Áreas mínimas dos Fogos: Compreender os requisitos do RGEU e da Portaria 243/84
- Ana Carolina Santos

- 25 de set.
- 4 min de leitura
A definição das áreas mínimas habitáveis é um aspeto fundamental na conceção de habitações em Portugal. Dois diplomas regulamentares estabelecem critérios distintos para estas dimensões: o Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU) e a Portaria 243/84. Embora ambos abordem a mesma questão - as condições mínimas de habitabilidade - aplicam-se a contextos completamente diferentes.

O que estabelece o RGEU
O RGEU, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38.382 de 1951 e sucessivamente atualizado, constitui a base regulamentar para as edificações urbanas em Portugal. No que respeita às áreas dos compartimentos de habitação, este regulamento estabelece:
Áreas mínimas por Tipologia
Quartos: área mínima de 9 m² por compartimento de dormir
Salas: área variável conforme a tipologia (12 m² para T1, até 20 m² para T5)
Cozinhas: dimensões específicas segundo a tipologia da habitação
Pé-direito: mínimo de 2,40 m em habitações
Tipologia | Comparti-mentos | Sala (m²) | Quartos (m²) | Cozinha | Suplemento (m²) |
T0 | 1 | 9 (kitchenette) | - | Incluída | - |
T1 | 12 | 9 | Variável | - | |
T2 | 3 | 16 | 2×9 | Variável | - |
T3 | 4 | 16 | 3×9 | Variável | 6 |
T4 | 5 | 18 | 4×9 | Variável | 8 |
T5 | 6 | 20 | 5×9 | Variável | 10 |
Geometria dos compartimentos
O RGEU estabelece critérios geométricos específicos:
Compartimentos até 9,5 m²: dimensão mínima de 2,10 m
Entre 9,5 e 12 m²: possibilidade de inscrever círculo de diâmetro 2,40 m
Entre 12 e 15 m²: círculo de diâmetro mínimo 2,70 m
Acima de 15 m²: comprimento máximo de duas vezes a largura
Portaria 243/84: Uma solução pragmática
A Portaria n.º 243/84, de 17 de abril, surge num contexto muito específico: a legalização de construções clandestinas. Este diploma reconhece que a maioria das construções clandestinas dificilmente cumpria os requisitos do RGEU, criando tolerâncias para viabilizar a sua regularização.
Condições mínimas estabelecidas
Compartimentos gerais: área mínima de 8 m² (tolerância face ao RGEU)
Compartimentos especiais:
Habitações com menos de 5 compartimentos: 1 com mínimo 10,5 m²
Habitações com 5 ou mais compartimentos: 2 com mínimo 10,5 m²
Cozinha: mínimo 5 m² (reduzível para 4 m² em casos específicos)
Pé-direito: reduzido para 2,35 m
Critérios geométricos flexibilizados
Possibilidade de inscrever círculo com diâmetro mínimo de 1,8 m
Para cozinhas com área inferior a 5 m²: círculo de 1,6 m
Corredores com largura mínima de 0,9 m
"A reconversão das construções clandestinas exige uma abordagem pragmática que equilibre as condições mínimas de habitabilidade com a realidade construída."
Principais diferenças entre os Regulamentos
Comparação entre RGEU e Portaria 243/84: Requisitos Mínimos de Habitabilidade
Filosofia Regulamentar distinta
A diferença fundamental entre estes dois diplomas reside na sua filosofia de aplicação:
RGEU: Estabelece padrões para construção nova e regular
Portaria 243/84: Cria tolerâncias para legalização de situações existentes
Flexibilidade nas dimensões
A Portaria 243/84 introduz uma redução controlada nos requisitos:
Área mínima dos compartimentos: de 9 m² (RGEU) para 8 m²
Pé-direito: de 2,40 m para 2,35 m
Maior flexibilidade nas dimensões das cozinhas
Aplicabilidade Prática
RGEU: Aplica-se a novos projetos e obras de ampliação
Portaria 243/84: Exclusivamente para edifícios clandestinos com acesso independente e ligação às redes de infraestruturas
Comparação direta de condições
Aspecto | RGEU | Portaria 243/84 |
Compartimentos gerais | 9 m² mínimo | 8 m² mínimo |
Pé-direito | 2,40 m | 2,35 m |
Cozinha (≥4 compartimentos) | Conforme tipologia | 5 m² |
Cozinha (<4 compartimentos) | Conforme tipologia | 4 m² |
Geometria (círculo inscrito) | ⌀ 2,40-2,70 m | ⌀ 1,8 m (1,6 m cozinha) |
Compartimentos especiais | Não previsto | 1-2 compartimentos ≥ 10,5 m² |
Compartimentos reduzidos | Não permitido | 1-2 compartimentos 7 m² |
Corredores | Não especificado | 0,9 m largura |
Principais diferenças
Área: Portaria 243/84 permite 1 m² menos nos compartimentos gerais
Pé-direito: Redução de 5 cm na Portaria 243/84
Flexibilidade: Portaria 243/84 é mais tolerante nas dimensões geométricas
Contexto: RGEU para construção regular vs Portaria 243/84 para legalização clandestina
Compartimentos especiais: Portaria 243/84 exige compartimentos maiores para compensar as tolerâncias
Implicações na Prática Arquitetónica
Para novos projetos
Os arquitetos devem sempre respeitar os requisitos do RGEU em projetos novos. As tolerâncias da Portaria 243/84 não se aplicam a construção regular, sendo exclusivas para processos de legalização.
Para Legalizações
Nos processos de legalização de construções clandestinas, a Portaria 243/84 oferece maior viabilidade técnica e económica, evitando demolições desnecessárias quando as condições mínimas de habitabilidade podem ser asseguradas.
Análise caso a caso
Cada situação exige análise técnica especializada:
Verificação das condições de segurança estrutural
Avaliação das condições de salubridade
Confirmação do acesso às infraestruturas básicas

Considerações Técnicas relevantes
Ventilação e Iluminação
Ambos os regulamentos exigem que os compartimentos habitáveis tenham iluminação e ventilação natural direta, independentemente das tolerâncias dimensionais.
Instalações Sanitárias
As exigências para instalações sanitárias mantêm-se rigorosas em ambos os casos, assegurando condições básicas de higiene e salubridade.
Compatibilidade com Regulamentação atual
É fundamental verificar a compatibilidade destes requisitos com:
Regulamento de Desempenho Energético (REH)
Normas de acessibilidade
Regulamentos municipais específicos
Conselhos práticos
Para Proprietários
Consulte sempre um arquiteto antes de iniciar qualquer processo de legalização
Verifique se a construção cumpre os requisitos mínimos da Portaria 243/84
Confirme a possibilidade de ligação às redes de infraestruturas
Para Profissionais
Analise cuidadosamente o enquadramento legal de cada situação
Documente adequadamente as condições existentes
Proponha soluções que maximizem a habitabilidade dentro das tolerâncias legais
Alertas importantes
A Portaria 243/84 não é aplicável a construções novas
Exige sempre vistoria técnica prévia
Limitada a edifícios com acesso independente
Para considerar
A coexistência do RGEU e da Portaria 243/84 reflete a complexidade do fenómeno da construção clandestina em Portugal. Enquanto o primeiro estabelece padrões ideais para a construção regular, o segundo oferece um caminho pragmático para a integração de construções existentes no quadro legal.
Esta dualidade regulamentar exige dos profissionais um conhecimento aprofundado de ambos os diplomas e a capacidade de aplicar o mais adequado a cada situação específica. A escolha entre os dois enquadramentos não é discricionária, mas resulta da natureza legal da construção em análise. Para os proprietários, compreender estas diferenças é essencial para tomar decisões informadas sobre os seus projetos, seja na conceção de novas habitações ou na legalização de situações existentes.



