Reconstituição de processos para Legalização de Construções Históricas: Procedimentos e desafios
- Ana Carolina Santos

- 24 de set.
- 4 min de leitura
Quando um imóvel carece de documentação que comprove a sua legalidade, deparamo-nos com um dos desafios mais complexos do urbanismo português. A reconstituição de processos históricos para a legalização de obras antigas exige não apenas conhecimento técnico, mas também uma compreensão profunda das especificidades legislativas que foram aplicáveis em cada época.

Enquadramento legal das Obras Históricas
O Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) estabelece no seu artigo 102.º-A um procedimento específico para a legalização de operações urbanísticas realizadas sem os necessários títulos habilitantes. Este mecanismo surge como resposta às inúmeras situações de construções que, embora executadas há várias décadas, carecem de documentação formal que comprove a sua conformidade legal.
Obras protegidas pelo Direito Anterior
O conceito de proteção do existente, consagrado no artigo 60.º do RJUE, estabelece que as edificações construídas ao abrigo do direito anterior não são afetadas por normas legais e regulamentares supervenientes. Esta disposição fundamental garante que as construções realizadas em conformidade com a legislação vigente à data da sua execução mantêm a sua legitimidade.
Elementos essenciais para a Reconstituição
Documentação Histórica
Plantas de localização originais
Fotografias aéreas antigas
Registos camarários históricos
Certidões de património predial
Títulos de propriedade anteriores
Plantas de arquitetura da época
Elementos Técnicos específicos
Para efeitos de legalização, o RJUE dispensa a apresentação de vários elementos quando não existam obras de ampliação ou alteração, nomeadamente:
Calendarização da execução da obra
Estimativa do custo total da obra
Documento comprovativo da prestação de caução
Apólice de seguro de construção
Plano de segurança e saúde
Condições especiais para Construções Antigas
A Portaria n.º 243/84 estabelece condições mínimas específicas para edifícios clandestinos de habitação que podem ser aplicadas na análise de construções históricas. Estas incluem tolerâncias significativas relativamente ao RGEU:
Áreas mínimas dos compartimentos:
Compartimentos habitacionais: área não inferior a 8 m²
Habitações com menos de 5 compartimentos: um deles com mínimo 10,5 m²
Cozinha exclusiva: área mínima de 5 m² (reduzível a 4 m² em casos específicos)
Altimetria:
Pé-direito livre mínimo: reduzível até 2,35 m
Corredores: largura não inferior a 0,9 m
Escadas: largura dos lanços reduzível a 1 m
"As condições históricas de habitabilidade devem ser contextualizadas com os padrões construtivos da época em que a obra foi executada"
Procedimento de Legalizacão
Fase inicial
O processo inicia-se com a notificação pela Câmara Municipal para proceder à legalização, fixando prazo para o efeito. O interessado pode, em alternativa, solicitar informação sobre os termos em que o processo deve decorrer.
Instrução do Processo
A Câmara Municipal pode solicitar elementos necessários para garantir a segurança e saúde públicas, adaptando os requisitos às características específicas da construção histórica.
Dispensa de Normas Técnicas
Pode ser dispensado o cumprimento de normas técnicas cuja observância se tenha tornado impossível ou não seja razoável exigir, desde que se demonstre o cumprimento das condições vigentes à data da construção.
Desafios específicos da Reconstituição
Ausência de documentação original
Muitas construções históricas carecem de projetos de arquitetura ou elementos técnicos da época. Nestes casos, torna-se necessário:
Realizar levantamentos arquitetónicos rigorosos
Consultar arquivos municipais e distritais
Recorrer a peritagens técnicas especializadas
Analisar a conformidade com regulamentos históricos
Evolução legislativa
A análise deve considerar a legislação aplicável em diferentes períodos:
Decretos-Lei específicos por décadas
Regulamentos municipais históricos
Portarias setoriais da época
Critérios de avaliação
Conformidade com normas vigentes à data da construção
Condições de segurança estrutural
Condições de salubridade
Impacto urbano e paisagístico
Legalizacão Oficiosa
O RJUE prevê a possibilidade de a Câmara Municipal proceder oficiosamente à legalização quando os interessados não promovam as diligências necessárias. Esta faculdade limita-se a obras que não impliquem cálculos de estabilidade e tem por único efeito o reconhecimento do cumprimento dos parâmetros urbanísticos aplicáveis.

Casos práticos e soluções
Habitações unifamiliares anteriores a 1951
Para construções anteriores ao RGEU, a análise deve basear-se nos regulamentos municipais da época e nas práticas construtivas tradicionais locais.
Construções dos anos 60-80
Período caracterizado por grande expansão urbana, frequentemente com deficiências documentais. A reconstituição deve considerar as sucessivas alterações ao RGEU e regulamentos específicos.
Edifícios com valor patrimonial
Construções com interesse arquitetónico ou histórico beneficiam de tratamento específico, podendo justificar adaptações dos critérios standard de legalização.
Conselhos práticos
Recolha exaustiva de documentação: Consulte arquivos municipais, distritais e familiares
Peritagens especializadas: Recorra a técnicos com experiência em construção histórica
Análise legislativa temporal: Identifique a legislação aplicável à época da construção
Diálogo com as autoridades: Mantenha comunicação regular com os serviços municipais
Documentação fotográfica: Registe detalhadamente o estado atual da construção
Para considerar
A reconstituição de processos históricos representa uma ferramenta fundamental para a regularização do património construído português. Este procedimento exige uma abordagem multidisciplinar que combine conhecimentos jurídicos, técnicos e históricos.
O sucesso destes processos depende largamente da capacidade de demonstrar que as construções respeitaram os parâmetros legais vigentes à época da sua execução, adaptando critérios contemporâneos às realidades construtivas históricas.
A crescente valorização do património construído e a necessidade de regularizar situações consolidadas tornam estes procedimentos cada vez mais relevantes no panorama urbano nacional.
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