Edifícios Clandestinos em Reabilitação: Tolerâncias e exceções à regra
- Ana Carolina Santos
- 19 de jun.
- 3 min de leitura
A construção clandestina tem sido uma realidade persistente em Portugal, resultado de décadas de crescimento urbano sem controlo rigoroso. Muitos destes edifícios não cumpriram as exigências do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), o que, até à publicação da Portaria n.º 243/84, de 17 de abril, constituía um obstáculo insuperável à sua legalização e integração no tecido urbano.
A impossibilidade de cumprir integralmente as normas técnicas do RGEU levou à necessidade de criar um quadro legal que permitisse a recuperação destes imóveis, sem comprometer a segurança ou a salubridade dos seus ocupantes, mas também sem exigir investimentos avultados ou demolições em larga escala.

Tolerâncias e exceções da Portaria 243/84
A Portaria n.º 243/84 estabelece condições mínimas de habitabilidade para edifícios clandestinos, admitindo tolerâncias face às exigências do RGEU. Estas tolerâncias tornam possível a legalização de construções que, de outra forma, estariam condenadas à ilegalidade ou à demolição.
Principais tolerâncias
Áreas mínimas reduzidas:
Compartimentos gerais: 8 m² (em vez dos 10,5 m² exigidos pelo RGEU em muitos casos)
Pelo menos um compartimento com 10,5 m² em habitações com menos de 5 divisões
Dois compartimentos com 10,5 m² em habitações com 5 ou mais divisões
Possibilidade de 1 ou 2 compartimentos com apenas 7 m² em habitações com mais de 4 ou 6 divisões
Vestíbulos, instalações sanitárias, arrumos e compartimentos similares não contam para o número de divisões
Cozinhas:
Área mínima de 5 m²
Redução para 4 m² em habitações com menos de 4 compartimentos (excluindo vestíbulos, instalações sanitárias e arrumos)
Proporcionalidade dos compartimentos:
O comprimento não pode exceder o dobro da largura
Deve ser possível inscrever um círculo de diâmetro mínimo de 1,8 m entre paredes (1,6 m para cozinhas com menos de 5 m²)
Pé-direito:
Redução do pé-direito livre mínimo para 2,35 m (em vez dos 2,40 m do RGEU)
Em sótãos, águas-furtadas e mansardas: apenas metade da área precisa cumprir o pé-direito mínimo
Corredores e escadas:
Largura mínima dos corredores: 0,9 m
Largura mínima das escadas em edifícios coletivos com mais de 2 pisos ou 4 habitações: 1 m (se não entre paredes)
Degraus: largura mínima de 0,22 m e altura máxima de 0,193 m
Instalações sanitárias:
Admite-se uma única casa de banho completa em habitações com mais de 4 compartimentos
Procedimento de Legalização
1. Vistoria Técnica obrigatória
Análise das condições de segurança e habitabilidade do edifício e das construções contíguas
Avaliação da viabilidade técnica e económica da reabilitação
2. Demolições parciais
Deverá ser garantida a demolição de paredes interiores sempre que necessário para cumprir os requisitos mínimos de habitabilidade
3. Acesso e Infraestruturas
Acesso independente ao edifício
Possibilidade de ligação direta às redes gerais de infraestruturas (água, saneamento, eletricidade)
Limitações e condições de aplicação
A Portaria 243/84 não é uma "carta branca" para todas as construções clandestinas
Aplica-se apenas a edifícios com acesso independente e ligação a infraestruturas
Exige vistoria técnica para garantir a segurança e habitabilidade
Pode exigir demolições parciais para cumprir os requisitos mínimos
Exemplo prático
Reabilitação de um T2 clandestino:
Sala: 12 m² (cumpre o mínimo de 8 m² e, se for o compartimento principal, pode ser exigido 10,5 m²)
Quarto: 10,5 m²
Cozinha: 5 m² (ou 4 m² em caso de habitação muito pequena)
Instalação sanitária: conforme tolerâncias
Corredores: mínimo de 0,9 m

Conselhos práticos para Proprietários
Verifique sempre a situação legal do imóvel antes de investir em reabilitação
Consulte um arquiteto especializado para avaliar a viabilidade técnica e legal da reabilitação
Prepare-se para eventuais demolições parciais exigidas pela vistoria técnica
Organize toda a documentação necessária para o processo de Legalização
Acompanhe o processo junto da Câmara Municipal para evitar atrasos e surpresas
Para considerar
A Portaria n.º 243/84 representa uma solução pragmática para a integração de construções clandestinas no tecido urbano português. Ao estabelecer tolerâncias face ao rigor do RGEU, permite a recuperação de milhares de habitações que, de outra forma, permaneceriam na ilegalidade, com graves consequências para os seus ocupantes e para a gestão urbana.
O equilíbrio entre o ideal técnico e a realidade social é fundamental para garantir a habitabilidade, a segurança e a sustentabilidade das nossas cidades. A legalização de edifícios clandestinos, sujeita a vistoria técnica e a exigências mínimas de habitabilidade, é um passo essencial para a valorização do património edificado e para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos.
A evolução da legislação demonstra a importância de encontrar soluções flexíveis e adaptadas à realidade do parque habitacional existente, sem abdicar dos padrões essenciais de qualidade e segurança.
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