a observar na execução das obras de urbanização ou nas obras de edificação.​



Quando é obrigatório o PPGRCD?


A obrigatoriedade de elaboração do PPGRCD varia consoante o tipo de obra:

  • Obras públicas (empreitadas e concessões): o projeto de execução deve ser obrigatoriamente acompanhado de um PPGRCD.​

  • Obras particulares sujeitas a licenciamento ou comunicação prévia: o produtor de RCD está obrigado a cumprir os requisitos de gestão de resíduos, incluindo a elaboração e execução do plano.​

  • Obras de pequenas reparações e bricolage em habitações: nestes casos, a gestão dos RCD cabe à entidade responsável pela gestão de resíduos urbanos.​



O que deve conter o PPGRCD?


De acordo com o Decreto-Lei n.º 102-D/2020, o plano deve incluir os seguintes elementos:​

  • Caracterização sumária da obra a efetuar, com descrição dos métodos construtivos a utilizar tendo em vista os princípios de prevenção e valorização;

  • Metodologia para a incorporação de reciclados de RCD na obra;

  • Metodologia de prevenção de RCD, com identificação e estimativa dos materiais a reutilizar na própria obra ou noutros destinos;

  • Referência aos métodos de acondicionamento e triagem de RCD na obra ou em local afeto à mesma, devendo, caso a triagem não esteja prevista, ser apresentada fundamentação da sua impossibilidade;

  • Estimativa dos RCD a produzir, da fração a reciclar ou a sujeitar a outras formas de valorização, bem como da quantidade a eliminar, com identificação do respetivo código da Lista Europeia de Resíduos (LER).

A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) disponibiliza no seu website um modelo de PPGRCD que pode ser utilizado como referência.​



Classificação de resíduos


A correta classificação dos resíduos é obrigação do produtor, sendo essencial conhecer a Lista Europeia de Resíduos (LER), publicada pela Decisão 2014/955/UE, que lista de forma harmonizada os resíduos tendo em consideração a sua origem e composição. O capítulo 17 da LER corresponde especificamente aos RCD.​



Responsabilidades na elaboração e execução


A gestão dos RCD é da responsabilidade de todos os intervenientes no ciclo de vida da obra, na medida da respetiva intervenção:​

  • Dono da obra: responsável pela elaboração do PPGRCD;

  • Empreiteiro ou concessionário: responsável pela execução do plano, assegurando designadamente a promoção da reutilização de materiais, a incorporação de reciclados de RCD, a existência de um sistema de acondicionamento adequado, a aplicação de metodologia de triagem e a manutenção dos RCD em obra pelo mínimo tempo possível (máximo de 3 meses no caso de resíduos perigosos);​

  • Diretor de obra: responsável pelo cumprimento das especificações técnicas quando há utilização de RCD na obra;​

  • Produtor de RCD: deve promover a reutilização, assegurar a gestão seletiva, aplicar metodologia de triagem e encaminhar os resíduos para operadores licenciados.​

O plano pode ser alterado pelo dono da obra na fase de execução, sob proposta do produtor de RCD, ou pelo adjudicatário (no caso de empreitadas de conceção-construção) com autorização do dono da obra, desde que a alteração seja devidamente fundamentada.​



Princípios de gestão de RCD


A gestão dos resíduos de construção e demolição assenta nos seguintes princípios hierárquicos:​

  1. Prevenção – reduzir a produção de resíduos desde a fase de projeto;

  2. Integração de reciclados – utilizar materiais reciclados sempre que possível;

  3. Preparação para reutilização – valorizar materiais que possam ser novamente utilizados;

  4. Reciclagem – transformar resíduos em novos produtos;

  5. Outros tipos de valorização – incluindo valorização energética;

  6. Eliminação – apenas como última opção.


A hierarquia de gestão de resíduos coloca a prevenção no topo: menos resíduos produzidos significa menos custos, menos impacto ambiental e mais sustentabilidade.


Triagem obrigatória em obra


Os RCD são obrigatoriamente objeto de triagem em obra, com vista ao seu encaminhamento, por fluxos e fileiras de materiais, para reciclagem ou outras formas de valorização.​

Estabelece-se uma hierarquia na localização da operação que confere prioridade à triagem em obra. Esta operação é isenta de licenciamento quando efetuada em obra ou em instalações análogas pertencentes ao produtor dos resíduos.​

Caso a triagem não seja possível em obra, os resíduos devem ser encaminhados para operador de gestão licenciado, devendo a fundamentação da impossibilidade constar do PPGRCD.​



Rastreabilidade e guias eletrónicas (e-GAR)


Todos os transportes de resíduos são obrigatoriamente acompanhados de guias eletrónicas de acompanhamento de resíduos (e-GAR), devendo estas estar arquivadas junto do PPGRCD (pelo menos os respetivos códigos de verificação).​

Os fluxos de solos e rochas (contaminados ou não contaminados), subprodutos e RCD têm de dispor de rastreabilidade através de registos.​



Exigências camarárias e licenciamento


No ato do pedido de licença de construção, as Câmaras Municipais podem exigir:​

  • A entrega da estimativa de produção de RCD;

  • A indicação dos operadores de gestão (com alvará);

  • A indicação do destino final dos resíduos.

A emissão da licença de utilização pode ser condicionada à apresentação do Registo de Dados de RCD, juntamente com o Livro de Obra, por forma a verificar-se o destino dos resíduos produzidos.​

Os Regulamentos Municipais podem incorporar exigências de gestão de RCD, explicitando objetivamente as penalizações aplicáveis.​



Fiscalização e cumprimento


O PPGRCD deve estar disponível no local da obra para efeitos de fiscalização pelas entidades competentes.​

A fiscalização pode ser realizada pelas Câmaras Municipais, pela Inspeção-Geral da Administração do Território e por outras entidades ambientais competentes.

O incumprimento do regime de gestão de RCD pode resultar em sanções, nomeadamente coimas, embargo da obra ou recusa de emissão da licença de utilização.



Exemplos práticos


Reabilitação de moradia unifamiliar

Numa obra de reabilitação, o PPGRCD prevê a reutilização de materiais existentes (portas, janelas, pavimentos em madeira), a triagem em obra de tijolos, betão, metais e madeiras, e o encaminhamento de resíduos perigosos (tintas, solventes) para operador especializado.


Construção de edifício multifamiliar

O plano identifica a estimativa de produção de RCD por tipologia (betão, cerâmicos, plásticos, embalagens), define contentores para triagem seletiva no estaleiro, estabelece a incorporação de agregados reciclados na obra e prevê a emissão de e-GAR para todos os transportes.


Demolição controlada

O PPGRCD de uma demolição inclui a identificação de materiais perigosos (amianto, chumbo), a metodologia de desmontagem seletiva, a estimativa de reutilização de materiais (estruturas metálicas, pavimentos) e o encaminhamento para valorização ou eliminação conforme a LER.



Conselhos úteis


  • Elaborar o PPGRCD desde a fase de projeto – permite identificar oportunidades de prevenção, reutilização e valorização;

  • Envolver todos os intervenientes – a comunicação entre projetista, dono de obra, empreiteiro e diretor de obra é essencial;

  • Utilizar o modelo da APA – disponível online, facilita a elaboração e assegura o cumprimento dos requisitos legais;

  • Manter registos atualizados – arquivar todas as e-GAR e registos de encaminhamento de resíduos;

  • Privilegiar operadores licenciados – garantir que os resíduos são entregues a entidades com alvará válido;

  • Incorporar reciclados na obra – cumprir o princípio da economia circular e reduzir custos com materiais;

  • Comunicar alterações ao plano – qualquer modificação deve ser devidamente fundamentada e aprovada;

  • Consultar especialistas – em obras complexas ou com resíduos perigosos, recorrer a consultores em gestão de resíduos.


Uma gestão eficaz de resíduos não é apenas uma obrigação legal — é uma oportunidade de reduzir custos, promover a sustentabilidade e valorizar a imagem da obra.


Em poucas palavras


O Plano de Prevenção e Gestão de Resíduos de Construção e Demolição é muito mais do que uma exigência burocrática. É o instrumento que materializa o compromisso do setor da construção com a sustentabilidade ambiental, a economia circular e a responsabilidade social.

Ao prevenir a produção de resíduos, promover a reutilização e reciclagem, e garantir o correto encaminhamento dos materiais, o PPGRCD contribui para uma construção mais eficiente, menos poluente e mais alinhada com os objetivos de desenvolvimento sustentável. Cumprir este regime não é apenas cumprir a lei — é assumir uma postura ativa na construção de um futuro mais sustentável para todos.

bottom of page