Revogações Legislativas: o que muda, na prática, nos seus projectos de arquitectura
- Ana Carolina Santos
- 10 de ago.
- 4 min de leitura
Não faltam diplomas legais a reger a construção em Portugal. O problema é que muitos já não servem o contexto actual: duplicam-se exigências, criam-se burocracias e atrasam-se prazos. Por isso, o legislador tem vindo a “arrumar a casa”, revogando normas antigas, condensando regras e entregando maior responsabilidade técnica a quem projecta e executa. Neste post sintetizamos o que é realmente relevante para quem pretende construir, reabilitar ou legalizar um imóvel em 2025 — sem jargão, sem labirintos jurídicos.

Revogação de diplomas: afinal, o que significa?
Revogar é retirar validade a um diploma ou parte dele.
A revogação pode ser total (o documento “desaparece” do ordenamento) ou parcial (ficam apenas artigos seleccionados).
Sempre que surge um diploma novo com a expressão “é revogado o…”, o anterior deixa de ter força legal na data indicada.
O objectivo é eliminar redundâncias, actualizar requisitos técnicos e simplificar procedimentos.
Os grandes “culpados” das mudanças recentes
Decreto-Lei n.º 10/2024 — Simplex Urbanístico
Revoga dezenas de artigos do RGEU e vários procedimentos do RJUE.
Elimina o Alvará de Construção e o Alvará de Utilização, substituindo-os pelo simples recibo de pagamento das taxas.
Cria novas isenções de licenciamento e reforça a comunicação prévia.
Impõe prazos máximos (120-200 dias) para decisão municipal, sob pena de deferimento tácito.
Determina a revogação total do RGEU a 1 de Junho de 2026, altura em que entrará em vigor o novo Código da Construção.
Portaria n.º 243/84 — Tolerâncias para legalização
Mantém-se em vigor e continua a permitir áreas, pé-direito e dimensões reduzidas em habitações clandestinas ou muito antigas.
Crucial para quem pretende regularizar construções pré-1984 ou reconverter anexos em espaços habitáveis.
Decreto-Lei n.º 163/2006 — Acessibilidades
Não foi revogado; ao contrário, continua a ser reforçado.
Passa a aplicar-se a mais edifícios habitacionais e a espaços públicos reabilitados.
Revogações antigas mas com impacto
O RJUE (art.º 129.º) revogou diplomas de 1991, 1994 e 1995, alterando regras de loteamento e de conservação.
Em 2024/25 a lei dos solos (RJIGT) sofreu nova revisão, simplificando a reclassificação de solo rústico — mas este ponto aguarda eventual apreciação parlamentar.
Impacto directo no seu projecto
Licenciamentos e prazos
Antes | Agora |
Alvará de Construção obrigatório | Substituído pelo recibo das taxas |
Licença de Utilização exigida para vender | Passa a ser dispensável (excepto se o banco a exigir) |
Prazos indefinidos para decisão camarária | 120 ou 200 dias consoante a área; silêncio = aprovar |
Possibilidade de escolher licença vs. comunicação prévia | Para muitos casos só comunicação prévia |
Requisitos de projecto
Bidé e banheira deixam de ser obrigatórios em novos fogos (pode optar por base de duche).
Cozinha armário, kitchenette ou walk through passam a ser soluções admitidas, desde que cumpram a área total exigida.
Caves habitacionais continuam excecionais, mas as tolerâncias aumentaram se existirem fachadas completamente desafogadas.
Construção modular passa a ter enquadramento próprio no RGEU (art.º 1.º-A).
Responsabilidades
Mais elementos passam a ser entregues por termo de responsabilidade do arquitecto/projectista — a Câmara deixa de conferir em detalhe.
Os técnicos assumem responsabilidade civil e contra-ordenacional por erros ou falsidades.
As Câmaras reforçam a fiscalização em obra e podem aplicar coimas até 44 891 € (DL 163/2006 e RJUE).
Custos e taxas
Simplificação não significa isenção de custo: as taxas urbanísticas mantêm-se e actualizam-se em regulamento municipal.
A revogação de alvarás elimina uma emissão, mas o pagamento das taxas conserva efeito constitutivo da licença.
O que deve fazer se vai começar (ou legalizar) uma obra
1. Verificar enquadramento
Consulte o Plano Director Municipal actualizado, o Simplex Urbanístico e se a zona está abrangida pela Portaria 243/84.
2. Reunir documentação certa
A nova Portaria 71-A/2024 lista os elementos instrutórios. Tudo o que não constar não pode ser exigido pela Câmara.
3. Optar pela via correcta
Pergunte se a obra está isenta, sujeita a comunicação prévia ou a licença. Erro de via atrasa e encarece o processo.
4. Contar o relógio
Entregue os elementos todos de uma vez — os 120/200 dias começam a contar e o deferimento tácito joga a seu favor.
5. Prever alterações futuras
Lembre-se de que o Código da Construção entra em cena em 2026; projectos iniciados antes podem optar por manter o enquadramento actual.

Conselhos AC-Arquitetos para navegar na transição
Planeamento jurídico é parte do projecto: inclua no cronograma a verificação de diplomas revogados e normas emergentes.
Adopte BIM e ficheiros abertos: em 2026 a plataforma electrónica será obrigatória; comece já a ganhar eficiência.
Integre acessibilidades desde o primeiro esboço: é mais económico do que adaptar depois.
Em reabilitação, avalie Portaria 243/84: pode reduzir áreas mínimas e pé-direito, poupando demolições desnecessárias.
Garanta termos de responsabilidade sólidos: eles substituem parte da burocracia, mas também fazem recair sobre si (e sobre nós) a conta da conformidade.
Para considerar
A revogação de diplomas não é uma “limpeza automática” de obstáculos: é uma transferência de peso. Se por um lado desaparecem licenças, pareceres e artigos obsoletos, por outro cresce a exigência de rigor técnico, de atualização constante e de cumprimento de prazos. Em 2025, quem quiser construir ou reabilitar terá de dominar a nova gramática legal — ou rodear-se de quem a conheça.