Legalização Oficiosa de construções
- Ana Carolina Santos

- 6 de ago.
- 4 min de leitura
Nos últimos meses multiplicam-se as perguntas sobre legalização oficiosa – expressão que ganhou nova vida com as alterações ao Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) e com o pacote Simplex Urbanístico. Se também tem uma obra sem licença, uma ampliação “à margem” ou herdou um imóvel clandestino, este post destina-se a si.

O que significa “legalização oficiosa”?
Legalização oficiosa é o acto pelo qual a Câmara Municipal, por iniciativa própria, decide regularizar uma construção ou utilização que nasceu fora da lei, sem esperar que o proprietário avance com um pedido de licenciamento ou de reposição da legalidade.
A base legal encontra-se no art.º 102.º-A do RJUE (regularização de operações urbanísticas) e nos art.º 165.º e seguintes do RGEU, aplicados por analogia.
O objectivo não é premiar a infracção, mas defender o interesse público (salubridade, segurança, ordenamento) quando a demolição é desproporcionada ou quando a construção pode, com ajustamentos, cumprir as regras fundamentais.
Quando é que a legalização oficiosa pode acontecer?
A iniciativa parte sempre do Município e só surge em situações muito específicas:
Obra embargada sem reacção do infractor– Após embargo e notificação, o responsável nada faz para licenciar, corrigir ou demolir a obra ilegal.
Construção passível de conformar-se com os instrumentos de gestão territorial– A Câmara verifica, ainda que de forma preliminar, que a obra pode cumprir os parâmetros urbanísticos (áreas, cércea, recuos, usos) com adaptações aceitáveis.
Demolição com impacto social ou económico desmedido– Intervenções em bairros consolidados, edificações de primeira habitação ou pequenas ampliações que, se removidas, criariam um problema maior do que o benefício urbanístico.
Edificações em Áreas Urbanas de Génese Ilegal (AUGI) com processo de reconversão pendente– Nesses casos, a legalização oficiosa pode agilizar a emissão de títulos de utilização para garantir condições mínimas de salubridade e segurança.
Quais as causas mais comuns?
Ampliações ou anexos feitos sem licença, geralmente para criar mais área habitável.
Mudança de uso (p.ex. garagem transformada em estúdio ou loft) sem autorização municipal.
Execução de obras em imóveis classificados ou em zonas protegidas, sem pareceres prévios.
Divergência entre o projecto aprovado e a obra executada (cércea, volumetria, fachada).

Passo a passo do procedimento oficioso
Fiscalização e embargo– Técnico municipal constata a infracção, elabora auto e determina embargo imediato.
Participação contra-ordenacional– Instaura-se processo de contra-ordenação. O proprietário é notificado para legalizar ou demolir.
Inércia do infractor– Se o prazo concedido termina sem acção do particular, a Câmara avalia a viabilidade de regularização.
Análise de conformidade simplificada– Verifica-se se a obra cumpre (ou pode cumprir) parâmetros essenciais:
Implantação no solo
Recusos às extremas e arruamentos
Cércea e volumetria
Condições mínimas de habitabilidade (Portaria 243/84, se aplicável)
Ligação às infra-estruturas (água, saneamento, electricidade)
Segurança estrutural
Despacho de legalização oficiosa– Caso a decisão seja favorável, o Município:
Impõe correcções técnicas (projecto de estabilidade, redes, acessibilidades).
Notifica o infractor para realizar as obras necessárias num prazo fixado.
Suspende, até lá, o processo contra-ordenacional.
Execução coerciva (se necessário)– Se o particular mantém a inércia, a Câmara pode executar as obras por conta própria e cobrar-lhe os custos, ou avançar para a demolição em último recurso.
Emissão do título de utilização– Concluídas as correcções, emite-se recibo de pagamento de taxas urbanísticas (dispensa de alvará), que vale como autorização de utilização.
Pontos críticos a ter em conta
Não é um direito subjectivo – O proprietário não pode exigir a legalização oficiosa; depende da avaliação discricionária (mas fundamentada) da Câmara.
Mantém-se a coima – Mesmo regularizada, a obra ilegal gerou um ilícito contra-ordenacional. As coimas variam de 250 € a 44 890 € (pessoas colectivas), consoante a gravidade.
Respeito pelo património – Se o imóvel estiver em zona classificada, o parecer positivo da DGPC continua obrigatório.
Simplex Urbanístico – A eliminação de procedimentos (licenças, alvarás) não elimina regras de projecto nem a necessidade de termos de responsabilidade subscritos por técnicos habilitados.
Limites técnicos – Pé-direito, áreas mínimas, acessibilidades, segurança contra incêndios e estabilidade estrutural não são negociáveis.
Vantagens da regularização atempada
Situação | Risco sem legalização | Benefício com legalização |
Venda ou herança | Escritura bloqueada e desvalorização | Imóvel valorizado e transaccionável |
Financiamento bancário | Crédito recusado ou agravado | Acesso a crédito e seguros |
Obras futuras | Impossibilidade de licenciar | Possibilidade de ampliar ou reabilitar |
Responsabilidade civil | Coimas e demolições | Segurança jurídica |
Conselhos práticos
Diagnóstico prévio– Peça a um arquitecto credenciado o levantamento do estado actual e o enquadramento legal.
Verifique o PDM e regulamentos municipais – Parâmetros de cércea, índices de construção, usos admitidos.
Confirme as infra-estruturas– Sem ligação directa a redes gerais, a legalização fica comprometida.
Coleccione evidências– Fotografias, faturas, plantas antigas podem provar datas de construção (essenciais para aplicar regimes transitórios).
Opte pela solução voluntária– É sempre preferível submeter um pedido de legalização antes que a Câmara actue oficiosamente; reduz coimas e dá-lhe controlo sobre o processo.
Para considerar
A legalização oficiosa é uma válvula de segurança do sistema urbanístico: protege o interesse público quando a demolição seria um mal maior, mas não deve ser encarada como “amnistia automática”. Continue a ser mais rápido, económico e seguro tratar do licenciamento correctamente à primeira ou, se já existe ilegalidade, avançar de imediato com a sua regularização.



