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Arrendamento Forçado de habitações devolutas: novas regras

  • Foto do escritor: Ana Carolina Santos
    Ana Carolina Santos
  • 10 de ago.
  • 4 min de leitura

Não é todos os dias que a lei da construção e da habitação traz mudanças com impacto directo em proprietários, inquilinos e municípios. Em Julho de 2024 foi publicado o Decreto-Lei n.º 43/2024, que revogou o polémico regime de «arrendamento forçado de habitações devolutas» (antigo artigo 108.º-C do RJUE). O assunto levantou dúvidas e ganhou espaço nos media – é, por isso, fundamental perceber o que mudou, o que se mantém e de que forma cada interveniente fica protegido ou obrigado.

Este post condensa a informação essencial, em linguagem prática, para ajudar quem acompanha o mercado de habitação a navegar nas novas regras.


Moradia devoluta e degradada em Sesimbra, vista do exterior
Moradia devoluta e degradada em Sesimbra, vista do exterior

O que era, afinal, o arrendamento forçado?


Até Julho de 2024 o artigo 108.º-C permitia às Câmaras Municipais arrendar forçosamente fracções habitacionais devolutas há mais de dois anos (fora dos territórios do interior). O objectivo era pôr casas vazias no mercado, garantindo «função social» ao parque habitacional.

Como funcionava?

  1. Notificação – o município notificava o proprietário para dar uso ao imóvel ou aceitava uma proposta de arrendamento municipal.

  2. Recusa ou silêncio – se o proprietário recusasse ou não respondesse em 90 dias, a autarquia podia tomar posse administrativa e lançar concurso para arrendamento.

  3. Renda – o valor não podia exceder em 30% a renda mediana da tipologia no concelho.

  4. Receitas – as rendas ficavam numa conta específica; parte cobria despesas municipais de gestão e obras.



Porque foi revogado?


  • Pressão pública e política – o mecanismo foi visto como demasiado intrusivo na propriedade privada e difícil de aplicar.

  • Baixa eficácia – poucas autarquias avançaram com processos, em parte devido à complexidade administrativa.

  • Soluções alternativas – o Governo optou por reforçar incentivos voluntários (arrendamento acessível, benefícios fiscais) em vez de medidas coercivas.

Consequência directa: a partir de 3 de Julho de 2024 deixa de existir arrendamento forçado por motivo de devoluto. Já não há tomada de posse automática para casas vazias – mas isso não significa fim de todas as formas de arrendamento coercivo.



O que continua em vigor?


O artigo 108.º-B do RJUE mantém-se e permite o arrendamento forçado para recuperar dívidas a municípios (taxas, obras coercivas, etc.).

Fluxo simplificado:

  1. Proprietário é intimado a pagar despesas de obras de conservação coerciva (art. 108.º).

  2. Se não pagar, a Câmara pode optar entre execução fiscal ou arrendamento forçado (108.º-B).

  3. O auto de posse menciona valor da dívida; renda arrecadada é usada para liquidar montante em falta.

  4. Liquidada a dívida, o proprietário pode retomar a posse mediante solicitação prévia (120 dias de antecedência).

Em resumo: o município continua a poder arrendar o imóvel, mas apenas para reaver despesas que ele próprio suportou – e não pela simples condição de devoluto.



Impacto para proprietários


  • Fim da ameaça automática: quem tem casas devolutas deixa de temer a tomada de posse só por estarem vazias.

  • Obrigação de conservação mantém-se: o dever de manter o edifício em condições de salubridade e segurança continua (art. 89.º).

  • Risco financeiro: se a autarquia tiver de intervir em obras, pode recuperar o investimento através de arrendamento forçado (108.º-B).

  • Registo predial: intimações, posse administrativa e arrendamento forçado são agora inscritos de forma oficiosa, afectando a vida do título de propriedade.



E para autarquias?


Continuam a dispor de:

  • Instrumentos de fiscalização – vistorias, embargos, ordens de demolição ou conservação (arts. 93.º-108.º).

  • Posse administrativa – para executar coercivamente obras ou arrendamento forçado por dívidas.

  • Modelos de incentivo – programas de subarrendamento, fogos municipais, parcerias com o IHRU.


Perderam:

  • A via simplificada para pôr no mercado habitações apenas pela condição de estarem vazias.



Perguntas frequentes


Quem decide se uma casa está devoluta? Continua a aplicar-se o Decreto-Lei n.º 159/2006. A classificação é feita pelo município com base em factos (ausência de contratos de luz, água, água residual, etc.).

Posso deixar a casa vazia indefinidamente? Sim, mas pode pagar IMI agravado se a autarquia o deliberar (até 2024, até 12× a taxa normal), e mantém obrigação de conservação.

Como evitar obras coercivas?

  • Faça manutenção preventiva.

  • Responda às notificações camarárias dentro dos prazos.

  • Entregue projectos de reabilitação e cumpra-os.

Há apoios para reabilitar antes que a Câmara intervenha? Sim: IFRRU 2020, Programa «Edifícios + Sustentáveis», benefícios em IRS/IRC para reabilitação em ARU, entre outros.


Moradia devoluta e degradada em Sesimbra, vista do interior
Moradia devoluta e degradada em Sesimbra, vista do interior

Conselhos práticos


  1. Audite o seu património – verifique estado de conservação, licenças e utilização efectiva.

  2. Regularize obras – projectos antigos muitas vezes carecem de legalização; evite coimas e despesas.

  3. Analise incentivos de arrendamento – soluções como o Programa de Arrendamento Acessível podem ser financeiramente vantajosas.

  4. Planeie reabilitações – intervenções programadas custam menos do que obras coercivas impostas.

  5. Acompanhe regulamentação municipal – cada município define prazos, taxas e procedimentos próprios.



Para considerar


A revogação do arrendamento forçado por devoluto retira um elemento de incerteza aos proprietários, mas não significa laissez-faire: as Câmaras continuam a ter meios para intervir quando a falta de conservação prejudica vizinhos, espaço público ou finanças municipais.

A melhor estratégia é cuidar do imóvel, cumprir prazos legais e, sempre que faça sentido, colocá-lo no mercado – valoriza-se o património, gera-se rendimento e contribui-se para mitigar a carência habitacional.


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