Construir ou reabilitar em Zona Histórica: O delicado equilíbrio entre passado e futuro
- Ana Carolina Santos

- 30 de nov.
- 3 min de leitura
Investir num imóvel num centro histórico é comprar um pedaço de alma da cidade. O charme da traça antiga, a centralidade e o valor patrimonial são ativos inegáveis. Mas, para quem quer renovar ou construir nestas áreas, o sonho pode transformar-se num labirinto burocrático se não houver uma compreensão clara das regras do jogo.
Intervir em zonas protegidas não é apenas uma obra; é um ato de cultura que exige sensibilidade e, acima de tudo, conhecimento técnico para navegar entre a preservação obrigatória e a inovação necessária.

O "não" como ponto de partida? Desmistificar as restrições
Existe o mito de que nas zonas históricas "não se pode fazer nada". A realidade é mais matizada. Pode-se fazer muito, desde que se saiba como. A legislação portuguesa, embora protecionista, tem evoluído para permitir a adaptação dos edifícios à vida contemporânea.
O desafio principal reside na compatibilidade. Como inserir conforto térmico num edifício com paredes de pedra de 60cm? Como garantir acessibilidade num prédio sem elevador? Como trazer luz natural sem descaracterizar a fachada?
O novo Simplex e a simplificação de processos
Recentemente, houve avanços significativos. O chamado "Simplex Urbanístico" trouxe novidades importantes para quem investe em zonas históricas:
Menos Pareceres: Para obras de conservação ou alteração interior que não afetem elementos arquitetónicos relevantes (como azulejos, cantarias ou estruturas originais), a obrigatoriedade de parecer vinculativo da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) foi aligeirada em muitos casos.
Foco na fachada e estrutura: A proteção incide sobretudo no que é visível do espaço público e na integridade estrutural. O interior, muitas vezes, oferece liberdade para criar espaços modernos e funcionais, desde que se respeite a "casca" histórica.
Onde a inovação encontra a tradição
O segredo de um projeto de sucesso em zona histórica está na capacidade de dialogar com o existente.
1. Conforto invisível: Não podemos simplesmente "colar" isolamento térmico (capoto) numa fachada do século XIX. A inovação passa por soluções como rebocos térmicos à base de cal, isolamento pelo interior ou caixilharias de madeira com desempenho de vidro duplo, que mantêm o desenho original mas bloqueiam o ruído e o frio.
2. Acessibilidade criativa: A introdução de elevadores em prédios antigos é um clássico "quebra-cabeças". A solução exige criatividade: aproveitar saguões de ventilação, reorganizar as escadas ou utilizar sistemas de elevação compactos que não comprometam a estrutura.
3. Ampliação e cérceas: Ganhar área em altura (aumentar a cércea) é difícil, mas não impossível. Em muitos casos, a regularização de empenas ou o alinhamento com os edifícios vizinhos permite a criação de pisos recuados ou "mansardas habitáveis" que valorizam o imóvel sem ferir a silhueta da rua.

Arqueologia: O convidado inesperado
Em zonas históricas consolidadas, qualquer escavação no solo pode revelar vestígios do passado. O acompanhamento arqueológico é, frequentemente, uma exigência legal. Isto não deve ser visto como um bloqueio, mas como um dado a gerir no cronograma da obra. Um achado arqueológico integrado no projeto (como um pavimento em vidro sobre uma antiga muralha ou cisterna) pode aumentar exponencialmente o valor e o carisma do imóvel.
Para considerar
Reabilitar em zona histórica é um investimento de prestígio e de retorno seguro a longo prazo, mas exige um parceiro técnico que fale a língua do património e a língua da burocracia. Não se trata apenas de pedir uma licença; trata-se de fundamentar uma intervenção que valorize a cidade.



