Propriedade Horizontal: Do projeto à formalização da escritura
- Ana Carolina Santos
- 4 de dez.
- 5 min de leitura
A constituição de um edifício em regime de propriedade horizontal é um processo fundamental para quem pretende dividir um prédio em frações autónomas, permitindo que cada uma seja transacionada de forma independente. Em Portugal, este procedimento segue um conjunto de etapas rigorosamente definidas pela legislação, exigindo uma abordagem cuidadosa e sequencial.

O que é Propriedade Horizontal
A propriedade horizontal consiste na divisão de um imóvel único em frações autónomas, cada uma representando uma unidade independente com direito de propriedade individual. Diferencia-se do condomínio pela existência de áreas comuns partilhadas, cuja manutenção e conservação envolvem responsabilidades conjuntas. Cada fração autónoma constitui uma unidade distinta e isolada, com acesso próprio para uma parte comum do edifício ou para a via pública.
Este regime permite que cada proprietário detenha a sua fração de forma autónoma, podendo transmiti-la livremente, enquanto partilha com os demais proprietários a responsabilidade sobre as áreas de uso comum, como escadas, elevadores, fachadas e coberturas.
Etapa 1: Aprovação do projeto junto à Câmara Municipal
Antes de dar qualquer passo legal, é necessário garantir que o imóvel cumpre as normas urbanísticas e de habitabilidade exigidas pela legislação portuguesa.
Conselhos práticos:
Contratar um profissional com experiência em projetos de divisão (arquiteto ou engenheiro)
Elaborar o projeto de divisão do imóvel em frações autónomas
Submeter o projeto à Câmara Municipal para apreciação
Corrigir eventuais não-conformidades sinalizadas pelos técnicos municipais
A aprovação municipal garante que a divisão proposta respeita os regulamentos de urbanismo e habitabilidade aplicáveis. Nesta fase, a Câmara verificará aspetos como a circulação vertical, acessibilidade, segurança contra incêndios, e conformidade com planos de ordenamento do território.
Aspecto-chave: A aprovação do projeto municipal é condição sine qua non para os passos seguintes. Sem ela, o processo não avança.
Etapa 2: Obtenção da Licença de Utilização
A licença de utilização é um documento essencial que atesta que o prédio está apto para o fim pretendido (habitação, comércio ou outro). Sem este documento, não é possível proceder ao registo da propriedade horizontal.
Procedimento para obter a licença de utilização:
Certificar que todas as obras foram realizadas conforme o projeto aprovado
Solicitar inspeção técnica à Câmara Municipal
Submeter pedido formal e pagar as taxas associadas
Aguardar a emissão do documento
Situações especiais: Para edifícios construídos antes de 12 de agosto de 1951, que não sofreram alterações ou ampliações posteriores sujeitas a controlo municipal, é possível solicitar uma certidão de isenção de licença de utilização junto da autarquia. Esta isenção facilita o processo para imóveis antigos.
Etapa 3: Elaboração do Título Constitutivo e Escritura em Cartório Notarial
O título constitutivo da propriedade horizontal é o documento legal que estabelece e regulamenta toda a divisão do edifício. É neste documento que se encontram as regras às quais se vão subordinar os proprietários das frações autónomas.
Conteúdo obrigatório do título constitutivo:
Identificação e descrição detalhada de cada fração autónoma
Delimitação clara das áreas que constituem partes comuns
Permilagem de cada fração (percentagem do valor total do prédio)
Especificação da finalidade de cada fração (habitação, comércio, garagem, etc.)
Conteúdo facultativo, mas recomendado:
Regulamento de condomínio, disciplinando o uso e manutenção das áreas comuns e frações
Disposições sobre administração e gestão do condomínio
Previsão de compromisso arbitral para resolução de litígios
Normas sobre despesas comuns e quotas de cada condómino
A elaboração deve ser feita por um profissional qualificado, frequentemente com o apoio de um jurista com experiência em propriedade horizontal, para evitar lacunas ou inconsistências que poderiam originar problemas posteriores. O título é formalizado através de escritura pública em cartório notarial, da qual resultam cópias que serão utilizadas no processo de registo.
Etapa 4: Registo na Conservatória do Registo Predial
O registo na Conservatória do Registo Predial é o passo que oficializa e faz prova da constituição da propriedade horizontal. Apenas após este registo as frações passam a existir legalmente e podem ser negociadas.
Documentos necessários para o registo:
Título constitutivo devidamente reconhecido pelo notário
Licença de utilização (ou certidão de isenção, se aplicável)
Certidão do teor da descrição predial e inscrições em vigor
Caderneta predial actualizada
Comprovativo de pagamento das taxas de registo
Procedimento:
Apresentar a documentação completa na conservatória
Aguardar a verificação e validação dos documentos
Proceder ao pagamento das taxas de registo predial
Receber a confirmação do registo e cópias dos documentos
Após o registo, cada fração passa a ter uma descrição predial independente, permitindo a sua transmissão, hipoteca, ou outro tipo de negócio jurídico de forma autónoma.
Obstáculos comuns e soluções
Durante o processo de constituição de propriedade horizontal, é frequente deparar-se com desafios que importa conhecer e resolver atempadamente.
Falta de licença de utilização: Muitos edifícios antigos não possuem este documento. A solução passa por solicitar junto da Câmara Municipal uma certidão de isenção, para imóveis construídos antes de 1951 sem alterações posteriores sujeitas a controlo.
Inconsistências no título constitutivo: Erros na descrição das frações ou na permilagem podem impedir o registo. Estes erros requerem correção através de escritura pública ou documento particular autenticado, com acordo de todos os condóminos.
Alterações não autorizadas no imóvel: Se o prédio sofreu modificações estruturais ou na fachada sem autorização municipal, pode ser necessário obter um projeto de regularização. Este processo, embora moroso, é indispensável.
Não-conformidade com normas urbanísticas: Situações onde o projeto aprovado não corresponde à realidade construída exigem trabalho com técnicos para corrigir desconformidades.
Direitos e responsabilidades do proprietário de fração autónoma
Após a constituição da propriedade horizontal, cada proprietário adquire direitos e responsabilidades bem definidos.
Direitos:
Propriedade exclusiva e fruição independente da sua fração
Acesso e utilização das áreas comuns conforme a sua finalidade
Participação nas assembleias de condóminos
Eleição para cargos de administração do condomínio
Direito a informação sobre administração e gestão
Responsabilidades:
Pagamento da quota de condomínio (baseada na permilagem da fração)
Participação nas despesas de conservação das áreas comuns
Respeito pelas normas estabelecidas no título constitutivo
Cumprimento das determinações das assembleias de condóminos
Comunicação de anomalias nas áreas comuns
Em poucas palavras
A constituição de propriedade horizontal é um processo estruturado e necessário que transforma um imóvel único num conjunto de frações autónomas. As quatro etapas principais – aprovação do projeto, obtenção de licença de utilização, elaboração do título constitutivo e registo predial – devem ser executadas com rigor e sequência, respeitando a legislação portuguesa e as especificidades de cada situação.
Este caminho, embora exija atenção a pormenores técnicos e administrativos, oferece a segurança jurídica necessária para que cada fração exista legalmente e possa ser negociada de forma independente. A consultoria com profissionais qualificados – arquitetos, engenheiros, notários e juristas especializados – é não apenas recomendada, mas essencial para evitar problemas posteriores e garantir que todo o processo decorre conforme a lei exige.
Tem um projeto de propriedade horizontal em mente ou encontra-se numa das fases deste processo? A AC-Arquitetos disponibiliza-se para o apoiar desde a conceção do projeto até à formalização final. Entre em contacto connosco para uma consulta personalizada e descubra como podemos simplificar este percurso legal e técnico.
