Silêncio da Administração no Urbanismo: como agir quando a Câmara não responde
- Ana Carolina Santos
- 11 de ago.
- 3 min de leitura
Submeter um projecto de arquitectura pode transformar-se rapidamente num teste à paciência: prazos que escorregam, pedidos de esclarecimento, sucessivas “idas ao balcão”. E quando, apesar de tudo, a Câmara Municipal se mantém em silêncio? Nas operações urbanísticas, esse silêncio tem nome, prazo e consequências concretas. Neste post explicamos, de forma prática e em linguagem clara, o que significa o “Silêncio da Administração”, quais são os passos para o transformar em vantagem — e que cuidados deve manter para não comprometer a sua obra.

Silêncio da Administração: conceito-chave
Previsto no artigo 111.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE).
Ocorre quando a autarquia deixa passar o prazo legal para decidir um pedido de licenciamento (ou comunicação prévia) sem emitir despacho.
Regra actual: se o prazo expira e não há indeferimento, a pretensão considera-se tacitamente deferida — isto é, aprovada.
Onde se aplica
Pedidos de licença (obras, loteamentos, reconstruções, etc.).
Pedidos de informação prévia (PIP) vinculativa.
Processos de legalização de obras já executadas.
Nota: na comunicação prévia não há “silêncio” — o início dos trabalhos depende apenas de apresentar a declaração correcta e pagar as taxas devidas.
Quais são os prazos?
Fase do procedimento | Prazo máximo da Câmara | Contagem a partir de | Resultado se o prazo expirar |
20 dias + 10 (se houver entidades externas) | Recepção do pedido | Deferimento tácito | |
45 dias para decisões correntes* | Emissão do recibo de entrega | Deferimento tácito | |
30 dias | Entrega das alterações | Deferimento tácito |
* O prazo sobe para 60 dias quando há consultas externas obrigatórias.
Faz-se silêncio… o que acontece?
A sua pretensão é aprovada, mas:
Sem despacho escrito.
Sem Alvará automático.
Sem pagamento imediato de taxas (o art. 74.º n.º 4 isenta-o deste requisito para eficácia da licença, mas as taxas não desaparecem, pagam-se depois).
Passo a passo para proteger o seu projecto
Confirme prazos e notificações.
Conte sempre em dias úteis civis (art. 279.º Código Civil).
Desconte eventuais suspensões por pedido de elementos adicionais (art. 11.º).
Peça a Certidão de Deferimento Tácito.
Requerida por escrito na Câmara.
Deverá ser emitida no prazo habitual de 10 dias.
Serve de “prova de vida” do seu direito perante bancos, conservatórias e fornecedores.
Regularize as taxas urbanísticas.
O silêncio não as elimina; evita apenas que a licença dependa delas.
Receberá notificação para pagamento ou poderá pagar por iniciativa própria para acelerar a emissão de título.
Solicite o Alvará (quando aplicável).
Embora o deferimento tácito produza efeitos, o Alvará simplifica vendas futuras, registos e garantias bancárias.
Mantenha o projecto original.
Qualquer alteração posterior exige novo pedido; caso contrário, arrisca embargo.
Arquive toda a correspondência.
Emails, comprovativos de entrega, certidões — são o seu seguro em fiscalizações futuras.
Pode começar as obras de imediato?
Em teoria, sim. Na prática, avalie:
Seriedade da instrução — faltas documentais anulam o deferimento tácito.
Complexidade da obra — financiadores podem exigir Alvará formal.
Risco de fiscalização — a Câmara mantém poderes de fiscalização subsequente (art. 35.º n.º 8), incluindo embargos se detectar ilegalidades.
Quando recorrer aos tribunais?
Se a autarquia:
Se recusar a passar certidão.
Impuser taxas “punitivas” injustificadas.
Tentar revogar o deferimento sem fundamento legal.
Pode:
Intimar a prática do acto devido (código de processo nos tribunais administrativos).
Requerer indemnização por violação de direitos (art. 70.º RJUE).

Boas práticas para evitar o silêncio – e para o usar a seu favor
Antes de submeter
Confirme regulamentos municipais e requisitos.
Valide compatibilidades com PDM, servidões e RGEU.
Anexe todos os termos de responsabilidade dos técnicos.
Durante o processo
Peça recibo com data de entrada.
Acompanhe online (quando a Plataforma Electrónica estiver disponível para todos os municípios, obrigatória a partir de 2026).
Responda a pedidos de elementos dentro de 10 dias para não suspender prazos indefinidamente.
Se o prazo expirar
Peça certidão.
Pague taxas.
Avance com segurança.
Para refletir
O silêncio da Administração deixou de ser uma “terra de ninguém” para passar a ser um verdadeiro direito de quem constrói. O RJUE de 2024 reforça a regra do deferimento tácito e simplifica a vida a particulares e empresas que precisam de previsibilidade para investir. Mesmo assim, o silêncio não dispensa rigor: um projecto mal instruído, taxas em dívida ou obras divergentes do aprovado podem transformar o que seria uma vitória rápida num contencioso longo e caro. Preparação, documentação impecável e acompanhamento técnico são o melhor antídoto.