Quando a Câmara assume as rédeas: Intervenções coercivas em edifícios
- Ana Carolina Santos

- 29 de jul.
- 3 min de leitura
Manter um edifício seguro e habitável não é só boa prática — é um dever legal. Quando o proprietário ignora esse dever, a Câmara Municipal pode avançar com obras coercivas, intervindo diretamente na construção e cobrando depois as despesas. Saber como e quando isto acontece evita surpresas (e coimas) desagradáveis.
A Câmara só executa obras coercivas depois de notificar, dar prazos e garantir defesa do proprietário — mas avança mesmo se a segurança pública estiver em causa.

1. Dever de conservação: o ponto de partida
Antes de falar em coerção, importa lembrar que o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) impõe aos proprietários:
Se o proprietário não cumpre, a Câmara pode determinar obras necessárias com prazo definido (Art. 90.º-A).
2. Quando entram em cena as obras coercivas (Art. 91.º RJUE)
A Câmara passa da notificação à ação quando se verificam simultaneamente:
Incumprimento das ordens de reparação dentro do prazo.
Perigo real para habitantes, vizinhos ou via pública, ou risco de ruína.
Nestas condições a autarquia:
Toma posse administrativa do imóvel.
Contrata as obras indispensáveis.
Fatura todas as despesas ao proprietário (custos, projeto, IVA, segurança, taxa de ocupação de via, etc.).
Linha de tempo típica
Etapa | Prazo indicativo | Acontece o quê? |
Notificação com ordem de reparação | 30-90 dias | Proprietário apresenta projeto e executa obra |
Incumprimento do prazo | — | Câmara decreta obras coercivas |
Posse administrativa | ~15 dias | Auto de posse, selagem do estaleiro |
Execução da obra | Variável | Câmara contrata empreiteiro |
Cobrança da dívida | 20 dias após notificação da conta | Execução fiscal ou arrendamento forçado |
3. Medidas acessórias
Embargo imediato se houver obra ilegal em curso (Art. 102.º-B).
Despejo administrativo de ocupantes quando a segurança o exige (Art. 92.º).
Arrendamento forçado: se o dono não pagar, o município pode arrendar o imóvel para recuperar o investimento (Art. 108.º-B).
4. Custos e sanções
Coimas até 44 891,81 € por incumprimento grave.
Juros de mora sobre todas as despesas municipais.
Registo do ônus na conservatória até à liquidação total.
5. Como evitar chegar aqui
Faça inspeções periódicas — não espere pela vistoria camarária.
Responda dentro do prazo sempre que receber notificação.
Contrate técnicos habilitados para diagnóstico e projeto.
Guarde toda a documentação (relatórios, fotografias, orçamentos).
Planeie o financiamento: linhas de crédito e benefícios fiscais podem amortizar o investimento.

Exemplo prático
Prédio centenário no centro histórico: fissuras na fachada e infiltrações.
Câmara notifica o condomínio para consolidar a alvenaria e repor reboco.
Condomínio discute, mas não decide; prazo expira.
Município entra em posse administrativa, executa consolidação estrutural e pintura.
Despesa: 120 000 €. Auto executado em processo fiscal; quotas de condóminos penhoradas.
Para considerar
Ignorar uma ordem de reparação não adia o problema — multiplica-o. Obras coercivas significam perder controlo sobre o projeto, pagar mais e ainda enfrentar sanções. Antecipe-se: avalie regularmente o estado do edifício, planeie intervenções e cumpra os prazos legais. A segurança dos ocupantes, a valorização patrimonial e a tranquilidade jurídica agradecem.
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