Os requisitos técnicos que garantem a independência das frações autónomas
- Ana Carolina Santos
- 4 de dez.
- 6 min de leitura
Quando se pretende dividir um edifício em propriedade horizontal, muitas pessoas questionam-se acerca do que verdadeiramente torna uma fração autónoma em unidade independente e viável. A resposta encontra-se num conjunto muito preciso de condições físicas e técnicas obrigatórias que a lei portuguesa estabelece para garantir a funcionalidade, segurança e autonomia de cada fração. Compreender estes requisitos é fundamental para proprietários, investidores ou gestores de imóveis que pretendam trabalhar com propriedade horizontal.

O que significa uma fração ser autónoma
Uma fração autónoma, de acordo com a legislação portuguesa, não é simplesmente uma divisão qualquer de um edifício. Trata-se de uma unidade independente, distinta e isolada, com direitos de propriedade exclusivos e a capacidade de existir juridicamente de forma autónoma. Esta definição legal tem tradução em requisitos técnicos muito concretos que veremos de seguida.
A lei determina que cada fração deve ser constituída como uma unidade capaz de funcionar de forma independente, o que implica muito mais do que apenas ter uma porta separada. É um conceito que combina aspetos arquitetónicos, estruturais e funcionais, todos eles igualmente importantes para a validade da propriedade horizontal.
Conceito-chave: A independência de uma fração é garantida através de isolamento físico e funcional claro, acesso próprio e utilitários independentes.
Requisito 1: O acesso próprio e independente
O primeiro e talvez mais óbvio requisito técnico é a existência de uma saída própria para a via pública ou para uma parte comum do edifício. Isto significa que cada fração deve ter uma entrada exclusiva que não dependa da passagem por outras frações.
Características essenciais do acesso:
Porta de entrada com fechadura individual
Circulação não partilhada com outras frações
Acesso direto para escada, elevador ou corredor comum
Ligação clara entre a fração e os espaços comuns ou via pública
Exemplos práticos:
Um apartamento num prédio de vários andares acede por um corredor comum ao ascensor e escadas—esta é uma saída própria para as partes comuns. Uma loja numa cave com entrada direta para a rua também cumpre este requisito. Contudo, uma divisão que só pode ser acedida atravessando outra fração não constitui uma unidade autónoma legalmente válida.
Este requisito garante que cada proprietário tem direito de entrada exclusivo à sua fração, sem depender da permissão ou cooperação de terceiros.
Requisito 2: O isolamento físico e estrutural
Cada fração deve estar fisicamente separada e isolada das outras através de elementos construtivos apropriados. Isto não é apenas uma questão de conforto; é uma exigência legal que garante a independência estrutural e funcional.
Elementos de isolamento necessários:
Paredes mestras que separam as frações (construídas em alvenaria ou estrutura resistente)
Lajes ou pavimentos que delimitam horizontalmente cada unidade
Cobertura ou teto que define o limite superior
Portas com fechadura que garantem isolamento visual e sonoro
Aspetos técnicos importantes:
O isolamento deve permitir que cada fração funcione de forma completamente independente. Isto significa que a estrutura de uma fração não pode comprometer a outra. As paredes que separam frações devem ter espessura e materiais que garantam isolamento térmico e acústico adequado, conforme as regulações de construção aplicáveis.
A delimitação clara dos limites de cada fração na planta é fundamental. A legislação exige que quando o título constitutivo da propriedade horizontal é elaborado, as fronteiras de cada fração sejam especificadas com precisão, normalmente através de plantas técnicas detalhadas.
Requisito 3: As utilidades e sistemas independentes
Uma fração verdadeiramente autónoma deve dispor de instalações e sistemas independentes para fornecimento de energia, água, gás e evacuação de águas residuais.
Instalações que devem ser independentes:
Contador individual de água
Contador individual de eletricidade
Sistema de aquecimento privativo (quando não há aquecimento central)
Tubagem de gás independente (se aplicável)
Ligação própria ao sistema de esgotos
Por que isto é importante:
Esta independência garante que cada proprietário tem controlo total sobre o consumo de recursos e as despesas associadas. Impede também que falhas ou interrupções num sistema afetem simultaneamente várias frações.
Situações especiais:
Em edifícios antigos ou com características específicas, como condomínios com aquecimento central comum, o sistema pode ser partilhado, mas deve haver contadores individuais para determinar o custo de consumo de cada proprietário.
Requisito 4: Conformidade com as normas regulamentares
Cada fração deve cumprir as normas técnicas e de segurança estabelecidas pelos regulamentos de construção e pela legislação municipal aplicável.
Normas essenciais:
Altura de pé-direito: Mínimo de 2,70 metros (piso a piso) em habitações, com exceções limitadas
Iluminação e ventilação: Todos os compartimentos principais devem ter vãos para o exterior (janelas)
Segurança contra incêndios: Saídas de emergência, elementos de compartimentação, etc.
Acessibilidade: Conformidade com as normas para pessoas com mobilidade reduzida
Eficiência energética: Isolamento térmico adequado e sistemas eficientes
Documentação técnica necessária:
Projeto aprovado pela Câmara Municipal
Licença de utilização ou certificado equivalente
Plantas técnicas com dimensões, cotas e especificações
Memória descritiva do projeto
Estas normas servem para garantir que as frações são seguras, saudáveis e confortáveis para habitação ou utilização comercial.
Requisito 5: Identificação técnica e documentação clara
No contexto da propriedade horizontal, cada fração deve estar claramente identificada e documentada de forma inequívoca no título constitutivo e no registo predial.
Elementos de identificação:
Identificação única: letra maiúscula (A, B, C, etc.) ou número
Descrição detalhada em documento técnico (planta com escala)
Delimitação de todas as áreas: privativa e correspondente às partes comuns
Atribuição da permilagem (percentagem do valor total do prédio)
Listagem de todas as partes comuns associadas
A permilagem:
Este é um conceito importante que representa a percentagem ou "permilagem" do valor do edifício atribuída a cada fração. Determina a participação de cada proprietário nas despesas do condomínio e o peso do seu voto nas assembleias. É calculada com base na área útil, localização e características da fração.
Desafios comuns na verificação de independência
Na prática, nem todos os edifícios ou divisões propostas cumprem facilmente estes requisitos. Existem várias situações problemáticas que surgem frequentemente.
Problemas mais comuns:
Falta de acesso independente: Frações que apenas podem ser acedidas através de outras (impossível de regularizar)
Isolamento inadequado: Estruturas partilhadas ou paredes não resistentes
Utilitários partilhados: Sem contadores individuais de água ou eletricidade
Não-conformidade com regulamentos: Altura de pé-direito insuficiente ou falta de iluminação natural
Edifícios antigos: Muitos não possuem licença de utilização válida
Alterações não autorizadas: Divisões estruturais realizadas sem aprovação municipal
Quando estas situações ocorrem, a constituição de propriedade horizontal fica bloqueada até à resolução dos problemas identificados.
Casos especiais: Garagens, arrecadações e outros espaços
A legislação contempla situações particulares para certos tipos de frações que poderiam parecer não cumprir alguns requisitos de forma óbvia.
Garagens e arrecadações:
Não é necessário que sejam contíguas (lado a lado) com outras frações para constituir propriedade horizontal
Podem estar localizadas em áreas diferentes do edifício
Devem manter os requisitos de acesso independente e isolamento físico
Lojas ou espaços comerciais:
Podem ser constituídos como frações autónomas desde que cumpram os mesmos requisitos técnicos
Devem ter entrada independente (para a rua ou espaço comum)
Necessitam de utilitários independentes
Escritórios ou estúdios:
Seguem as mesmas regras de apartamentos e habitações
Devem ter acesso próprio e isolamento adequado
Cumprimento de normas de segurança e conforto
Documentação técnica que comprova a independência
Para validar legalmente a independência de frações, é essencial possuir documentação técnica completa e correta.
Documentos imprescindíveis:
Projeto de arquitetura aprovado pela Câmara Municipal
Plantas técnicas com escala e dimensões todas identificadas
Especificação de sistemas (eletricidade, água, gás, esgotos)
Memória descritiva explicando cada elemento técnico
Licença de utilização ou certificação de conformidade
Certidão de teor da descrição predial
Caderneta predial urbana atualizada
Quando estes documentos estão em ordem, o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser elaborado com segurança e o registo na Conservatória do Registo Predial pode proceder-se sem entravos.
Verificação de conformidade: Um passo essencial
Antes de iniciar qualquer processo de constituição de propriedade horizontal, é prudente que um profissional qualificado (arquiteto ou engenheiro) verifique se a estrutura existente cumpre realmente todos os requisitos técnicos.
Conselhos práticos:
Contratar uma vistoria técnica completa
Verificar a documentação existente junto da Câmara Municipal
Consultar o registo predial para compreender o histórico do imóvel
Identificar possíveis não-conformidades antes de investir em processos administrativos
Planear as correções necessárias se alguns requisitos não estiverem satisfeitos
Esta verificação prévia evita gastos desnecessários e frustração futura.
Para considerar
A independência verdadeira de uma fração autónoma não é um conceito vago, mas sim um conjunto muito objetivo de requisitos técnicos, estruturais e funcionais que a legislação portuguesa estabelece com clareza. Acesso próprio, isolamento físico adequado, utilitários independentes, conformidade regulamentar e documentação técnica clara são os pilares que sustentam esta independência.
Quando estes elementos estão presentes e devidamente comprovados, a constituição de propriedade horizontal pode proceder-se sem obstáculos. Contudo, quando algum deles falta ou está comprometido, o processo fica bloqueado até à regularização. Compreender estas exigências técnicas é essencial para qualquer pessoa envolvida em transações imobiliárias ou em processos de divisão de edifícios.
