Reabilitação de construções clandestinas: As condições mínimas de Habitabilidade segundo a Portaria 243/84
- Ana Carolina Santos

- há 7 dias
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Milhares de casas em Portugal foram construídas ao longo de décadas sem qualquer processo de licenciamento formal. A questão que muitos proprietários enfrentam é: como legalizar estas construções? Uma resposta importante reside na Portaria 243/84, um diploma que estabelece parâmetros técnicos específicos para a recuperação de edifícios clandestinos, permitindo que muitos deles possam ser legalizados com base em condições mínimas de habitabilidade adaptadas à realidade portuguesa.

O contexto histórico da Portaria 243/84
Após a revogação de legislação anterior, o Decreto-Lei 804/76 criou um vazio regulamentar relativamente à avaliação de construções clandestinas. A maioria destas edificações nunca poderia cumprir o Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU) devido às suas características físicas pré-existentes. A demolição em massa teria consequências económicas e sociais devastadoras.
A Portaria 243/84 surge como solução pragmática, reconhecendo que é viável e economicamente justificado permitir a legalização de muitos edifícios clandestinos com base em tolerâncias técnicas específicas. O objetivo não é criar padrões reduzidos permanentes, mas sim permitir a reconversão técnica viável de construções já existentes.
A Portaria 243/84 estabelece que a maioria das casas construídas sem licença pode ser legalizada, desde que cumpra parâmetros mínimos de segurança e habitabilidade ajustados à realidade.
Aplicabilidade da Portaria: O âmbito da Legalização
Este diploma aplica-se especificamente a edifícios clandestinos de habitação susceptíveis de reabilitação. Antes de qualquer vistoria técnica formal, a Câmara Municipal deve analisar se o edifício e os edifícios contíguos reúnem condições de segurança e habitabilidade fundamentais.
O ponto de partida é determinante: apenas edifícios com acesso independente e possibilidade de ligação direta às redes gerais de infraestruturas (água, saneamento, eletricidade) podem ser legalizados. Sem estas ligações básicas, a legalização não é viável.
Dimensões e áreas de compartimentos: As tolerâncias permitidas
Um dos aspetos mais práticos da Portaria 243/84 diz respeito às dimensões mínimas dos compartimentos. O RGEU estabelece parâmetros rígidos; a Portaria introduz tolerâncias específicas:
Dimensões mínimas de compartimentos
Compartimentos com áreas reduzidas: Os compartimentos das habitações, com exceção de vestíbulos, instalações sanitárias, arrumos e similares, não podem ter área inferior a 8 m². Isto é uma redução significativa face aos padrões convencionais, mas oferece flexibilidade real.
Habitações com menos de 5 compartimentos: Uma delas, no mínimo, deve ter área não inferior a 10,5 m².
Habitações com 5 ou mais compartimentos: Pelo menos 2 compartimentos devem ter 10,5 m² de área.
Habitações com mais de 4 ou 6 compartimentos: Pode haver, respetivamente, 1 ou 2 compartimentos com área reduzida a 7 m².
Cozinhas: A área mínima é de 5 m², sendo possível reduzir-se este limite para 4 m² quando o número de compartimentos (excluindo vestíbulos e sanitários) for inferior a 4.
Proporcionalidade e formas dos compartimentos
Para evitar divisões excessivamente estreitas ou desproporcionadas, a lei estabelece que o comprimento não pode exceder o dobro da largura e deve ser possível inscrever na planta um círculo de diâmetro não inferior a 1,8 m entre paredes. Em cozinhas com área inferior a 5 m², este círculo pode ter diâmetro mínimo de apenas 1,6 m.
Pé-Direito: A altura livre dos pisos
O pé-direito (altura livre do chão ao teto) é um fator crucial para a habitabilidade. O RGEU exige 2,70 m, mas a Portaria permite uma redução para 2,35 m em edifícios clandestinos legalizados.
Situações especiais incluem sótãos, águas-furtadas e mansardas: estes espaços podem ser utilizados para habitação apenas se metade da área do compartimento tiver o pé-direito mínimo reduzido de 2,70 m para 2,35 m. Nunca, contudo, o pé-direito pode ser inferior a 2,00 metros em nenhum ponto a mais de 30 centímetros da parede.
Circulações horizontais e verticais
As circulações interiores (corredores) não podem ter largura inferior a 0,9 m. Este parâmetro é essencial para garantir mobilidade e segurança dentro das habitações.
Nas escadas de edifícios colectivos com mais de 2 pisos, a legislação permite que a largura dos lances se reduza a 1 metro, desde que não estejam situadas entre paredes. Os patins (patamares) devem ter largura não inferior aos lances, e os degraus têm largura mínima de 0,22 m e altura máxima de 0,193 m.
Instalações Sanitárias: O mínimo essencial
A Portaria é flexível relativamente ao número de casas de banho. Admite-se a existência de uma única casa de banho completa mesmo em habitações com mais de 4 compartimentos, o que contrasta com exigências mais rigorosas do RGEU.
A largura dos corredores sanitários e de circulação nunca pode ser inferior a 0,9 m, garantindo que a higiene pessoal é realizada em condições mínimas de conforto e dignidade.
Demolição de paredes interiores: Uma exigência potencial
Um aspeto importante: a lei garante que será efectuada a demolição de paredes interiores quando esta for necessária para a legalização do edifício. Esta obrigação pertence ao proprietário, assegurando que subdivisões ilegais do espaço podem ser reversíveis mediante obras.
Condições complementares de segurança
Para além das dimensões, a Portaria exige que sejam garantidas condições fundamentais de segurança:
Acesso independente ao edifício
Ligação garantida às infraestruturas gerais (água, esgotos, eletricidade)
Ausência de riscos estruturais graves
Conformidade com requisitos básicos de segurança contra incêndios
Se qualquer uma destas condições não puder ser satisfeita, a legalização não é viável, sendo necessário considerar outras soluções, incluindo a demolição.
O procedimento de Vistoria Técnica
Antes da emissão de um aditamento de legalização, procede-se a vistoria técnica ordenada pela Câmara Municipal. Esta vistoria inclui análise dos edifícios contíguos, verificando se a reabilitação de um não prejudica a segurança estrutural de outros.
A comissão de vistoria é composta, no mínimo, por três técnicos com qualificação legal para serem autores de projetos de construção. Este rigor procedimental garante que a legalização não compromete a segurança pública.
Conselhos práticos para Proprietários
✓ Consulte antecipadamente a Câmara Municipal
Antes de investir significativamente em reformas, obtenha uma avaliação preliminar junto da Câmara Municipal sobre a viabilidade de legalização do seu edifício. Algumas construções carecem de tais condições básicas que a legalização torna-se impossível.
✓ Reúna documentação do edifício
Identifique com precisão quando o edifício foi construído, quem o construiu, e se existem registos do terreno original. Esta informação facilita o processo de análise.
✓ Procure Técnico Qualificado
A legalização exige que um arquiteto ou engenheiro devidamente qualificado elabore um relatório técnico demostrando conformidade com a Portaria 243/84. Este é um investimento essencial.
✓ Orce as possíveis obras
Se a vistoria técnica indicar obras de adaptação necessárias (alargamento de portas, demolição de divisórias, melhorias estruturais), obtenha orçamentos de empreiteiros especializados. Compreender o investimento necessário ajuda a tomar decisões informadas.
✓ Não ignore deficiências estruturais
Se o edifício apresenta sinais de fratura, infiltração grave, ou falta de estabilidade, estes problemas devem ser resolvidos antes da legalização. A Câmara Municipal pode recusar a legalização de edifícios que comprometem a segurança pública.

Limitações e situações de impossibilidade
Nem todas as construções clandestinas podem ser legalizadas. A Portaria 243/84 não se aplica a edifícios localizados em áreas protegidas, próximas a linhas de água com risco de inundação, ou em zonas onde as infraestruturas necessárias não existem e são economicamente inviáveis de criar.
Igualmente, edifícios que prejudiquem significativamente o ambiente paisagístico ou que se situem em perimetros de protecção do património arqueológico, histórico ou natural dificilmente podem ser legalizados.
Relevância contemporânea da Portaria
Mais de 40 anos após a sua promulgação, a Portaria 243/84 continua a ser o instrumento legal através do qual milhares de habitações informais em Portugal conseguem regularizar a sua situação. Representa um equilíbrio pragmático entre o rigor técnico-legal e a realidade socioeconómica portuguesa.
Contudo, aplicação desta Portaria varia significativamente entre municípios. Alguns são mais permissivos; outros interpretam os requisitos com maior rigor. Este aspecto reforça a importância de consultar a Câmara Municipal local sobre critérios específicos aplicáveis.
Em poucas palavras
A Portaria 243/84 fornece o quadro legal através do qual construções clandestinas de habitação podem ser reabilitadas e legalizadas em Portugal, mediante o cumprimento de condições mínimas de habitabilidade ajustadas à realidade das edificações pré-existentes. Dimensões reduzidas de compartimentos, pé-direito menor, e número flexível de instalações sanitárias são tolerâncias que tornam viável a reconversão de muitos edifícios informais.
Contudo, a legalização não é automática nem garantida. Exige vistoria técnica rigorosa, conformidade com requisitos de segurança e acesso a infraestruturas essenciais. Edifícios com deficiências estruturais graves, localizados em zonas de risco ou sem possibilidade de ligação a redes de utilidade pública dificilmente são legalizáveis.
Para proprietários de habitações informais, o primeiro passo é contactar a Câmara Municipal competente para compreender se o seu edifício pode ser legalizado e que investimentos seriam necessários. O apoio de técnico qualificado é essencial para navegar este processo complexo.
Clarificar a situação da sua habitação
Proprietários de construções clandestinas enfrentam incerteza relativamente à viabilidade de legalização. Questões como dimensões insuficientes, falta de infraestruturas, ou deficiências estruturais podem impossibilitar o processo.
A AC-Arquitetos oferece avaliação inicial da viabilidade de legalização de habitações informais, com base na Portaria 243/84 e legislação complementar. Elaboramos relatórios técnicos que demonstram conformidade com condições mínimas de habitabilidade e coordenamos todo o procedimento junto da Câmara Municipal. Contacte-nos para compreender se a sua habitação pode ser legalizada e que etapas precisam ser seguidas para regularizar a sua situação legal.



