Arrendamento Turístico: Os Licenciamentos que não pode ignorar
- Ana Carolina Santos

- há 6 dias
- 8 min de leitura
Colocar um imóvel em arrendamento turístico é uma decisão que envolve mais do que simplesmente anunciar a propriedade numa plataforma online. Em Portugal, a atividade de alojamento turístico está enquadrada por um regime jurídico robusto que exige cumprimento de múltiplas formalidades, licenciamentos e autorizações. Ignorar estas exigências não apenas coloca o investimento em risco — pode resultar em multas significativas, clausura da atividade e, em casos graves, consequências criminais. Este post detalha os licenciamentos essenciais que qualquer proprietário ou gestor deve conhecer antes de iniciar a exploração de arrendamento turístico.

Dois tipos de Arrendamento Turístico: Diferenças críticas
Antes de qualquer formalidade, é fundamental compreender que existem dois regimes distintos em Portugal:
Alojamento Local
O alojamento local é a forma de arrendamento turístico mais comum e acessível. Refere-se a unidades habitacionais — casas, apartamentos, quartos ou habitações próprias — alugadas por períodos curtos, normalmente a turistas ou viajantes de lazer. Este regime está regulado pelo Decreto-Lei n.º 128/2014, alterado recentemente pelo Decreto-Lei n.º 76/2024.
Características principais:
Capacidade máxima: 9 quartos e 27 utentes (com exceções para modalidades específicas)
Pode incluir instalações sanitárias compartilhadas
Autorização através de comunicação prévia com prazo
Processo mais simplificado que empreendimentos turísticos tradicionais
Empreendimentos Turísticos
Empreendimentos turísticos são instalações específicas destinadas à prestação de serviços de alojamento, como hotéis, aldeamentos turísticos, apartamentos turísticos, resorts ou empreendimentos de turismo rural. Estão regulados pelo Regime Jurídico dos Empreendimentos Turísticos (RJET), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39/2008.
Características principais:
Regulação mais rigorosa e específica
Exigências de classificação turística
Procedimento de informação prévia e licenciamento mais complexo
Envolve cumprimento de normas técnicas específicas para cada tipologia
O primeiro passo: Verificação da Licença de Utilização
Antes de qualquer processo de licenciamento para arrendamento turístico, o imóvel deve dispor de licença de utilização válida. Esta é uma exigência fundamental, frequentemente negligenciada por proprietários.
O que é a Licença de Utilização?
A licença de utilização é um documento oficial emitido pela Câmara Municipal que atesta que um imóvel cumpre todos os requisitos legais para ser utilizado de forma específica — neste caso, para alojamento. Ela confirma que a propriedade satisfaz normas de segurança contra incêndios, salubridade, habitabilidade e outras exigências técnicas.
Quando é obrigatória?
Para imóveis construídos após 1951, a licença de utilização é obrigatória. Para imóveis anteriores a essa data, podem existir isenções, mas é recomendável confirmar o estatuto junto da Câmara Municipal.
Como verificar se sua propriedade tem licença
Existem dois métodos principais:
Consultar a Câmara Municipal: Solicite informação sobre o estatuto de utilização do imóvel
Consultar a Caderneta Predial: Este documento contém informação sobre a licença de utilização
Solicitar certificado: A Câmara Municipal pode emitir certificado comprovando a existência da licença
Se a propriedade não dispuser de licença de utilização, deve ser obtida antes de proceder ao licenciamento de alojamento. Este processo pode ser demorado, pelo que deve ser iniciado com antecedência.
Licenciamento de Alojamento Local: O processo passo a passo
Para proprietários que desejam explorar alojamento local, o processo segue um caminho específico, regulado pelo Decreto-Lei n.º 76/2024.
Passo 1: Confirmação de requisitos regulamentares
Antes de qualquer formalidade, verifique:
Regulamento municipal: O município pode ter regulamento específico regulando a atividade de alojamento local no seu território. Consulte a Câmara Municipal ou o website do município
Autorização de condomínio: Se o imóvel é em propriedade horizontal, verifique se o regulamento do condomínio permite exploração de alojamento local. Para modalidade "hostel", é obrigatória a autorização do condomínio
Restrições urbanísticas: Algumas áreas podem ter restrições à instalação de alojamento local. A Câmara Municipal pode informar-se sobre a viabilidade
Zonas de crescimento sustentável: O município pode estabelecer requisitos adicionais para instalação em áreas designadas como de crescimento sustentável
Passo 2: Inscrição nas Finanças e Abertura de Atividade
O processo administrativo inicia-se com a inscrição do titular da exploração e abertura de atividade junto à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) — antes mesmo de submeter qualquer documentação à Câmara Municipal.
Documentos necessários:
Documento de identificação (NIF)
Indicação do código de atividade correto (Classificação de Atividades Económicas — CAE)
Morada do estabelecimento
Este passo é crucial porque a Câmara Municipal verifica a existência de registo fiscal antes de processar a comunicação prévia.
Passo 3: Preparação da documentação para Comunicação Prévia com Prazo
O licenciamento de alojamento local segue o regime de comunicação prévia com prazo, não de licença tradicional. Isto significa que o titular apresenta informação e documentação à Câmara Municipal, que tem um período determinado para análise e contestação.
Documentação obrigatória a submeter:
Autorização de utilização (ou título de utilização válido)
Identificação do titular — pessoa singular ou colectiva, com NIF
Morada do titular — onde recebe correspondência
Nome e morada do estabelecimento
Modalidade escolhida — apartamento, moradia, quartos, guesthouse ou hostel
Capacidade — número de quartos, camas e utentes (máximo 27 utentes, exceto em modalidades específicas)
Descrição e fotografias do estabelecimento
Nome e telefone de contacto para emergências
Período de sazonalidade — se relevante (máximo 120 dias anuais para habitação própria)
Cópia do documento de identificação do titular
Termo de responsabilidade — subscrito pelo titular, confirmando que o edifício ou fração é idóneo para alojamento e que respeita normas legais
Caderneta Predial Urbana — cópia da propriedade
Contrato de arrendamento ou documento legitimador — se o titular não for proprietário; deve incluir autorização específica para alojamento local
Declaração de início de atividade — emitida pelas Finanças
O termo de responsabilidade é o documento mais importante. Nele, o titular garante a idoneidade do imóvel e o cumprimento de todas as normas aplicáveis — e é ele próprio responsabilizado por qualquer incumprimento.
Passo 4: Apresentação ao Balcão Único Eletrónico
Toda a documentação é submetida através do Balcão Único Eletrónico (BUE) — não presencialmente. O sistema regista a comunicação prévia e gera um comprovativo, que deve ser guardado.
A Câmara Municipal tem 10 dias úteis para analisar o pedido. Se não houver contestação durante este período, o alojamento local pode abrir ao público — porém, isso não dispensa a realização de vistoria obrigatória subsequente.
Passo 5: Vistoria municipal
No prazo de 30 dias após a apresentação, a Câmara Municipal realiza vistoria para verificar cumprimento dos requisitos legais. Esta vistoria é obrigatória e inclui verificação de:
Segurança e salubridade das instalações
Adequação de instalações sanitárias
Conformidade com requisitos de segurança contra incêndios (para capacidades ≥10 utentes)
Atendimento a outros requisitos técnicos específicos
Se houver incumprimentos, o proprietário é notificado e tem período para regularização.
Passo 6: Emissão do número RNAL e abertura efetiva
Após vistoria bem-sucedida, a Câmara Municipal emite o Número de Registo de Alojamento Local (RNAL). Este é o único documento válido que confirma que o alojamento pode estar aberto ao público.
O RNAL deve ser comunicado ao Turismo de Portugal, I.P., que mantém registo centralizado de todos os empreendimentos em funcionamento.
Requisitos gerais que todo o Alojamento Local deve cumprir
Independentemente da modalidade, todo o alojamento local deve satisfazer requisitos rigorosos:
Infraestruturas e utilidades básicas
Abastecimento de água: Ligação à rede pública ou sistema privado com origem controlada
Saneamento: Ligação à rede pública de esgotos ou sistema equivalente
Eletricidade: Instalação segura e conformidade com normas técnicas
Aquecimento e climatização: Adequados às condições climáticas locais
Instalações Sanitárias
As exigências variam conforme a modalidade:
Apartamentos e moradias: Mínimo 1 instalação sanitária por cada 4 quartos e máximo 10 utentes
Quartos: 1 instalação sanitária partilhada entre todos os quartos
Hostels e guesthouses: 1 retrete, 1 lavatório e 1 chuveiro por cada 6 utentes partilhando a instalação
Segurança Contra Incêndios
Para estabelecimentos com capacidade igual ou superior a 10 utentes, é obrigatório cumprimento do Decreto-Lei n.º 220/2008 — regime de segurança contra incêndios. Isto inclui:
Sinalização e rotas de emergência
Equipamento de combate a incêndios
Planos de evacuação
Higiene e limpeza
Condições adequadas de manutenção de instalações e equipamentos
Sistemas de limpeza regulares
Eliminação adequada de resíduos
Obrigações contínuas do proprietário
A obtenção do RNAL não encerra as obrigações. O proprietário deve cumprir com uma série de exigências permanentes:
Documentação obrigatória no estabelecimento
Placa identificativa "AL": Deve estar afixada de forma visível (exceto para moradias inteiras)
Livro de reclamações: Documento que regista reclamações de clientes — exigência legal de transparência
Livro de informações: Com regulamento da casa, regras de funcionamento e contacto do responsável
Seguro de Responsabilidade Civil
O proprietário deve manter seguro de responsabilidade civil válido, que indemnize por danos materiais e corporais causados a hóspedes ou terceiros decorrentes da exploração da atividade.
Comunicações obrigatórias
Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF): Se houver hóspedes estrangeiros, certos dados devem ser comunicados
Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE): Realizará inspecções periódicas
Câmara Municipal: Qualquer alteração material do estabelecimento deve ser comunicada
Manutenção e conservação
O proprietário deve garantir que o estabelecimento se mantém em condições de funcionamento, realizando:
Limpeza e manutenção regulares
Reparações necessárias
Atualização de seguros
Cumprimento de novas regulamentações
Empreendimentos Turísticos: Regime mais complexo
Para empreendimentos turísticos tradicionais (hotéis, aldeamentos, resorts), o procedimento é significativamente mais complexo, envolvendo:
Pedido de Informação Prévia à Câmara Municipal (com prazo de 60 dias para resposta)
Licenciamento formal (não simples comunicação prévia)
Classificação turística específica
Projetos detalhados de segurança, salubridade e outros aspetos técnicos
Autorização de utilização para fins turísticos após conclusão de obras
Comunicação ao Turismo de Portugal, I.P. para inscrição no registo nacional
Este procedimento requer assessoria especializada e pode demorar vários meses.

Erros frequentes que devem ser evitados
Não verificar a situação da propriedade antecipadamente
Muitos proprietários iniciam o processo de licenciamento apenas para descobrir, meses depois, que a propriedade não tem licença de utilização ou que o condomínio proíbe alojamento local. Verifique tudo antecipadamente.
Não cumprir o Termo de Responsabilidade devidamente
O termo de responsabilidade não é um formulário administrativo inócuo. É um compromisso legal pelo qual o proprietário se responsabiliza pessoalmente por todo o cumprimento regulatório. Qualquer incumprimento posterior pode resultar em consequências legais e financeiras graves.
Ignorar Regulamentos Municipais específicos
Muitos municípios aprovaram regulamentos que definem regras adicionais para alojamento local — restrições a capacidades, localização, períodos de funcionamento, etc. Consulte o website e as repartições municipais para identificar estas regras.
Não realizar vistoria antecipada
Antes de submeter documentação, solicite à Câmara Municipal informação informal sobre potenciais incumprimentos. Isto permite regularizar problemas antes da vistoria oficial.
Começar a explorar antes de receber autorização
Explorar alojamento turístico sem RNAL é ilegal e sujeita o proprietário a multas significativas. Aguarde sempre a resposta oficial da Câmara Municipal.
Não manter documentação atualizada
Qualquer alteração material (adição de quartos, mudança de modalidade, mudança de morada, etc.) deve ser comunicada. Manter registos desatualizados é violação legal.
Conselhos práticos para um processo bem-sucedido
Procure Informação Prévia
Antes de adquirir propriedade ou de iniciar procedimentos de licenciamento, contacte a Câmara Municipal para conhecer:
Se o imóvel está em zona permitida para alojamento local
Que regulamentos municipais específicos se aplicam
Que documentação é necessária
Qual é o tempo médio de processamento no município
Reúna a documentação com antecedência
Não submeta documentação incompleta. Antecipe-se e reúna todos os documentos necessários com a máxima qualidade. Documentação deficiente prolonga o processo.
Contrate profissionais qualificados
Se não tem familiaridade com processos administrativos, contrate um gestor imobiliário ou um consultor especializado em alojamento turístico. O investimento em consultoria é recuperado pelo tempo poupado e por erros evitados.
Mantenha registo de toda a comunicação
Guarde cópias de todas as correspondências, pedidos, comprovativos e respostas das autoridades. Isto protege-o em caso de futuras disputas.
Implemente sistemas de conformidade desde o início
Desde a abertura do alojamento, implemente práticas que garantam conformidade contínua — registos de limpeza, livro de reclamações bem mantido, seguros atualizados, comunicações pontuais.
Para considerar
O arrendamento turístico é uma atividade legítima e potencialmente rentável. Contudo, o seu sucesso depende de compreensão completa do enquadramento regulatório e de cumprimento rigoroso de todos os licenciamentos e obrigações. A ignorância não é defesa legal — as autoridades competentes (Câmara Municipal, ASAE, Turismo de Portugal) fiscalizam ativamente o cumprimento.
O investimento em compreender corretamente estes requisitos, em implementar sistemas de conformidade e em manter documentação atualizada não apenas protege a propriedade de risco legal — melhora significativamente a qualidade operacional do negócio, aumenta a confiança dos hóspedes e posiciona o empreendimento para crescimento sustentável. Arrendamento turístico bem-sucedido é, portanto, arrendamento regulatoriamente conforme. Não há atalhos nesta equação.



