Despejo administrativo em Portugal: Causas, procedimentos e implicações práticas
- Ana Carolina Santos

- 14 de ago.
- 4 min de leitura
O tema do despejo administrativo ocupa um lugar de destaque no atual panorama urbanístico português, sendo especialmente relevante para proprietários, arrendatários, técnicos e, de forma geral, todos os que têm interesse na área do imobiliário, reabilitação urbana e legislação aplicável à habitação. Este post esclarece, de forma rigorosa e pragmática, as razões e mecanismos que podem levar ao despejo administrativo, referindo os principais passos que compõem este procedimento e as implicações para os diferentes intervenientes.

O que é o despejo administrativo?
O despejo administrativo surge como uma medida legal à disposição das Câmaras Municipais para garantir a correta execução de obras, conservação e segurança dos edifícios. Trata-se de uma ferramenta importante para solucionar situações em que a permanência de ocupantes impede ou inviabiliza trabalhos legalmente determinados, designadamente ao abrigo do regime jurídico da urbanização e edificação (RJUE). Esta medida é também aplicável em situações limites de risco para a segurança, salubridade pública ou em casos de obras coercivas determinadas pelo município.
O despejo administrativo é um instrumento legal que visa salvaguardar o interesse público e a segurança urbana, permitindo às autarquias intervirem diretamente quando ocupantes impedem a execução de obras essenciais.
Motivos que podem originar um despejo administrativo
São vários os cenários que podem desencadear um despejo determinado pela Câmara Municipal, designadamente:
Necessidade de realização de obras de conservação, reabilitação ou beneficiação exigidas por motivos de salubridade, segurança ou estabilidade do edifício.
Situações de perigo iminente de desmoronamento ou de risco grave para a saúde pública.
Obras coercivas ordenadas pelo município, não executadas pelo proprietário no prazo devido.
Intervenções impostas por planos de urbanização, reabilitação urbana ou operações similares.
É importante realçar que o despejo administrativo configura uma solução de último recurso, sendo antecedido por notificações e oportunidades de regularização voluntária.
Procedimentos do despejo administrativo: etapas essenciais
Apresentamos, de forma sintética, o percurso prático de um despejo administrativo ao abrigo do RJUE:
Identificação da necessidade e decisão camarária
Após a deteção de más condições no edifício (salubridade, solidez ou risco de incêndio), a Câmara determina, geralmente após uma vistoria, a realização das obras, notificando o proprietário.
Se houver ocupantes cujo afastamento é considerado necessário à execução das obras determinadas, é deliberado o despejo administrativo.
Notificação do(s) ocupante(s)
É efetuada a notificação formal dos ocupantes (proprietários, arrendatários, comodatários, entre outros), especificando o prazo para desocupação (até 45 dias).
Em casos de perigo iminente, o despejo pode dar-se imediatamente, para salvaguardar pessoas e bens.
Execução do despejo
Na ausência de desocupação voluntária dentro do prazo, a Câmara Municipal pode proceder, com apoio policial se necessário, à entrada no imóvel e à retirada dos ocupantes, garantindo sempre o respeito pelos direitos fundamentais.
Execução das obras
Após a desocupação, a Câmara dá início às obras de beneficiação, conservação, segurança ou demolição (quando aplicável).
Finda a intervenção, é restituída a posse do imóvel ao respetivo proprietário, salvo exceções em que estejam em causa outras medidas, como arrendamento forçado.
Direitos dos arrendatários
Os contratos de arrendamento são respeitados, mas a urgência de intervenção pode, temporariamente, suspender a sua execução.
Os ocupantes têm direito ao regresso ou a garantias de realojamento nos termos legais, em função do tipo de obra e natureza da intervenção.
Etapas do processo de despejo administrativo
Fase | Descrição | Prazo/Observações |
Deliberação camarária | Decisão formal identificando obra a realizar e necessidade de despejo | Após vistoria e decisão da Câmara |
Notificação | Informação aos ocupantes com prazo para desocupar | Até 45 dias (salvo perigo iminente) |
Execução do despejo | Retirada coerciva dos ocupantes, caso não haja desocupação voluntária | Acompanhado por autoridades |
Execução das obras | Início dos trabalhos determinados | Consoante natureza e urgência |
Restituição da posse | Devolução do imóvel ao proprietário ou aplicação de medidas acessórias (se aplicável) | Após conclusão das obras |
Importância e consequências do despejo administrativo
O despejo administrativo representa uma medida de exceção, que visa sempre garantir o interesse coletivo, a segurança urbana e o cumprimento das exigências legais em matéria de edificação e habitação. Na maioria dos casos, é fruto de situações de incumprimento reiterado por parte dos proprietários ou ocupantes, podendo originar consequências como:
Realojamento temporário dos ocupantes, sempre que legalmente aplicável.
Responsabilização financeira do proprietário pelas despesas com as obras, despejo e eventual realojamento.
Possibilidade de aplicação de arrendamento forçado do imóvel, caso as quantias devidas ao município não sejam regularizadas nos prazos legais.
Inscrição de ónus e privilégios sobre o imóvel para ressarcimento das despesas realizadas pela autarquia.

Conselhos úteis para proprietários e ocupantes
Aja pró-ativamente: Procure manter a sua propriedade em conformidade com as condições de segurança e salubridade exigidas.
Responda sempre às notificações da Câmara Municipal, apresentando documentação ou requerendo prazo para realização das obras, sempre que necessário.
Em caso de dúvida, consulte sempre um profissional habilitado, arquiteto ou técnico, para avaliar as condições do imóvel e propor soluções adequadas.
Em situações de risco iminente, a colaboração rápida com as autoridades pode evitar sanções agravadas e custos adicionais.
Se for ocupante não proprietário, conheça os seus direitos relativos ao arrendamento e realojamento, em caso de despejo administrativo.
Exemplo prático
Imagine um edifício habitacional antigo, ocupado por vários inquilinos, que apresenta sinais evidentes de degradação estrutural com risco de colapso de partes da fachada. A Câmara Municipal determina, após vistoria, a realização de obras urgentes, mas os ocupantes recusam colaborar por receio de perda do imóvel. Após notificação sem resposta, é deliberado o despejo administrativo, sendo realojados os inquilinos conforme a lei, dando-se início de imediato às obras de consolidação, evitando assim um risco maior para a segurança pública.
Para considerar
O despejo administrativo não é, de forma alguma, uma medida punitiva gratuita, mas sim uma resposta legal e necessariamente ponderada a cenários onde o incumprimento dos deveres de conservação coloca em risco a segurança, a salubridade e a dignidade habitacional, bem como o interesse coletivo urbano. É fundamental que proprietários e ocupantes cumpram os seus deveres legais e colaborem com as entidades municipais, prevenindo situações de última instância como esta.



