Posse Administrativa de Imóveis: Quando é que a Câmara pode “tomar conta” da seu imóvel?
- Ana Carolina Santos
- 4 de ago.
- 3 min de leitura
Não acontece todos os dias, mas pode acontecer. A lei portuguesa prevê cenários em que a Câmara Municipal assume temporariamente a posse de um imóvel privado para executar obras que o proprietário não fez – é a chamada posse administrativa. Se gere património, é comprador de imóveis ou simplesmente quer saber até onde vai o braço da autarquia, este post explica-lhe, de forma clara e sem juridiquês, quando, como e porquê pode surgir esta figura excepcional.

O que é a posse administrativa?
É o acto pelo qual o Município entra na posse (não na propriedade) do prédio para:
Executar coercivamente ordens de embargo, demolição ou correção de obras ilegais;
Realizar obras necessárias à segurança, salubridade ou execução de loteamentos/urbanizações;
Recuperar custos depois, através da cobrança ao infractor ou por arrendamento forçado do imóvel.
Base legal principal: artigo 107.º do RJUE (Regime Jurídico da Urbanização e Edificação).
Quando pode ser aplicada?
A Câmara só avança depois de medidas prévias falhadas. Eis os “gatilhos” principais:
Incumprimento de ordens – o proprietário desobedece a embargo, demolição ou obras de correção intimadas.
Obra parada – trabalhos suspensos ou abandonados por mais de 6 meses.
Risco para pessoas ou bens – edifício em ruína ou perigosamente insalubre.
Protecção do interesse público – salvaguarda de património, meio ambiente ou direito de terceiros (ex. compradores de lotes).
Só depois de notificação formal e esgotado o prazo concedido é que a autarquia delibera a posse administrativa.
Passo a passo: como decorre?
Deliberação camarária – identifica a infração e aprova a posse.
Notificação do dono da obra e restantes titulares de direitos reais (registada ou por edital).
Auto de posse – técnicos municipais lavram o auto, descrevem estado do imóvel e selam estaleiro/equipamentos.
Execução das obras – a Câmara realiza ou contrata os trabalhos necessários.
Encerramento – concluídas as obras ou pagos os custos, a posse extingue-se automaticamente.
Dica prática: Guarde sempre a prova de comunicações e cumpra prazos. A falta de resposta pode ser lida como desinteresse e acelerar o processo.
Quem paga a conta?
Responsável directo: o infractor. Recebe nota de despesas (art. 108.º RJUE) – obras, fiscalização, realojamentos, etc.
Não paga? A Câmara cobra em execução fiscal ou recorre ao arrendamento forçado (art. 108.º-B). As rendas servem para ressarcir o erário público até à liquidação total.
Arrendamento forçado: o plano B
Quando a cobrança falha, o Município pode:
Tomar posse para arrendar o imóvel por tempo limitado.
Celebrar contrato com inquilinos, fixando renda mínima (≥ 80% dos valores medianos do INE).
Encerrar o processo logo que as rendas cubram os custos.
Isto evita carregos fiscais longos e previne o abandono degradante de património.
Garantias do proprietário
Apesar de dura, a posse administrativa segue regras de proporcionalidade e direito de defesa:
Audiência prévia antes da deliberação.
Possibilidade de recorrer para tribunal administrativo.
Limite temporal – só dura o estritamente necessário à obra.
Direito de indemnização se ficar provado abuso de poder.

Boas práticas para evitar surpresas
Licencie bem, construa melhor – projetos aprovados, termos de responsabilidade entregues.
Registe tudo em livro de obra e mantenha contactos actualizados com a Câmara.
Se precisar de suspender trabalhos, peça prorrogação fundamentada.
Em caso de intimação, responda e inicie as obras nos prazos dados.
Consulte técnicos legalmente habilitados para garantir conformidade.
Resumo
Posse administrativa = Câmara executa obras no seu imóvel, mas a propriedade mantém-se sua.
Dispara quando há incumprimento grave das ordens municipais ou perigo público.
Envolve auto de posse, execução de trabalhos, cobrança de custos ou arrendamento forçado.
Proprietário tem garantias processuais e pode impugnar decisões.
Cumprir licenças, prazos e comunicar com a autarquia evita chegar a este ponto.
Para considerar
A posse administrativa é medida extrema, pensada para proteger a comunidade quando o privado falha. Se gere obras ou imóveis, veja-a como último aviso para agir antes que o controlo lhe escape. Manter a legalidade em dia não é só evitar coimas: é garantir a segurança das pessoas, a valorização do seu património e a boa imagem do seu investimento.