Decreto-Lei 163/2006: A Acessibilidade em Portugal
- Ana Carolina Santos

- 24 de ago.
- 4 min de leitura
A acessibilidade não é um luxo – é um direito fundamental. Em 2006, Portugal deu um passo decisivo para garantir que todos os cidadãos, independentemente das suas limitações físicas, pudessem participar plenamente na sociedade. Este foi o ano em que o Decreto-Lei n.º 163/2006 entrou em vigor, revolucionando o modo como pensamos e construímos os nossos espaços.

O que é o Decreto-Lei 163/2006?
Este diploma legal define as condições de acessibilidade que devem ser respeitadas no projeto e construção de:
Espaços públicos
Equipamentos coletivos
Edifícios públicos e habitacionais
Mas vamos simplificar: imagine que está a projetar um edifício. Este decreto-lei é o seu manual de instruções para garantir que qualquer pessoa – seja em cadeira de rodas, com bengala, grávida, ou simplesmente carregando uma mala pesada – consegue aceder e utilizar esse espaço de forma autónoma e segura.
Quem são as "pessoas com mobilidade condicionada"?
O decreto-lei não fala apenas de pessoas com deficiência permanente. Inclui um grupo muito mais alargado:
Condicionamentos permanentes:
Pessoas em cadeiras de rodas
Pessoas cegas ou com deficiência visual
Pessoas surdas
Pessoas com dificuldades de locomoção
Condicionamentos temporários:
Grávidas
Pessoas com lesões temporárias
Crianças pequenas
Idosos
Qualquer pessoa que transporte objetos pesados
Esta visão abrangente reconhece que, em algum momento da vida, praticamente todos nós experimentamos limitações de mobilidade.
As principais inovações do decreto
1. Alargamento do âmbito de aplicação
Pela primeira vez, as normas de acessibilidade passaram a aplicar-se também aos edifícios habitacionais. Isto significa que a sua casa deve ser acessível, não apenas os espaços públicos.
2. Normas técnicas atualizadas
O decreto introduziu especificações técnicas detalhadas para:
Rampas: inclinações máximas, larguras mínimas, patamares de descanso
Escadas: dimensões dos degraus, corrimãos obrigatórios
Ascensores: dimensões das cabinas, alturas dos comandos
Portas: larguras mínimas, espaços de manobra
Instalações sanitárias: equipamentos adaptados, barras de apoio
Estacionamento: lugares reservados com dimensões adequadas
3. Mecanismos de controlo mais rigorosos
O diploma criou um sistema de verificação que inclui:
Licenciamento condicionado: não há licença sem cumprimento das normas
Termos de responsabilidade: para obras da Administração Pública
Fiscalização reforçada: com coimas substancialmente mais elevadas
Sanções acessórias: que podem incluir o encerramento de estabelecimentos
Que edifícios e espaços devem cumprir estas normas?
Espaços públicos:
Passeios e percursos pedonais
Parques de estacionamento
Passagens de peões
Paragens de transportes públicos
Edifícios públicos e de utilização coletiva:
Hospitais, centros de saúde e farmácias
Escolas e universidades
Museus, teatros e cinemas
Centros comerciais e hipermercados
Hotéis e restaurantes
Bancos e correios
Instalações desportivas
Igrejas
Edifícios habitacionais:
Apartamentos novos (aplicação gradual ao longo de 8 anos)
Acessos comuns dos edifícios
Pelo menos uma percentagem dos fogos deve ser totalmente acessível
As normas técnicas na prática
Rampas acessíveis
Inclinação máxima de 6% (em casos excecionais até 8%)
Largura mínima de 1,2m
Patamares de descanso a cada 10m de desenvolvimento
Corrimãos obrigatórios em ambos os lados
Portas e vãos
Largura útil mínima de 0,87m
Espaço de manobra para cadeiras de rodas em ambos os lados
Puxadores a altura entre 0,8m e 1,2m
Ascensores
Cabinas com mínimo de 1,1m x 1,4m
Barras de apoio obrigatórias
Comandos entre 0,9m e 1,2m de altura
Precisão de paragem ±2cm
Estacionamento
1 lugar reservado por cada 10 lugares (mínimo 1)
Largura de 2,5m + faixa de acesso de 1m
Sinalização horizontal e vertical obrigatória
Localização junto aos acessos principais
O impacto no quotidiano dos portugueses
Para pessoas com mobilidade condicionada
Maior autonomia na utilização dos espaços
Redução de barreiras físicas e psicológicas
Melhor qualidade de vida e participação social
Para a sociedade em geral
Espaços mais confortáveis para todos
Benefícios para grávidas, idosos, famílias com carrinhos
Valorização do património imobiliário
Maior consciencialização social
Para os profissionais da construção
Obrigatoriedade de formação em acessibilidade
Novas oportunidades de especialização
Responsabilidade acrescida no projeto e execução
Prazos e implementação gradual
O decreto estabeleceu prazos diferenciados:
Edifícios existentes (antes de 1997):
10 anos para adaptação
Edifícios existentes (após 1997):
5 anos para adaptação
Edifícios habitacionais novos:
Implementação gradual ao longo de 8 anos
Começou com 12,5% dos fogos acessíveis no primeiro ano
Chegou aos 100% no oitavo ano (2014)
Exceções e casos especiais
O decreto reconhece que nem sempre é possível cumprir todas as normas, prevendo exceções quando:
As obras sejam desproporcionadamente difíceis
Requeiram meios económicos desproporcionados
Afetem património cultural ou histórico
No entanto, estas exceções devem ser devidamente fundamentadas e publicitadas.

Fiscalização e penalizações
Competências de fiscalização:
Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais: edifícios públicos centrais
Inspeção-Geral da Administração do Território: edifícios públicos locais
Câmaras Municipais: edifícios privados
Coimas aplicáveis:
Pessoas singulares: €250 a €3.740
Pessoas coletivas: €500 a €44.891
Sanções acessórias: privação de subsídios, interdição de atividade, encerramento
O papel das organizações não governamentais
Uma inovação importante foi o reconhecimento do direito de ação às organizações de pessoas com deficiência, que podem:
Intentar ações judiciais
Fiscalizar o cumprimento das normas
Aceder a informação sobre processos de licenciamento
Aplicar o regime da ação popular
Para considerar
O Decreto-Lei 163/2006 representou uma mudança de paradigma na forma como Portugal encara a acessibilidade. Mais do que uma questão técnica, trata-se de um imperativo de justiça social e igualdade de oportunidades. Hoje, quase duas décadas depois, os benefícios são evidentes: cidades mais inclusivas, edifícios mais funcionais e uma sociedade mais consciente das necessidades de todos os seus membros. No entanto, o caminho ainda não está completo. Cada novo projeto é uma oportunidade para construir um Portugal mais acessível e inclusivo.
A acessibilidade não se improvisa – exige conhecimento técnico, sensibilidade social e compromisso profissional. É aqui que o papel dos arquitetos e urbanistas se torna fundamental, transformando obrigações legais em oportunidades de criar espaços verdadeiramente universais.
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