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O Título Constitutivo: O documento que regulamenta a Propriedade Horizontal

  • Foto do escritor: Ana Carolina Santos
    Ana Carolina Santos
  • 5 de dez.
  • 5 min de leitura

Quando se fala em propriedade horizontal, surge inevitavelmente um documento de importância crucial: o título constitutivo. Apesar de muitas vezes desconhecido pelo público em geral, este é o alicerce legal que sustenta toda a estrutura de um edifício dividido em frações autónomas. Compreender o seu conteúdo, tanto obrigatório quanto opcional, é fundamental para garantir uma convivência harmoniosa entre condóminos e evitar conflitos futuros.



O que é o Título Constitutivo


O título constitutivo da propriedade horizontal é, em essência, a escritura notarial que estabelece juridicamente a divisão de um prédio em frações autónomas. Trata-se de um documento público que institui o regime de propriedade horizontal e serve como alicerce para todas as relações jurídicas entre os proprietários das diferentes frações e entre estes e as partes comuns do edifício.

Mais do que um simples comprovativo legal, o título constitutivo é um documento que materializa as regras pelas quais os diversos interesses dos proprietários se vão reger, equilibrando direitos individuais com responsabilidades coletivas.


O título constitutivo é o documento fundamental que transforma um prédio único em múltiplas unidades autónomas regidas por normas de convivência.


Conteúdo obrigatório do Título Constitutivo


A lei estabelece com clareza quais os elementos que devem constar obrigatoriamente num título constitutivo. Sem estes elementos, o documento pode ser considerado nulo.


Identificação e descrição detalhada das frações autónomas

Cada fração deve estar claramente identificada e descrita de forma inequívoca. Esta descrição inclui a localização dentro do edifício, os compartimentos que a integram, as dimensões e quaisquer características que a tornem única e reconhecível. A delimitação deve ser tão precisa que não deixe margem para ambiguidades ou conflitos interpretativo posteriores.


Delimitação das Partes Comuns

O título deve especificar quais os elementos que constituem as partes comuns do prédio. A lei considera como obrigatoriamente comuns, por exemplo, o solo, os alicerces, as colunas, pilares, paredes mestras, telhados e terraços de cobertura, bem como todas as estruturas que formam a ossatura do edifício. Estas áreas são partilhadas por todos os condóminos e a sua manutenção é responsabilidade coletiva.


Atribuição da Permilagem

A permilagem, também designada por percentagem ou valor relativo da fração, é talvez o elemento mais crucial do título constitutivo. Expressa-se em milésimos e representa a proporção que cada fração possui em relação ao edifício na sua totalidade.

Esta percentagem é calculada tendo em conta múltiplos fatores:

  • Área útil da fração

  • Localização no edifício (por exemplo, um andar superior pode ter mais valor do que o térreo)

  • Existência de anexos como garagens, arrecadações ou varandas

  • Exposição solar e vistas privilegiadas

  • Estado de conservação geral da fração

A permilagem serve para dois fins fundamentais: primeiro, determina a quota-parte de cada condómino nas despesas comuns do condomínio; segundo, define o número de votos que cada proprietário possui nas assembleias de condóminos.


Especificação do fim de cada fração

O título deve indicar a finalidade de cada fração autónoma. Esta informação é essencial porque uma fração destinada a habitação terá diferentes características e exigências do que uma fração destinada a comércio ou escritórios. A concordância entre o fim mencionado no título constitutivo e o que foi aprovado no projeto pela Câmara Municipal é uma exigência legal, e a discordância pode determinar a nulidade do título.



Conteúdo facultativo, mas altamente recomendado


Para além dos elementos obrigatórios, o título constitutivo pode incluir disposições adicionais que, embora não sejam legalmente obrigatórias, são extremamente recomendáveis para evitar futuros desentendimentos.


Regulamento de Condomínio

O regulamento de condomínio é um conjunto de normas que disciplinam o uso, fruição e conservação tanto das partes comuns como das frações autónomas. Este regulamento estabelece regras sobre questões práticas do dia a dia, tais como:

  • Horários de funcionamento de áreas comuns

  • Normas sobre ruído e tranquilidade

  • Responsabilidades sobre manutenção de fachadas, escadas e áreas de circulação comum

  • Procedimentos para a realização de obras nas frações

  • Normas sobre animais de estimação ou aluguel temporário

Um regulamento bem redigido previne conflitos e estabelece expectativas claras para todos os condóminos.


Disposições sobre Administração e Gestão

É altamente recomendável que o título constitutivo inclua disposições detalhadas sobre como será administrado e gerido o condomínio. Isto inclui a designação de um administrador, as suas competências, duração do mandato, forma de compensação (se aplicável), e os procedimentos para alteração da administração.


Previsão de Compromisso Arbitral

Muitos títulos constitutivos incluem cláusulas prevendo a arbitragem como meio alternativo para resolução de litígios entre condóminos ou entre estes e a administração. A arbitragem pode ser mais rápida, menos dispendiosa e menos adversarial do que processos judiciais tradicionais.


Normas sobre Quotas de Despesa e Contribuições

Para além da permilagem padrão, o título pode estabelecer regras específicas para certos tipos de despesa. Por exemplo, as despesas do elevador podem ser distribuídas de forma diferente da permilagem geral, como é frequente em prédios com vários andares.



Elementos específicos do Título Constitutivo


Além dos conteúdos mencionados, o título constitutivo tipicamente inclui:

  • Identificação do prédio: referências matriciais e de localização

  • Descrição das partes comuns: elementos que integram a propriedade coletiva

  • Menção de regimes especiais: se existem áreas de uso exclusivo (como garagens privadas) ou áreas de uso compartilhado limitado

  • Disposições sobre alterações futuras: procedimentos para modificação do título (que normalmente exigem unanimidade)

  • Referências fiscais e tributárias: informações necessárias para cumprimento de obrigações fiscais



Nulidade do Título Constitutivo: Situações críticas


A lei portuguesa é explícita relativamente às situações que podem levar à nulidade do título constitutivo. Estas situações críticas incluem:

A falta de especificação adequada que permita a devida individualização de cada fração é causa de nulidade. Se duas ou mais frações ficarem descritas de forma imprecisa ou ambígua, tornando impossível distingui-las com certeza, o título pode ser considerado nulo.

A não coincidência entre o uso mencionado no título constitutivo e o uso que foi efetivamente aprovado pela Câmara Municipal é causa de nulidade. Se o título diz que uma fração é destinada a habitação, mas o projeto aprovado pela autarquia a previa para comércio, esta discordância invalida o documento. Estas situações não são raras na prática e frequentemente originam litígios longos, complexos e dispendiosos para todos os envolvidos.



O processo de elaboração do Título Constitutivo


A elaboração do título constitutivo deve ser confiada a profissionais qualificados, preferencialmente um jurista com experiência específica na redação deste tipo de documento. O processo envolve:

  • Recolha de toda a documentação necessária (plantas aprovadas, licenças, certidões prediais)

  • Análise detalhada do projeto de arquitetura aprovado

  • Cálculo preciso da permilagem de cada fração

  • Redação clara e juridicamente rigorosa dos termos

  • Revisão por todas as partes envolvidas antes da assinatura

  • Formalização em escritura pública perante notário



Alterações ao Título Constitutivo: Um processo complexo


Uma característica importante do título constitutivo é que as suas modificações, particularmente as relativas à composição e valor relativo de cada fração, exigem unanimidade de todos os condóminos. Isto significa que qualquer mudança necessita do acordo de 100% dos proprietários das frações, uma exigência que reflete a natureza fundamental deste documento.

Quando não há unanimidade, é possível recorrer aos tribunais, mas este caminho é frequentemente moroso e dispendioso. Por esta razão, a redação inicial cuidadosa é absolutamente crítica.



A importância de um Título Constitutivo bem elaborado


Um título constitutivo bem redigido é um investimento que se prolonga indefinidamente ao longo da vida do condomínio. Evita:

  • Conflitos entre proprietários por interpretações divergentes

  • Processos judiciais dispendiosos

  • Dificuldades na transmissão ou hipoteca de frações

  • Problemas na regularização de situações irregulares

  • Complicações na administração do condomínio

Pelo contrário, um documento mal redigido pode criar décadas de problemas.



Em poucas palavras


O título constitutivo da propriedade horizontal é muito mais do que um documento administrativo: é o contrato de convivência que estrutura todas as relações jurídicas, económicas e sociais entre os condóminos. A sua elaboração cuidadosa, com atenção aos elementos obrigatórios e à inclusão ponderada de disposições complementares, é absolutamente essencial.

Recomenda-se vivamente que este documento seja elaborado por profissionais qualificados e com experiência específica neste domínio. O custo desta elaboração cuidadosa é reduzido em comparação com os problemas que uma redação deficiente pode originar ao longo dos anos.

A constituição de propriedade horizontal é um processo legal importante que exige rigor e atenção. O título constitutivo é o seu documento central, e merece o tempo e a dedicação necessários para ser bem feito.

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