top of page

Rejeição de Comunicação Prévia em Portugal: Como contestar decisões desfavoráveis

  • Foto do escritor: Ana Carolina Santos
    Ana Carolina Santos
  • 14 de out.
  • 5 min de leitura

A comunicação prévia representa um dos pilares fundamentais do sistema urbanístico português, permitindo aos particulares desenvolverem determinadas operações urbanísticas sem necessidade de aguardar por uma licença formal. Este procedimento, regulamentado pelo Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), visa acelerar processos administrativos simples, desde que cumpridos todos os requisitos legais.​

No entanto, nem todas as comunicações prévias são aceites. Quando rejeitadas, os interessados dispõem de mecanismos legais específicos para contestar estas decisões, salvaguardando os seus direitos e interesses legítimos.


"A comunicação prévia não é apenas um procedimento simplificado - é um direito fundamental do particular que deve ser protegido através dos mecanismos adequados de impugnação administrativa."


Fundamentos legais da Rejeição de Comunicação Prévia


O Artigo 36.º do RJUE - Disposição Revogada

É fundamental esclarecer que o artigo 36.º do RJUE, que anteriormente regulava especificamente a "Rejeição da comunicação prévia", foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 136/2014. Esta revogação representa uma alteração significativa no panorama jurídico urbanístico português, transferindo o regime de contestação para outras normas do mesmo diploma.​


Regime atual de Fiscalização Sucessiva

Atualmente, o n.º 8 do artigo 35.º do RJUE estabelece que "a câmara municipal deve, em sede de fiscalização sucessiva, inviabilizar a execução das operações urbanísticas objeto de comunicação prévia e promover as medidas necessárias reposição da legalidade urbanística" quando:​

  • Não foram cumpridas as normas e condicionantes legais e regulamentares

  • As operações não foram precedidas de pronúncia obrigatória das entidades externas competentes

  • As operações não se conformem com tais pronúncias


Prazo de Caducidade da Fiscalização

O dever de fiscalização previsto no regime atual caduca 10 anos após a data de emissão do título da comunicação prévia, estabelecendo um limite temporal importante para a atuação municipal.​



Motivos Legais para Rejeição


Desconformidade com normas técnicas e regulamentares

As principais causas de rejeição de comunicação prévia incluem:

  • Violação de planos municipais e intermunicipais de ordenamento do território​

  • Incumprimento de normas técnicas de construção​

  • Desconformidade com servidões administrativas ou restrições de utilidade pública​

  • Falta de consultas externas obrigatórias quando legalmente exigidas​


Questões Processuais

O artigo 11.º do RJUE prevê situações de rejeição liminar quando:​

  • O pedido seja manifestamente contrário às normas legais ou regulamentares aplicáveis

  • Faltem documentos instrutórios indispensáveis ao conhecimento da pretenção

  • A operação urbanística esteja isenta de controlo prévio



Mecanismos de Contestação disponíveis


Impugnação Administrativa - Artigo 114.º do RJUE

A impugnação administrativa constitui o primeiro e mais direto mecanismo de contestação disponível aos particulares. Segundo o artigo 114.º do RJUE:​

  • A impugnação deve ser decidida no prazo de 30 dias

  • Findo este prazo sem decisão, considera-se deferida (deferimento tácito)

  • Pode ser dirigida contra quaisquer atos praticados ou pareceres emitidos no âmbito do RJUE


Características do Procedimento de Impugnação

A impugnação administrativa caracteriza-se por:

  • Natureza Graciosa: É um recurso dirigido à própria administração que praticou o ato​

  • Efeito Suspensivo: Não possui automaticamente efeito suspensivo, salvo disposição legal específica

  • Prazo de Apresentação: Deve respeitar os prazos gerais do Código do Procedimento Administrativo


Ação Administrativa Especial - Artigo 115.º do RJUE

Para situações específicas previstas no artigo 106.º do RJUE (ordens de demolição e reposição do terreno), existe a ação administrativa especial com características particulares:​

  • Efeito suspensivo automático

  • A autoridade administrativa deve impedir urgentemente o início ou prossecução da execução do ato​

  • Tramitação nos tribunais administrativos e fiscais



Procedimento prático de contestação


Primeira Fase: Análise da Decisão

Antes de iniciar qualquer procedimento de contestação, é essencial:

  • Identificar os motivos específicos da rejeição indicados pela Câmara Municipal

  • Verificar se foram cumpridos todos os requisitos procedimentais

  • Analisar a conformidade da decisão com os prazos legais

  • Avaliar a fundamentação jurídica apresentada pela administração


Segunda Fase: Escolha do mecanismo adequado

A escolha entre impugnação administrativa ou contencioso judicial depende de:

  • Natureza do ato impugnado: se abrange medidas de tutela da legalidade do art. 106.º RJUE

  • Urgência da situação: necessidade de efeito suspensivo

  • Complexidade jurídica: questões que exigem análise judicial aprofundada

  • Estratégia processual: possibilidade de resolução administrativa prévia


Terceira Fase: Preparação e Instrução

Documentação necessária:

  • Cópia integral do processo administrativo

  • Elementos técnicos que fundamentem a legalidade da operação

  • Pareceres técnicos especializados, quando aplicável

  • Comprovação do cumprimento das normas alegadamente violadas

Fundamentação jurídica:

  • Identificação precisa dos vícios da decisão administrativa

  • Invocação das normas legais aplicáveis

  • Demonstração da conformidade da operação com o ordenamento jurídico



Tribunais competentes e Procedimento


Jurisdição Administrativa e Fiscal

Os tribunais administrativos e fiscais possuem competência especializada para conhecer dos litígios urbanísticos, incluindo:​

  • Impugnação de atos administrativos urbanísticos

  • Contraordenações urbanísticas

  • Medidas de tutela da legalidade urbanística


Competência Territorial

A competência territorial dos tribunais administrativos determina-se pela sede da entidade que praticou o ato administrativo, sendo normalmente:

  • Tribunal Administrativo e Fiscal da comarca onde se situa a Câmara Municipal

  • Em casos de maior complexidade, podem ser os Tribunais Centrais Administrativos


Prazos Processuais

Os prazos para interposição de recursos contenciosos seguem as regras gerais do CPTA:

  • 2 meses para impugnação de atos administrativos (regra geral)

  • 1 mês para ações administrativas especiais em matéria urbanística

  • Contagem desde a notificação ou conhecimento do ato



Conselhos práticos para contestação eficaz


Preparação Técnica adequada

Consultoria especializada: A complexidade do direito urbanístico exige frequentemente o apoio de:

  • Arquitetos e engenheiros para questões técnicas

  • Advogados especializados em direito administrativo

  • Consultores urbanísticos para análise de conformidade normativa

Documentação técnica: É fundamental reunir:

  • Levantamentos topográficos atualizados

  • Projetos técnicos conformes com a regulamentação

  • Estudos de impacte quando aplicáveis

  • Pareceres de entidades externas relevantes


Estratégia Processual

Análise prévia da viabilidade: Antes de iniciar qualquer procedimento, deve avaliar-se:

  • A solidez jurídica da posição do requerente

  • Os custos-benefícios do procedimento

  • Os prazos expectáveis para resolução

  • As alternativas disponíveis

Negociação administrativa: Em muitos casos, é possível:

  • Solicitar esclarecimentos adicionais à Câmara Municipal

  • Propor alterações ao projeto que satisfaçam as exigências

  • Encontrar soluções técnicas que resolvam as questões identificadas


Acompanhamento Processual

Monitorizações constante: É essencial:

  • Acompanhar os prazos processuais

  • Responder atempadamente aos pedidos de esclarecimento

  • Manter contacto regular com os técnicos municipais

  • Documentar todas as diligências realizadas



Casos especiais e situações particulares


Comunicações Prévias com Pareceres Externos

Quando a comunicação prévia depende de consultas a entidades externas, a contestação pode envolver:​

  • Impugnação dos pareceres emitidos pelas entidades consultadas

  • Questionamento da necessidade legal da consulta

  • Contestação dos prazos concedidos para emissão dos pareceres


Operações em Áreas Sensíveis

Em áreas classificadas ou sujeitas a regimes especiais de proteção:

  • Consulta obrigatória a entidades como DGPC ou ICNF

  • Necessidade de estudos ambientais específicos

  • Cumprimento de condicionamentos patrimoniais ou ambientais


Situações de Emergência

Para situações de urgência que exijam intervenção imediata:

  • Possibilidade de requerer medidas cautelares

  • Invocação de razões de segurança ou salubridade

  • Demonstração da proporcionalidade das medidas solicitadas



Alterações Legislativas recentes


Impacto do Decreto-Lei n.º 10/2024

O Decreto-Lei n.º 10/2024 introduziu alterações significativas, nomeadamente:​

  • Regime de aplicação temporal específico para procedimentos pendentes

  • Manutenção das regras de deferimento tácito para procedimentos iniciados anteriormente

  • Clarificação de competências e prazos


Plataforma Eletrónica dos Procedimentos Urbanísticos (PEPU)

A obrigatoriedade de utilização da plataforma eletrónica a partir de 2026 implica:​

  • Adaptação dos procedimentos de contestação ao formato digital

  • Interoperabilidade com sistemas de outras entidades

  • Automatização de determinadas fases processuais



Para considerar


A contestação de decisões desfavoráveis em matéria de comunicação prévia constitui um direito fundamental dos particulares no âmbito do processo urbanístico português. O sistema legal prevê múltiplos mecanismos de proteção, desde a impugnação administrativa até ao recurso contencioso nos tribunais especializados. A eficácia da contestação depende fundamentalmente de uma preparação técnica adequada, do conhecimento profundo da legislação aplicável e da escolha estratégica do mecanismo processual mais apropriado a cada situação concreta.

As recentes alterações legislativas, nomeadamente a revogação do artigo 36.º do RJUE e a introdução de novos procedimentos eletrónicos, exigem uma atualização constante dos conhecimentos e uma adaptação das estratégias processuais. Face à crescente complexidade do ordenamento jurídico urbanístico e à especialização técnica exigida, a consulta de profissionais qualificados - arquitetos, engenheiros e juristas especializados - revela-se não apenas aconselhável, mas frequentemente determinante para o sucesso da contestação.



bottom of page