Parcela Acessível - Um conceito fundamental para a Inclusão
- Ana Carolina Santos
- há 4 dias
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A parcela acessível é um conceito técnico e normativo essencial no âmbito das acessibilidades em Portugal, que desempenha um papel crucial na promoção da inclusão de pessoas com mobilidade condicionada em edifícios habitacionais.

O que é uma Parcela Acessível?
Segundo a Portaria n.º 301/2019, de 12 de setembro, uma parcela acessível é definida como "a parte do edifício ou da habitação constituída pelos percursos de acesso e pelos compartimentos essenciais à acessibilidade".
Esta definição emerge no contexto do quadro normativo estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 163/2006, de 8 de agosto, que define as condições de acessibilidade para espaços públicos, equipamentos coletivos e edifícios habitacionais.
Enquadramento legal e normativo
O conceito de parcela acessível integra-se no sistema normativo português de acessibilidades, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 163/2006, que visa garantir que as pessoas com mobilidade condicionada - incluindo pessoas em cadeiras de rodas, com dificuldades de locomoção, dificuldades sensoriais, idosos, grávidas e crianças - possam aceder e utilizar os espaços de forma autónoma e segura.
Aplicação em intervenções de Reabilitação
O conceito ganha particular relevância nas intervenções de reabilitação de edifícios habitacionais existentes, onde se classifica os projetos em três níveis de intervenção :
Intervenções Médias (N2):
Aplicam-se a toda a habitação
Requerem uma parcela acessível que inclui: uma cozinha, uma instalação sanitária e, se a tipologia for T3 ou superior, um quarto e uma sala
Intervenções Profundas (N3):
Aplicam-se ao edifício e logradouros
Requerem uma parcela acessível que inclui: uma cozinha, uma instalação sanitária, uma sala e, se a tipologia for T3 ou superior, um quarto
Importância para a Inclusão
A parcela acessível representa uma abordagem pragmática e economicamente viável para promover a acessibilidade em edifícios existentes. Em vez de exigir a adaptação completa de todas as áreas da habitação, permite focar os recursos nos espaços essenciais, garantindo que as pessoas com mobilidade condicionada tenham:
Acesso autónomo aos compartimentos fundamentais para a vida quotidiana
Condições de segurança na circulação dentro da habitação
Dignidade na utilização dos espaços habitacionais
Integração social através da eliminação de barreiras arquitetónicas
Benefícios práticos
Para os Utilizadores:
Melhoria significativa da qualidade de vida
Maior autonomia no dia-a-dia
Redução da dependência de terceiros
Prevenção de acidentes domésticos
Para a Sociedade:
Uso racional dos recursos públicos
Viabilização económica de projetos de acessibilidade
Incremento do parque habitacional acessível
Promoção da coesão social
Exemplos práticos de aplicação
Caso prático 1: Apartamento T2
Numa intervenção média num apartamento T2, a parcela acessível incluiria:
Percurso de acesso desde a entrada até aos compartimentos essenciais
Uma cozinha com bancadas acessíveis e espaços de manobra adequados
Uma instalação sanitária equipada com barras de apoio e equipamentos adaptados
Caso prático 2: Moradia T4
Numa intervenção profunda numa moradia T4, a parcela acessível abrangeria:
Percursos horizontais e verticais (incluindo soluções para vencer desníveis)
Uma cozinha, uma sala e um quarto totalmente acessíveis
Uma instalação sanitária com todas as adaptações necessárias
Acesso ao estacionamento e espaços exteriores

Normas Técnicas de Referência
A implementação de parcelas acessíveis deve seguir as Normas Técnicas para a melhoria da acessibilidade das pessoas com mobilidade condicionada previstas no anexo do Decreto-Lei n.º 163/2006 , que estabelecem parâmetros específicos para:
Largura mínima de passagens (1,20m em percursos principais)
Dimensões de zonas de manobra para cadeiras de rodas
Inclinação máxima de rampas (6% em situações ideais)
Alturas de comando e dispositivos de utilização
Características de pavimentos antiderrapantes e estáveis
Uma parcela acessível bem projetada transforma não apenas um espaço físico, mas a experiência de vida de uma pessoa com mobilidade condicionada, devolvendo-lhe autonomia e dignidade.
Implementação e Desafios
Aspetos Técnicos relevantes
A criação de parcelas acessíveis exige análise cuidadosa de aspetos como:
Configuração espacial existente
Viabilidade técnica das adaptações
Integração harmoniosa das soluções
Custos proporcionais ao benefício obtido
Flexibilidade Normativa
A legislação reconhece que nem sempre é possível aplicar integralmente as normas técnicas, prevendo medidas de mitigação que, mesmo não atingindo o mesmo nível de desempenho das normas completas, assegurem melhorias significativas nas condições de acessibilidade.
Programas de Apoio
Portugal dispõe de diversos programas de financiamento para a implementação de parcelas acessíveis, como o programa "Acessibilidades 360º", com dotação de 45 milhões de euros, que visa intervenções em habitações privadas para aumentar a acessibilidade.
Programas municipais, como o "NiveLar" do Município do Porto, disponibilizam apoios financeiros até 7.500€ por beneficiário para intervenções de melhoramento de acessibilidades.
Para refletir
A parcela acessível representa mais do que uma solução técnica - é um instrumento de justiça social que reconhece o direito de todas as pessoas a uma habitação digna e adequada às suas necessidades. Ao focar nos espaços essenciais, este conceito permite operacionalizar o princípio constitucional da igualdade, tornando a inclusão uma realidade tangível no quotidiano de milhares de famílias portuguesas.
A implementação eficaz de parcelas acessíveis exige não apenas conhecimento técnico, mas também sensibilidade para compreender as necessidades específicas de cada situação. Cada projeto é único e deve ser pensado em função da pessoa que irá beneficiar dessas melhorias.