Construção Clandestina em Portugal: Processos e caminhos para a regularização
- Ana Carolina Santos

- 30 de out.
- 7 min de leitura
A construção clandestina representa uma das problemáticas urbanas mais complexas em Portugal. Muitos proprietários confrontam-se diariamente com a situação de possuírem edificações não licenciadas ou edificadas em desconformidade com as normas urbanísticas e regulamentares. Este post explica o enquadramento legal, os procedimentos disponíveis e as condições de viabilidade para a legalização destas construções, com base na legislação vigente.
"A legalização de construções clandestinas representa uma oportunidade para regularizar situações criadas, desde que se verifique viabilidade técnica e económica de reconversão das edificações."

O que são construções clandestinas?
Construções clandestinas são edificações executadas sem a devida licença ou autorização municipal, ou em desconformidade com os projetos aprovados ou com as normas legais e regulamentares aplicáveis. Incluem-se nesta categoria:
Obras realizadas sem qualquer controlo prévio por parte da Câmara Municipal
Edificações executadas em desacordo com os termos da licença ou comunicação prévia
Ampliações, alterações ou reconstruções não autorizadas
Construções que violam disposições legais e regulamentares, designadamente o Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU) e planos municipais de ordenamento do território
A existência de áreas significativas de construção clandestina em Portugal levou o legislador a criar regimes específicos de legalização, reconhecendo a necessidade de encontrar soluções pragmáticas que evitem demolições em larga escala e os consequentes impactos económicos e sociais.
Contexto histórico e enquadramento legal
A problemática das construções clandestinas tem raízes profundas na expansão urbana descontrolada que ocorreu em Portugal durante o século XX. A revogação de legislação anterior pelo Decreto-Lei n.º 804/76, de 6 de novembro, privou os serviços competentes de fundamentação jurídico-técnica para apreciação e aprovação de projetos destinados à legalização destas áreas.
A Portaria n.º 243/84, de 17 de abril, representa um marco fundamental ao fixar condições mínimas de habitabilidade para edificações clandestinas de habitação, reconhecendo que a maioria destas construções dificilmente se enquadra nos mínimos técnicos do RGEU.
Atualmente, o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, e suas alterações subsequentes, consagra expressamente no artigo 102.º-A mecanismos específicos de legalização de operações urbanas ilegais.
Quando é possível legalizar uma construção clandestina?
A legalização de uma construção clandestina depende da possibilidade de assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares em vigor. Os critérios fundamentais são:
Viabilidade técnica
A edificação deve poder ser adaptada, através de obras de correção ou alteração, para cumprir as normas técnicas aplicáveis, ou, no mínimo, as condições mínimas de habitabilidade previstas na legislação.
Viabilidade económica
Os investimentos necessários para harmonizar as construções com as exigências regulamentares devem ser considerados proporcionais e economicamente viáveis.
Conformidade urbanística
A edificação não pode violar instrumentos de gestão territorial, servidões administrativas, restrições de utilidade pública ou outras normas legais que constituam impedimento absoluto à sua legalização.
Segurança e salubridade
Devem ser garantidas condições mínimas de segurança estrutural, salubridade e habitabilidade.
Procedimentos de legalização
A legalização de construções clandestinas processa-se através de um procedimento específico regulado pelo RJUE:
1. Notificação para legalização
Quando a Câmara Municipal verifica a existência de operações urbanas ilegais mas passíveis de legalização, notifica os interessados para promoverem a respetiva legalização, fixando um prazo para o efeito.
2. Instrução do pedido de legalização
O procedimento deve ser instruído com os elementos exigíveis em função da pretensão concreta, designadamente:
Projetos de arquitetura e especialidades
Termos de responsabilidade subscritos pelos autores dos projetos
Certificados de aprovação emitidos por entidades certificadoras competentes, quando aplicável
Outros documentos e elementos necessários para garantir a segurança e saúde públicas
Dispensa de documentação: Nos casos em que não haja obras de ampliação ou alteração a realizar, são dispensados diversos elementos, nomeadamente calendarização de obra, estimativa de custos, caução, seguros, títulos habilitantes para construção válidos à data da obra, livro de obra e plano de segurança e saúde.
3. Condições mínimas de habitabilidade
Para edificações clandestinas de habitação suscetíveis de eventual reabilitação, aplicam-se as condições mínimas fixadas na Portaria n.º 243/84, que admite tolerâncias relativamente ao RGEU, nomeadamente:
Áreas de compartimentos:
Compartimentos (exceto vestíbulos, instalações sanitárias, arrumos): área mínima de 8 m²
Nas habitações com menos de 5 compartimentos: um deles com área mínima de 10,5 m²
Nas habitações com 5 ou mais compartimentos: pelo menos dois com 10,5 m² de área
Compartimento destinado exclusivamente a cozinha: área mínima de 5 m², podendo reduzir-se a 4 m² em habitações com menos de 4 compartimentos
Dimensões dos compartimentos:
Comprimento não superior ao dobro da largura
Possibilidade de inscrever um círculo de diâmetro mínimo de 1,8 m (1,6 m em cozinhas com área inferior a 5 m²)
Pé-direito:
Pé-direito livre mínimo reduzido a 2,35 m
Em sótãos, águas-furtadas e mansardas utilizáveis para habitação: pé-direito mínimo regulamentar em metade da área do compartimento
Escadas e corredores:
Largura dos planos de escada em edifícios coletivos: mínimo de 1 m (desde que não situados entre paredes)
Largura dos corredores: mínimo de 0,9 m
Instalações sanitárias:
Admite-se uma única casa de banho completa em habitações com mais de 4 compartimentos
4. Apreciação e decisão
A Câmara Municipal aprecia o pedido de legalização, verificando:
O cumprimento das condições técnicas aplicáveis
A ausência de impedimentos urbanísticos absolutos
A garantia de condições mínimas de segurança e salubridade
Pode ainda solicitar elementos adicionais, designadamente projetos de especialidades e respetivos termos de responsabilidade ou certificados de aprovação, sempre que necessário.
5. Pagamento de taxas
Concluído o procedimento com deferimento, o requerente procede ao pagamento das taxas fixadas em regulamento municipal.
6. Legalização oficiosa
Nos casos em que os interessados não promovam voluntariamente a legalização, a Câmara Municipal pode proceder oficiosamente à mesma, exigindo o pagamento das taxas correspondentes.
Esta faculdade só pode ser exercida quando estejam em causa obras que não impliquem a realização de cálculos de estabilidade. Caso o requerente, notificado para pagamento, não proceda ao mesmo, é promovido o procedimento de execução fiscal do montante liquidado.
Efeitos da legalização oficiosa: Tem por único efeito o reconhecimento de que as obras promovidas cumprem os parâmetros urbanísticos previstos nos instrumentos de gestão territorial aplicáveis, sendo efetuada sob reserva de direitos de terceiros.

Casos em que a legalização não é possível
Há situações em que a legalização de construções clandestinas se revela inviável, designadamente quando:
Violam instrumentos de gestão territorial de forma incompatível com qualquer adaptação
Se localizam em áreas non aedificandi (zonas de proteção, domínio público, servidões administrativas)
Afetam negativamente o património arqueológico, histórico, cultural ou paisagístico
Não é possível garantir condições mínimas de segurança estrutural
Implicam sobrecarga incomportável para infraestruturas ou serviços gerais
Representam perigo para a saúde pública ou segurança de pessoas
Nestas situações, a Câmara Municipal pode ordenar a demolição total ou parcial da obra e a reposição do terreno nas condições anteriores ao início dos trabalhos.
Responsabilidades e sanções
A realização de operações urbanas sem os necessários atos administrativos de controlo prévio ou em desconformidade com os mesmos constitui contra-ordenação, punível com coima.
Responsáveis
São solidariamente responsáveis:
Promotores e donos da obra
Empreiteiros e diretores de obra (quando aplicável)
Autores e coordenadores de projetos (em caso de incompatibilidade com instrumentos de gestão territorial)
Sanções
Coimas: aplicáveis nos termos do RJUE
Sanções acessórias: interdição de exercício de atividade, privação do direito a subsídios, entre outras
Medidas de tutela da legalidade urbanstica: embargo, demolição, execução coerciva
Condições especiais aplicáveis
Acesso independente e infraestruturas
As disposições da Portaria n.º 243/84 só se aplicam a edifícios com acesso independente e possibilidade de ligação direta às redes gerais de infraestruturas.
Obrigatoriedade de demolição de paredes interiores
Deve ser garantida a demolição de paredes interiores quando exigida para a legalização do edifício, designadamente para assegurar a conformidade com as condições mínimas de habitabilidade.
Vistoria técnica prévia
Deve proceder-se por vistoria técnica à análise das condições de segurança e habitabilidade dos edifícios clandestinos de habitação suscetíveis de eventual reabilitação, bem como de edificações contíguas.
Legalização de construções clandestinas
Conselhos práticos
Proceda à legalização voluntária o mais rapidamente possível: evita agravamento de sanções e permite regularizar a situação patrimonial do imóvel
Consulte um arquiteto ou engenheiro especializado: a legalização exige conhecimento técnico e experiência em processos camarários
Reúna toda a documentação disponível: fotografias antigas, projetos parciais, faturas de materiais e mão de obra podem facilitar o processo
Verifique a compatibilidade urbanística: confirme se a edificação respeita instrumentos de gestão territorial e outras normas aplicáveis
Avalie os custos envolvidos: considere taxas municipais, honorários técnicos e eventuais obras de adaptação necessárias
Não inicie novas obras sem licenciamento: agravar a situação de ilegalidade dificulta ou impossibilita a legalização
Responda prontamente a notificações municipais: o incumprimento de prazos pode resultar em demolição coerciva
Importante: A legalização de construções clandestinas requer análise técnica rigorosa e acompanhamento especializado. Consulte profissionais qualificados para garantir o sucesso do processo.
Em poucas palavras
A legalização de construções clandestinas em Portugal é viável quando se demonstre conformidade ou possibilidade de adaptação às normas legais e regulamentares aplicáveis, mediante investimentos proporcionados e economicamente viáveis. O processo exige instrução adequada, cumprimento de condições mínimas de habitabilidade e segurança, e pagamento de taxas municipais. A legislação reconhece a necessidade de contemporizar com situações criadas, evitando demolições em larga escala, mas impõe responsabilidades e sanções aos infratores, reforçando a importância do licenciamento prévio de todas as operações urbanas.
Para esclarecimentos técnicos, avaliação de viabilidade de legalização ou acompanhamento em processos camarários, contacte AC-Arquitetos. Dispomos de experiência em processos de legalização de construções, assegurando soluções técnicas conformes, rigorosas e adequadas à realidade de cada projeto.



