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Adaptar habitações existentes: Soluções práticas para maior acessibilidade

  • Foto do escritor: Ana Carolina Santos
    Ana Carolina Santos
  • há 6 dias
  • 4 min de leitura

Transformar uma casa antiga numa habitação verdadeiramente acessível não tem de ser uma tarefa impossível ou dispendiosa. Com as estratégias certas e um conhecimento sólido da legislação portuguesa, é possível criar espaços funcionais e confortáveis mesmo quando as dimensões são limitadas ou as condicionantes são significativas.

A reabilitação de habitações antigas apresenta desafios únicos, especialmente quando se trata de cumprir as normas atuais de habitabilidade. Entre a preservação do carácter original das construções e a necessidade de adaptação às exigências contemporâneas, encontrar o equilíbrio certo exige conhecimento técnico especializado e criatividade arquitectónica.


Edifício de habitação em Lisboa após obras de reabilitação no interior e exterior
Edifício de habitação em Lisboa após obras de reabilitação no interior e exterior


RGEU vs. Portaria 304/2019: As diferenças fundamentais

O Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), aprovado em 1951, continua a ser a referência base para construções novas. Contudo, para projectos de reabilitação, a Portaria n.º 304/2019 introduz requisitos mais flexíveis que reconhecem as limitações físicas dos edifícios existentes.

Áreas mínimas no RGEU:

  • T0, T1, T2: 3,5 m² (equipamento completo)

  • T3, T4: 4,5 m² (dois espaços independentes)

  • T5 ou superior: 6 m² (dois espaços independentes)

Na reabilitação, sob a Portaria 304/2019:

  • Maior flexibilidade dimensional

  • Possibilidade de uma única instalação sanitária completa para tipologias menores

  • Tolerâncias específicas para edifícios antigos


Tolerâncias para edifícios com condicionantes especiais

A Portaria n.º 243/84 estabelece condições mínimas de habitabilidade para edifícios clandestinos que se pretendam legalizar, criando precedente para maior flexibilidade:

  • Pé-direito: redução até 2,35 m (em vez dos 2,40 m standard)

  • Corredores: largura mínima de 0,9 m

  • Instalações sanitárias: admite-se uma única casa de banho completa em habitações com mais de 4 compartimentos



Requisitos técnicos fundamentais


Equipamentos obrigatórios

Instalação sanitária completa deve incluir:

  • Banheira ou base de duche

  • Sanita com autoclismo

  • Lavatório

Em cozinhas:

  • Lava-louça obrigatório

  • Ramal de esgoto com 50 mm de diâmetro

  • Resistência a temperaturas até 70°C


Ventilação e Iluminação natural

Um dos aspectos mais desafiantes na reabilitação é garantir ventilação e iluminação adequadas:

  • Contacto directo com o exterior sempre que possível

  • Área envidraçada mínima: 0,54 m² (com 0,36 m² de área de abertura)

  • Sistemas alternativos apenas em casos excepcionais devidamente justificados


Revestimentos e Impermeabilização

  • Revestimentos impermeáveis até 1,5 m de altura nas paredes

  • Materiais de fácil limpeza e resistentes à humidade

  • Pavimentos adequados com sistemas de drenagem eficazes



"Na reabilitação, cada metro quadrado conta – a inteligência está em maximizar a funcionalidade sem comprometer a salubridade."


Soluções criativas para espaços reduzidos


Optimização inteligente do layout

Disposições estratégicas:

  • Instalações sanitárias integradas em nichos ou aproveitamento de vãos existentes

  • Soluções compactas com equipamentos suspensos

  • Aproveitamento de espaços sob escadas ou em águas-furtadas

Equipamentos adequados:

  • Sanitas suspensas para facilitar limpeza e ganhar espaço visual

  • Lavatórios de canto ou semi-encastrados

  • Duches em vez de banheiras quando o espaço é limitado


Comunicações excepcionais

Em obras de pequena reorganização espacial, a Portaria 304/2019 admite:

  • Comunicação directa entre instalações sanitárias e compartimentos de habitação (excepto cozinhas)

  • Soluções preexistentes podem ser mantidas se garantirem salubridade

  • Medidas específicas para evitar difusão de odores



Aspectos práticos da implementação


Infraestruturas e Redes

Considerações essenciais:

  • Verificação da capacidade das redes existentes

  • Adaptação às cotas de esgoto disponíveis

  • Soluções de bombagem quando necessário

  • Ventilação das canalizações


Processo de Licenciamento

Documentação necessária:

  • Projecto de especialidades (águas e esgotos)

  • Justificação técnica para eventuais excepções

  • Termos de responsabilidade dos técnicos

  • Memória descritiva detalhada das soluções adoptadas


Coordenação com outras Especialidades

  • Estruturas: verificação da capacidade de carga para equipamentos suspensos

  • Instalações eléctricas: pontos de luz adequados e protecção em zonas húmidas

  • AVAC: coordenação com sistemas de ventilação mecânica quando aplicável



Conselhos práticos para Proprietários


Planeamento antecipado

  • Levantamento rigoroso das instalações existentes

  • Análise das limitações estruturais e de infraestruturas

  • Estudo de viabilidade económica das diferentes soluções


Selecção de materiais

Critérios fundamentais:

  • Durabilidade adequada ao ambiente húmido

  • Facilidade de manutenção e substituição

  • Compatibilidade com sistemas existentes

  • Eficiência hídrica para redução de consumos


Acompanhamento técnico especializado

A complexidade da reabilitação exige acompanhamento por técnicos experientes que conheçam:

  • As especificidades da legislação aplicável

  • As melhores práticas construtivas para edifícios antigos

  • As soluções inovadoras disponíveis no mercado

  • Os procedimentos de licenciamento municipal


Um dos apartamentos do edifício de habitação (apresentado na imagem anterior) após obras de reabilitação, visto do interior
Um dos apartamentos do edifício de habitação (apresentado na imagem anterior) após obras de reabilitação

Casos especiais e exceções


Edifícios Classificados

Condicionantes adicionais:

  • Aprovação prévia de entidades patrimoniais

  • Preservação de elementos originais

  • Soluções discretas e reversíveis

  • Materiais compatíveis com a construção histórica


Construções em Zona de Protecção

  • Análise caso a caso pela Câmara Municipal

  • Pareceres vinculativos quando aplicável

  • Soluções que não comprometam a integridade visual do conjunto


Edifícios com mais de 30 anos

  • Flexibilização de alguns requisitos técnicos

  • Adaptação às características preexistentes

  • Foco na melhoria das condições de habitabilidade



Exemplos práticos de adaptação


Caso 1: Apartamento T1 em edifício dos anos 60

Desafio: Instalação sanitária de 2,8 m² com equipamentos obsoletos

Solução implementada:

  • Sanita suspensa para ganhar espaço visual

  • Duche de 80x80 cm em substituição da banheira

  • Lavatório de canto com arrumação integrada

  • Resultado: Funcionalidade mantida com melhor acessibilidade


Caso 2: Moradia antiga com pé-direito baixo

Desafio: Casa de banho com 2,25 m de pé-direito

Solução implementada:

  • Aplicação da tolerância da Portaria 243/84 (2,35 m mínimo)

  • Equipamentos suspensos para criar sensação de amplitude

  • Iluminação LED integrada para optimizar percepção espacial

  • Resultado: Legalização conseguida com conforto preservado


Caso 3: Águas-furtadas convertidas

Desafio: Aproveitamento de sótão com limitações de altura

Solução implementada:

  • Instalação sanitária em zona de maior pé-direito

  • Duche adaptado à inclinação da cobertura

  • Ventilação mecânica para compensar limitações de ventilação natural

  • Resultado: Espaço funcional e em conformidade legal



Para considerar


A reabilitação de instalações sanitárias em edifícios antigos representa muito mais do que uma simples actualização técnica. É um exercício de equilíbrio entre preservação patrimonial, viabilidade económica e qualidade de vida dos utilizadores.

O sucesso destes projectos passa por compreender que cada edifício é único, com as suas limitações e potencialidades específicas. A legislação actual oferece ferramentas flexíveis, mas a sua aplicação exige conhecimento especializado e criatividade técnica.

As tolerâncias previstas na lei não devem ser vistas como facilitismos, mas como reconhecimento das particularidades do edificado existente. O objectivo mantém-se inalterado: garantir condições dignas de habitabilidade, respeitando a memória construtiva e promovendo a sustentabilidade urbana.

A chave está em transformar constrangimentos em oportunidades, criando espaços funcionais, confortáveis e tecnicamente adequados, mesmo quando as dimensões são reduzidas ou as condicionantes são significativas.

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