Conformidade com o Regulamento Geral do Ruído: Uma necessidade técnica e legal
- Ana Carolina Santos

- 19 de out.
- 5 min de leitura
Quando se planeia construir, ampliar ou alterar um edifício ou executar um loteamento em Portugal, surge frequentemente a necessidade de apresentar um Estudo que Ateste a Conformidade com o Regulamento Geral do Ruído (RGR). Este documento técnico tornou-se um elemento instrutório obrigatório em diversos procedimentos urbanísticos, garantindo que o ambiente sonoro das nossas cidades e territórios seja salvaguardado e que a qualidade de vida das populações não seja comprometida.

O que é um Estudo que ateste a conformidade com o Regulamento Geral do Ruído?
Este estudo é um documento técnico especializado que tem como objetivo fundamental atestar que uma determinada operação urbanística cumpre os requisitos legais estabelecidos no Regulamento Geral do Ruído (RGR), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2007.
Não se trata de um simples termo de responsabilidade, nem de uma declaração genérica. É uma análise técnica fundamentada, elaborada por técnicos qualificados na área da acústica, que avalia se a operação urbanística proposta respeita os valores limite de exposição ao ruído e os critérios de incomodidade estabelecidos pela legislação.
Quando é exigido?
A apresentação deste estudo é obrigatória em diversas situações, designadamente:
Operações de loteamento urbano
Obras de urbanização em área não abrangida por loteamento
Obras de edificação (construção, ampliação, reconstrução ou alteração) que possam ter impacto sonoro
Alteração de utilização de edifícios
Sempre que a operação urbanística possa criar novos recetores sensíveis (habitações, escolas, hospitais) ou novas fontes de ruído
A exigência deste estudo está atualmente prevista na Portaria n.º 71-A/2024, que estabelece os elementos instrutórios dos procedimentos no âmbito do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE).
Qual a diferença entre atestar e demonstrar?
É importante distinguir entre dois tipos de documentos acústicos:
Estudo que Ateste a Conformidade (EAC-RGR): Baseia-se na análise de informação técnica já disponível (Plano Diretor Municipal, Classificação Acústica de Zonas, Mapas de Ruído existentes) para concluir sobre a conformidade da operação urbanística. É um estudo analítico que se apoia em dados existentes.
Estudo Demonstrativo de Conformidade (EDC-RGR): Exige medições acústicas in situ, cálculos previsionais, modelações computacionais e, eventualmente, ensaios laboratoriais. É mais complexo e detalhado, sendo normalmente exigido em fases posteriores do licenciamento.
O que deve conter um Estudo de Conformidade com o RGR?
Um estudo adequado deve incluir, entre outros elementos:
Caracterização da localização da operação urbanística e enquadramento regulamentar
Identificação da classificação acústica da zona (zona sensível, zona mista ou zona não classificada)
Identificação das fontes de ruído existentes na envolvente (tráfego rodoviário, ferroviário, estabelecimentos comerciais ou industriais)
Identificação das fontes de ruído a criar pela operação urbanística (equipamentos, acessos, tráfego gerado)
Identificação dos recetores sensíveis existentes e a criar
Avaliação da conformidade face aos requisitos do RGR, designadamente:
Critério de Exposição Máxima (valores limite de Lden e Ln definidos no artigo 11.º do RGR)
Critério de Incomodidade (diferencial entre o ruído ambiente e o ruído residual, conforme Anexo I do RGR)
Conclusões sobre a conformidade da operação urbanística
Recomendações e condicionantes a observar em fases posteriores, nomeadamente no projeto de condicionamento acústico
A importância da Classificação Acústica das Zonas
O RGR estabelece que os municípios devem classificar o seu território em zonas sensíveis (destinadas a habitação, escolas, hospitais ou espaços de lazer) e zonas mistas (outras ocupações). Esta classificação é fundamental porque determina os valores limite de ruído aplicáveis a cada local.
O estudo deve identificar claramente a classificação acústica da zona onde se insere a operação urbanística e verificar se os níveis sonoros previstos respeitam os limites legais estabelecidos para essa classificação.
Quem pode elaborar este estudo?
A elaboração de estudos de conformidade com o RGR deve ser realizada por técnicos especializados em acústica, geralmente engenheiros com formação específica nesta área. Quando são necessárias medições acústicas, estas devem ser realizadas por entidades acreditadas pelo Instituto Português de Acreditação (IPAC).
Os técnicos devem ter conhecimento aprofundado da legislação aplicável, das normas técnicas de medição de ruído (NP ISO 1996) e dominar ferramentas de modelação acústica quando necessário.
Relação com o RJUE e o processo de Licenciamento
No contexto do licenciamento urbanístico, este estudo integra o processo de controlo prévio das operações urbanísticas. As Câmaras Municipais devem indeferir os pedidos de licença ou autorização quando os projetos não cumpram os requisitos do RGR.
O estudo pode ser exigido em diferentes fases do procedimento:
Informação prévia - versão simplificada, sem modelação previsional detalhada
Licenciamento ou comunicação prévia - estudo completo, que pode exigir cálculos e modelações
Autorização de utilização - ensaios acústicos e verificação do cumprimento das condições estabelecidas
Exemplos práticos de aplicação
Caso 1: Novo edifício habitacional junto a via rodoviária: Num projeto de construção de um edifício residencial próximo de uma estrada com tráfego intenso, o estudo deve verificar se os níveis de ruído provenientes do tráfego respeitam os valores limite para zona sensível e, caso não respeitem, estabelecer condicionantes para o projeto de condicionamento acústico (fachadas com isolamento reforçado, por exemplo).
Caso 2: Loteamento em zona rural: Num loteamento destinado a habitação unifamiliar, o estudo deve verificar a conformidade com o RGR, identificando eventuais fontes de ruído na envolvente (explorações agrícolas, vias de comunicação) e assegurando que os futuros recetores sensíveis não ficam expostos a níveis excessivos de ruído.
Caso 3: Ampliação de estabelecimento comercial: Numa ampliação de um supermercado, o estudo deve avaliar o impacto acústico do aumento de tráfego de acesso, das operações de carga e descarga e dos equipamentos técnicos (grupos de frio, exaustores), garantindo o cumprimento dos critérios de incomodidade nos recetores sensíveis vizinhos.
Valores limite de Ruído Ambiente
O RGR estabelece valores limite de exposição ao ruído ambiente que dependem da classificação da zona:
Zonas sensíveis ou mistas próximas de grandes infraestruturas de transporte:
Lden ≤ 65 dB(A)
Ln ≤ 55 dB(A)
Zonas sensíveis:
Lden ≤v 55 dB(A)
Ln ≤ 45 dB(A)
Zonas mistas:
Lden ≤ 65 dB(A)
Ln ≤ 55 dB(A)
Onde Lden é o indicador de ruído diurno-entardecer-noturno e Ln é o indicador de ruído noturno.
Consequências do incumprimento
O não cumprimento dos requisitos do RGR tem consequências jurídicas importantes. As Câmaras Municipais devem indeferir pedidos de licenciamento ou autorização que não respeitem o RGR. Adicionalmente, a violação das normas do RGR constitui contraordenação ambiental, punível com coima.
Por outro lado, obras executadas sem o necessário estudo ou em desconformidade com o RGR podem ser embargadas ou sujeitas a obras de correção posteriores, com custos acrescidos significativos para os promotores.
Conselhos para Promotores e Proprietários
Consulte antecipadamente a Câmara Municipal para confirmar se o estudo é exigível na sua operação urbanística
Contrate técnicos especializados em acústica ambiental, preferencialmente com experiência em estudos de conformidade com o RGR
Analise o Plano Diretor Municipal e a eventual classificação acústica da zona onde se insere o seu projeto
Antecipe a necessidade de medidas de mitigação acústica no projeto de arquitetura e especialidades
Não subvalorize a importância deste estudo - pode determinar a viabilidade ou inviabilidade do seu projeto
Para refletir
O Estudo de Conformidade com o Regulamento Geral do Ruído não é um mero documento burocrático. Representa um compromisso com a qualidade do ambiente urbano e com o bem-estar das populações. Num país cada vez mais densamente construído, onde o ruído é uma das principais causas de queixa ambiental, assegurar que cada nova intervenção urbanística respeita os limites legais de exposição ao ruído é uma responsabilidade coletiva.
O planeamento acústico adequado desde a fase inicial do projeto evita conflitos futuros, valoriza os empreendimentos e garante que o direito ao sossego e à saúde – consagrado na Constituição da República – é efetivamente respeitado.



