Fiscalização Municipal de Obras: o que acontece quando a Câmara entra em cena?
- Ana Carolina Santos
- 31 de jul.
- 3 min de leitura
Quando se inicia uma obra – quer se trate da remodelação de um T2, da construção de uma moradia ou de um prédio de serviços – não basta ter o projecto aprovado. A qualquer momento, a Câmara Municipal pode bater-lhe à porta (ou ao estaleiro) para confirmar se tudo está a correr dentro da lei. Perceber como funciona esta fiscalização evita sobressaltos, atrasos e coimas.

Por que razão as Câmaras fiscalizam?
Proteger a segurança de pessoas e bens
Assegurar o cumprimento do projecto licenciado ou comunicado
Verificar a conformidade com o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) e demais regulamentação (RGEU, regras de acessibilidade, acústica, incêndio, etc.)
Garantir que quem constrói cumpre os deveres de conservação e manutenção do edificado
Quem fiscaliza?
O Presidente da Câmara (ou vereador com delegação) exerce o poder de fiscalização (Art. 94.º RJUE).
Os fiscais municipais – técnicos do departamento de urbanismo ou empresas externas contratadas pela autarquia.
Podem ser acompanhados por forças de segurança ou protecção civil sempre que necessário.
Quando podem entrar na obra?
A qualquer momento, sem aviso prévio, desde que se trate de local não habitacional;
Em domicílio (por ex., moradia habitada) só com consentimento ou mandado judicial;
Devem respeitar o princípio da proporcionalidade: entrada pelo tempo estritamente necessário e apenas nas áreas relevantes.
Principais documentos que o fiscal verifica
Início dos trabalhos comunicado (Art. 80.º-A)
Recibo de licenciamento ou comprovativo de comunicação prévia (Art. 74.º)
Projecto aprovado em estaleiro
Livro de obra – obrigatoriamente no local, com registo actualizado de datas, paragens e alterações (Art. 97.º)
Termo de responsabilidade dos técnicos (Art. 10.º)
Planos de segurança, fichas de resíduos, etc., conforme a natureza da obra
O que o fiscal avalia no terreno?
Implantação, cércea, volumetria e afastamentos face ao projecto;
Qualidade dos materiais e métodos construtivos;
Condições de acessibilidade, segurança e salubridade;
Gestão de resíduos e impacto no espaço público;
Ocorrência de alterações não comunicadas.
Medidas cautelares da Câmara
Medida | Quando se aplica | Consequências práticas |
Embargo (Art. 102.º-B) | Obra sem licença/comunicação prévia, fora do projecto ou violando normas técnicas | Ordem de suspensão imediata. Auto de embargo lavrado no local. Proibição de prosseguir trabalhos. Possível selagem do estaleiro. |
Trabalhos de correcção/alteração (Art. 105.º) | Inconformidades que possam ser sanadas | Intimação para corrigir no prazo fixado. Se não cumprir, pode voltar ao embargo. |
Demolição ou reposição do terreno (Art. 106.º) | Obra ilegal insusceptível de legalização | Ordem de demolição total ou parcial. Se não cumprir, a Câmara executa coercivamente por conta do infractor. |
Posse administrativa (Art. 107.º) | Incumprimento reiterado de qualquer medida anterior | A Câmara assume controlo do imóvel para executar trabalhos ou demolições. |
Contra-ordenações e coimas (Art. 98.º RJUE)
Obra sem título válido – até 450 000 € (pessoa colectiva)
Obra em desconformidade – até 250 000 €
Prosseguir obra embargada – até 450 000 €
Falta de livro de obra – até 10 000 €
Inexistência de aviso público da licença – até 45 000 €
Além da coima, a Câmara pode aplicar sanções acessórias: encerramento do estaleiro, inabilitação para licitar obras públicas ou perder benefícios fiscais.
Responsabilidades dos intervenientes
Dono da obra – garante que existe licença/comunicação válida e cumpre as ordens camarárias.
Director(a) de obra e técnicos autores de projecto – respondem civil, disciplinar e contra-ordenacionalmente por falsas declarações ou execução fora do projecto.
Empreiteiro – deve possuir alvará adequado, cumprir segurança no trabalho e respeitar os elementos do processo.
Funcionários públicos – a omissão de denúncia ou informação falsa gera responsabilidade disciplinar (Art. 101.º).

Conselhos práticos para evitar problemas
Trate do título urbanístico antes de mexer um grama de terra.
Tenha sempre prova do pagamento de taxas e comprovativo de comunicação prévia no estaleiro.
Mantenha o livro de obra actualizado; registe logo qualquer paragem ou alteração.
Se precisar de adaptar o projecto, informe-se se basta comunicar ou se carece de alteração à licença.
Respeite horários de trabalho e boa gestão de resíduos – a fiscalização olha para tudo.
Guarde o contacto do director de obra no local; é a primeira pessoa que o fiscal procura.
Não ignore notificações. Embargos e coimas escalam rapidamente.
Após a conclusão, certifique-se de que solicita a autorização de utilização (quando necessária).
Para considerar
A fiscalização municipal não é um obstáculo burocrático, mas um mecanismo que protege a segurança colectiva e valoriza o investimento imobiliário. Cumprir os requisitos legais desde o primeiro esboço até à recepção da obra significa menos sobressaltos, menos custos inesperados e uma utilização tranquila do edifício no futuro.