Como calcular corretamente o Valor Relativo das Frações em Propriedade Horizontal
- Ana Carolina Santos

- 3 de dez.
- 5 min de leitura
Quando se constitui um edifício em regime de propriedade horizontal, surge uma questão fundamental: como determinar de forma justa a contribuição de cada proprietário nas despesas comuns? A resposta encontra-se no cálculo da permilagem ou valor relativo de cada fração, um conceito muitas vezes desconhecido pelos proprietários, mas essencial para compreender o funcionamento financeiro do condomínio.

O que é realmente o Valor Relativo de uma Fração?
O valor relativo de uma fração autónoma, também designado por permilagem ou percentagem, representa a proporção de propriedade de cada fração em relação ao valor total do edifício. Este valor, expresso em milésimos (daí o termo "permilagem"), determina não apenas a quota-parte nas despesas comuns, mas também o poder de voto em assembleia de condóminos.
A repartição justa começa aqui: uma fração com permilagem de 85/1000 corresponde a 8,5% do valor total do edifício e, por consequência, o seu proprietário contribui com essa mesma percentagem nas despesas de conservação das áreas comuns.
Por exemplo, um apartamento de três quartos com garagem e arrecadação pode ter uma permilagem de 160‰ (16%), enquanto um estúdio pode ter 50‰ (5%), simplesmente porque o primeiro representa um valor proporcionalmente superior no edifício.
O valor relativo não é igual à área útil. É comum pensar que uma fração com maior área terá necessariamente maior permilagem, mas não é assim tão linear. Uma fração de área ligeiramente inferior, mas melhor localizada, com melhor exposição solar ou acabamentos superiores, pode ter uma permilagem semelhante ou até superior a outra fração.
Enquadramento legal e Regulamentação em Portugal
Este sistema é regulado pelo artigo 1418.º do Código Civil português, que determina claramente:
"No título constitutivo serão especificadas as partes do edifício correspondentes às várias frações, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, e será fixado o valor relativo de cada fração, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio."
Isto significa que o cálculo do valor relativo não é realizado "à ocasião" pelos condóminos. Está obrigatoriamente fixado no título constitutivo da propriedade horizontal, um documento fundamental que deve acompanhar qualquer transação imobiliária. Este valor permanece inscrito na Caderneta Predial, onde também constam os dados identificativos da fração e do edifício.
O artigo 1424.º do Código Civil estabelece ainda que as despesas de conservação e fruição das partes comuns devem ser pagas na proporção do valor da fração, salvo acordo unânime em contrário registado em ata de assembleia.
A metodologia de Repartição: Como se calcula?
O cálculo da permilagem tem por base uma fórmula simples, mas que engloba uma avaliação complexa de diversos fatores:
Permilagem = (Valor ou área da fração / Valor ou área total do edifício) × 1000
Fatores considerados no cálculo
A determinação do valor relativo não é apenas uma questão aritmética. Os peritos que elaboram a avaliação inicial do edifício consideram múltiplos critérios:
Área útil da fração: a metragem interior do imóvel
Área dependente: garagens, varandas, terraços, arrecadações
Localização: o andar onde a fração se situa
Exposição solar e iluminação natural: aspetos de qualidade de vida
Acessibilidade: proximidade a escadas e ascensores
Qualidade dos acabamentos: materiais e nível de modernidade
Valor de Referência: Matriz Predial Urbana
O valor inicial das frações autónomas que serve de base para o cálculo das proporções deve reportar-se sempre à data da construção (conclusão da obra). Geralmente, corresponde ao valor patrimonial tributário atribuído ao imóvel aquando da primeira inscrição na matriz predial urbana, com base na declaração do construtor (modelo 1 do IMI).
Este valor representa, portanto, uma proporção do valor total atribuído ao prédio urbano e consta na Caderneta Predial de cada fração.
Aplicação prática: Como afeta as Quotas de Condomínio?
Compreender o valor relativo de uma fração é essencial para interpretar corretamente as quotas de condomínio que cada proprietário deve pagar mensalmente.
A fórmula de cálculo é simples:
Quota de Condomínio = Orçamento Anual × (Permilagem da Fração / 1000)
Exemplo prático concreto
Imagine um edifício com orçamento anual de 22 000 euros para despesas de conservação (ascensor, limpeza comum, água, seguros, etc.).
O seu apartamento tem uma permilagem de 30/1000. A sua contribuição anual será:
22 000 € × (30 / 1000) = 660 €
Isto corresponde a uma quota mensal de 55 euros.
Se outro proprietário tiver uma permilagem de 50/1000, pagará:
22 000 € × (50 / 1000) = 1 100 €
Correspondente a 91,67 euros mensais.
Mas note: se a assembleia do condomínio deliberar, por unanimidade, que as quotas sejam pagas em partes iguais em vez de proporcionais à permilagem, a distribuição muda significativamente. Nesse caso, o orçamento seria dividido igualmente pelo número de frações. Com 15 frações:
22 000 € / 15 = 1 466,67 €
Cada proprietário pagaria 122,22 euros mensais, independentemente da permilagem.
Direito de Voto em Assembleia
O valor relativo da fração também determina o poder de voto na assembleia de condóminos. Regra geral, cada proprietário tem direito a um número de votos proporcional à sua permilagem. Assim, proprietários de frações maiores têm maior influência nas decisões do condomínio.
Contudo, a assembleia pode deliberar, por unanimidade, que o direito de voto seja equitativo, atribuindo um voto a cada proprietário independentemente da permilagem.
Possibilidades de alteração e exceções
A regra geral estabelecida no título constitutivo não é imutável. Existem possibilidades de alteração:
Alteração por unanimidade: a assembleia pode deliberar que as despesas sejam distribuídas por critério diferente (por exemplo, em partes iguais)
Benefício nulo ou residual: em certos casos, como rés-do-chão que não utiliza elevador, a assembleia pode ajustar a repartição desde que a decisão fique claramente registada em ata
Rubricas específicas: é comum que certas despesas (como conservação da fachada) sigam repartição diferente da permilagem geral
Alerta importante: qualquer alteração ao sistema de repartição exige deliberação unânime e documentação clara. Alterações parciais ou informais são fonte comum de litígios.

Conselhos práticos: Como verificar a sua permilagem
Se é proprietário e deseja compreender a sua contribuição justa nas despesas do condomínio, siga estes passos:
Consulte a sua Caderneta Predial: aí encontrará a permilagem inscrita
Peça esclarecimentos ao administrador: solicite a documentação do título constitutivo
Referenciar-se à planta do edifício: compreenda o contexto do seu imóvel no conjunto
Solicite relatório detalhado: peça comparação com outras frações de dimensões similares
Compare com mercado: consulte valores de permilagem em edifícios similares na sua localidade
Não tenha vergonha de questionar. A transparência nas contas é direito de qualquer condómino e essencial para manter a confiança na administração do condomínio.
Em poucas palavras
O cálculo do valor relativo das frações em propriedade horizontal não é um exercício de complexidade desnecessária. É um sistema criado para garantir justiça, assegurando que cada proprietário contribui proporcionalmente pelo que possui e utiliza.
A permilagem, fixada no título constitutivo e inscrita na matriz predial urbana, determina não apenas a quota de condomínio a pagar, mas também o poder de decisão em assembleia. Compreender este sistema transforma-o de um número incompreensível numa ferramenta de clareza financeira. A transparência nas contas condominiais começa por aqui. Quando todos compreendemos como é repartido o valor do edifício, reduzem-se conflitos e reforça-se a confiança coletiva.



