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Restauração em zona residencial: Viabilidade, condicionantes e procedimentos

  • Foto do escritor: Ana Carolina Santos
    Ana Carolina Santos
  • 6 de out.
  • 6 min de leitura

Em poucas palavras: abrir um restaurante em zona habitacional é possível, mas exige leitura fina do planeamento municipal, cumprimento rigoroso de requisitos técnicos (acústica, fumos, acessibilidade, segurança) e o procedimento camarário adequado — começar por uma boa Informação Prévia e um projeto coordenado reduz tempo, custo e risco.


Café e restaurante em zona habitacional em Cascais
Café e restaurante em zona habitacional em Cascais

1) O ponto de partida: é permitido o uso de restauração no imóvel?


  • Compatibilidade urbanística e de uso:

    • Verificar no PDM/PU/Pormenor e regulamentos municipais se o uso “comércio/serviços — restauração e bebidas” é admissível na rua/quarteirão/edifício.

    • No licenciamento, a Câmara aprecia o “uso proposto” e a sua conformidade com os instrumentos de gestão territorial, servidões e restrições de utilidade pública.

    • Pedidos podem ser indeferidos se o uso violar plano, medidas preventivas, servidões, ou normas legais (incluindo sobre cargas em infraestruturas, património ou impacto urbano).

  • Informação Prévia (facultativa, altamente recomendável):

    • Permite aferir viabilidade e condicionantes antes do investimento em projeto (usos, índices, alinhamentos, infraestruturas, servidões, etc.).

    • Vincula a decisão futura de licenciar se favorável, dentro de prazos e condições definidos.

Exemplo prático: um rés‑do‑chão numa avenida residencial pode aceitar “restauração” se o plano local o permitir para frentes comerciais. Em zona estritamente habitacional “pura”, pode estar vedado ou condicionado a horários e soluções técnicas. A Informação Prévia clarifica esta compatibilidade desde o inicío.



2) Qual o procedimento camarário que se aplica?


Depende da natureza das obras e da alteração de uso:

  • Sem obras estruturais e com uso já autorizado: pode enquadrar-se em comunicação Prévia/simplificado (conforme regulamento municipal).

  • Com alteração de uso (habitação → serviços/restauração) e/ou obras de construção/alteração relevantes: Licenciamento com projeto de arquitetura e especialidades.

  • A Câmara aprecia o projeto de arquitetura quanto a planos, servidões, integrações urbana/paisagística, adequação de infraestruturas e “uso proposto”.

Prazos de decisão típicos (indicativos RJUE):

  • Projeto de arquitetura: 30 dias após receção dos elementos/pareceres.

  • Deliberação final do Licenciamento: 120–200 dias consoante a área e tipologia, com deferimento tácito aplicável.

Conselho: sempre que o programa inclua sistemas de extração, tratamento de efluentes gasosos, aumento de cargas (AVAC, potência elétrica), ou intervenções em chaminés/estruturas, assuma o Licenciamento e planeie as especialidades completas — reduz indeferimentos e pedidos de esclarecimento.



3) Condicionantes técnicas críticas em restauração


Restauração em meio residencial exige controlo rigoroso de impacto sobre vizinhos e espaço público. Os pilares técnicos a resolver no projeto:

  • Emissões e cheiros:

    • Sistema de extração dedicado, com condutas estanques até à descarga em cobertura, filtragem/desodorização adequadas e nível de ruído controlado nas unidades. A Câmara pode indeferir quando a operação imponha sobrecarga incomportável às infraestruturas ou prejudique a salubridade/ambiente urbano.

  • Ruído e vibrações:

    • Escolha e implantação de equipamentos (ventiladores, UTA, câmaras frigoríficas) com isolamento e antivibração, horários e gestão de ruído de esplanadas/descargas. A integração urbana e a estética das fachadas/equipamentos é objeto de apreciação.

  • Segurança e acessibilidade:

    • Cumprir o Decreto‑Lei n.º 163/2006 em edifícios/estabelecimentos que recebem o público: percurso acessível desde a via pública ao interior, vãos de porta, patamares, rampas/ascensores quando necessário, instalações sanitárias acessíveis (dimensionamento, barras, rotações), sinalização, entre outros parâmetros técnicos.

    • Portas com largura útil mínima, zonas de manobra, rampas dentro de inclinações/descansos, corrimãos e soluções de piso sem ressaltos.

    • Lugares de estacionamento acessível e rotas internas quando aplicável (em centros comerciais/condomínios com parque).

  • Infraestruturas:

    • Potência elétrica, abastecimento e esgoto (gorduras), ventilação e renovação de ar. O município pode condicionar ou indeferir se for uma “sobrecarga incomportável” para as redes existentes.

  • Património e azulejos:

    • Em imóveis classificados/em vias ou com fachadas com azulejos, a remoção/demolição é, em regra, recusada salvo justificação e autorização expressa; pareceres de património podem ser vinculativos.

Exemplo prático: num prédio antigo sem conduta técnica, a solução geralmente aceitável é conduta vertical exterior discreta até à cobertura, com tratamento de cheiros e silenciadores; saídas em fachada intermédia são frequentemente inviáveis. Em edifício com valor patrimonial, o desenho da conduta requer parecer específico e integração cuidada.



4) Elementos do projeto que fazem a diferença


  • Arquitetura: layout funcional com zonas “limpas/sujas”, fluxos claros, cumprimento de acessibilidade (larguras, rotações, portas), integração de equipamentos sem conflito com o invólucro e a vizinhança.

  • Especialidades:

    • AVAC/Extração: cálculo de caudais, filtros (gordura/cheiros), perdas de carga, ruído, vibração, posicionamento de ventiladores e descargas.

    • Acústica: medidas passivas (teto/parede), isolamento de equipamentos e condutas, proteção a vizinhos contíguos e superiores.

    • ITED/Elétrica/Segurança: potência, quadros, iluminação de emergência, medidas de autoproteção conforme enquadramento.

    • Águas/ESG: separador de gorduras quando aplicável, coletores, cotas e sifonagens.

  • Peças administrativas:

    • Memória descritiva clara do “uso proposto”, horários, lotação, soluções de mitigação e cumprimento de normas específicas (acessibilidades, higiene e segurança, ruído).

    • Plano de acessibilidades quando exigido (conforme Portaria 1110/2001 referenciada no DL 163/2006).

Conselho: instruir o processo com pareceres prévios voluntários (ruído, AVAC, património) acelera a análise e reduz exigências subsequentes. O RJUE admite consultas prévias a entidades externas, válidas até 2 anos.



5) Procedimento, prazos e decisões


  • Informação Prévia (IP):

    • Recomendável para viabilidade do uso, parâmetros e condicionantes. Decisão em 20–30 dias, podendo ser favorável com condições e vincular, dentro de prazos de início.

  • Licenciamento:

    • Apreciação do projeto de arquitetura quanto a planos, uso, integração e infraestruturas; decisão da arquitetura em 30 dias, depois especialidades em prazo próprio; deliberação final 120–200 dias consoante a área e tipo de obra.

  • Indeferimentos típicos em restauração:

    • Uso incompatível com o plano/servidões.

    • Sobrecarga incomportável para as infraestruturas (rede de esgotos / ruído / estacionamento / logística) sem medidas compensatórias aceites.

    • Impacto patrimonial/estético relevante não mitigado (fachadas, azulejos, volumetria das condutas).

    • Não conformidade com as normas de acessibilidade em estabelecimentos abertos ao público — fundamento para recusa de licenças/autorizações de funcionamento.

  • Reapreciação/condicionamento:

    • Em certos casos, pode haver deferimento condicionado à execução/assunção de encargos mitigadores (ex.: reforço de infraestruturas, soluções técnicas), com contrato e caução.

Exemplo prático de cronograma:

  1. Levantamento técnico e IP com câmara (3–6 semanas).

  2. Projeto arquitetura + especialidades com foco em extração/ruído/acessibilidade (6–10 semanas).

  3. Licenciamento — arquitetura (1 mês) + especialidades (2–3 meses) + decisão final (até 4–6 meses típicos, dependendo do município e área).


Café e restaurante em zona habitacional em Cascais, visto do interior
Café e restaurante em zona habitacional em Cascais, visto do interior

6) Acessibilidade: pontos de verificação para restauração


Checklist da verificação com base no DL 163/2006 para estabelecimentos com atendimento ao público:

  • Percurso acessível desde a via pública e entrada principal, sem ressaltos acima de 2 cm; portas com largura útil adequada e zonas de manobra nos átrios.

  • Corredores/patamares com larguras mínimas, rotações a cada 10 m quando necessário.

  • Rampas com inclinação, descansos e corrimãos conforme desnível; ascensor/plataforma quando a rampa não é viável e há mudança de nível para áreas do público.

  • Instalação sanitária acessível: dimensões da cabina, barras, louças com cotas certas, área de rotação, porta a abrir para fora.

  • Balcão/guiché com segmento a 0,75–0,85 m de altura e aproximação frontal/lateral.

  • Marcas visuais em portas/vidros; força de operação de portas; dispositivos de comando em alturas acessíveis.

Conselho: tratar a acessibilidade na fase de layout evita retrabalhos e indeferimentos. O município deve recusar licenças/autorização de funcionamento quando não se cumpram as normas técnicas aplicáveis.



7) Boas práticas para a aprovação


  • Estudo de enquadramento urbanístico antes de arrendar/comprar.

  • Informação Prévia para “trancar” a aprovação do uso e condicionantes.

  • Projeto coordenado: arquitetura, AVAC/extração, acústica e acessibilidades desde o início.

  • Projeto robusto com memórias, mapas de ruído, cortes de condutas, detalhes de chaminé, pontos de descarga e fichas técnicas de equipamentos.

  • Gestão de riscos patrimoniais e de fachada: soluções discretas e documentadas.

  • Planeamento de obra com fases compatíveis com o RJUE e licenças de obra/ocupação de via pública quando aplicável.

Alerta: a ausência do plano de acessibilidades onde exigível, e soluções de extração “improvisadas” em fachada, são causas frequentes de suspensão/indeferimento e conflitos com a vizinhança.



8) Como a AC‑Arquitetos pode ajudar


  • Viabilidade e estratégia: leitura de plano municipal, diligência prévia do imóvel e Informação Prévia com objetivos claros.

  • Projeto completo e coordenado: arquitetura, AVAC/extração, acústica, acessibilidades e restantes especialidades com foco na aprovação célere.

  • Gestão de procedimento: articulação com entidades, resposta a pedidos de esclarecimento, condicionantes, contratos/cauções quando aplicável.

  • Acompanhamento da obra e da conformidade: garantir que a execução corresponde ao aprovado e que o estabelecimento cumpre as normas para a aquisição das licenças de funcionamento.



Resumindo


Abrir um restaurante em zona habitacional é viável se: o uso for compatível no plano; o projeto resolver emissões, ruído, acessibilidade e integração urbana; e o procedimento correto for seguido com elementos sólidos. Investir em Informação Prévia e num projeto coordenado reduz indeferimentos, poupa tempo e evita custos desnecessários.



Para refletir


Planeamento primeiro, projeto técnico depois, procedimento correto sempre — esta sequência é o caminho mais simples entre a ideia e a porta aberta do seu restaurante.

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