Padrões Habitacionais Legais: As alterações introduzidas pela Portaria 243/84
- Ana Carolina Santos
- 9 de jul.
- 6 min de leitura
A habitação em Portugal enfrentou desafios únicos durante as décadas de 1970 e 1980, período marcado por uma significativa expansão urbana descontrolada. Milhares de famílias construíram as suas casas sem seguir os regulamentos oficiais, criando extensas áreas de construção clandestina. A Portaria n.º 243/84, de 17 de abril, surgiu como resposta pragmática a esta realidade, estabelecendo critérios mínimos de habitabilidade que permitissem a legalização de edificações existentes. A Portaria 243/84 representou um marco na legislação portuguesa ao reconhecer que nem todos os imóveis poderiam cumprir integralmente o RGEU, criando um caminho legal para a regularização.

O contexto histórico da Legislação
A realidade das construções clandestinas
Durante as décadas de 1960 e 1970, Portugal experimentou um crescimento urbano acelerado, impulsionado pela migração interna e pelo retorno de emigrantes. Esta pressão demográfica resultou no aparecimento de vastas áreas de construção clandestina, especialmente na periferia das grandes cidades.
A revogação do Decreto-Lei n.º 278/71 pelo Decreto-Lei n.º 804/76 criou um vazio legal que dificultava a apreciação e aprovação de projetos de legalização. Os serviços da Administração ficaram sem fundamentação jurídico-técnica adequada para lidar com esta realidade.
O dilema da aplicação integral do RGEU
O Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), aprovado em 1951, estabelecia padrões construtivos que a maioria das construções clandestinas não conseguia cumprir. A aplicação rigorosa destes critérios implicaria:
Demolições em larga escala com pesadas implicações económico-sociais
Investimentos vultosos para adequar as construções existentes
Impossibilidade prática de legalização para milhares de famílias
Agravamento da crise habitacional existente
As inovações da Portaria 243/84
Condições especiais de aplicação
A Portaria 243/84 estabeleceu um regime especial que só se aplica a edifícios que cumpram dois requisitos fundamentais:
Acesso independente - o edifício deve ter entrada própria
Possibilidade de ligação às infraestruturas - deve ser viável a conexão às redes gerais
Procedimento de Vistoria Técnica
A legislação tornou obrigatória a realização de vistoria técnica para análise das condições de segurança e habitabilidade, abrangendo também as edificações contíguas. Esta medida garante que a legalização não comprometa a segurança estrutural nem a salubridade dos imóveis vizinhos.
Alterações nas dimensões dos compartimentos
Redução das áreas mínimas
A Portaria introduziu tolerâncias significativas em relação ao RGEU:
Compartimentos gerais
Área mínima geral: 8 m² (redução face aos padrões anteriores)
Habitações com menos de 5 compartimentos: pelo menos um com 10,5 m²
Habitações com 5 ou mais compartimentos: pelo menos dois com 10,5 m²
Compartimentos de dimensão reduzida
Em situações específicas, a legislação permite compartimentos ainda menores:
Habitações com mais de 4 compartimentos: 1 compartimento pode ter apenas 7 m²
Habitações com mais de 6 compartimentos: 2 compartimentos podem ter apenas 7 m²
Exclusões do cálculo
Não são contabilizados como compartimentos:
Vestíbulos
Instalações sanitárias
Arrumos
Outros compartimentos de função similar
Especificidades das Cozinhas
A Portaria estabeleceu regras particulares para as cozinhas:
Área mínima padrão: 5 m²
Área mínima reduzida: 4 m² (quando a habitação tem menos de 4 compartimentos)
Flexibilidade funcional: reconhecimento de que cozinhas podem ter dimensões menores sem comprometer a habitabilidade
Modificações no Pé-Direito e Proporções
Altura mínima dos compartimentos
Uma das alterações mais significativas foi a redução do pé-direito mínimo:
Pé-direito padrão: redução para 2,35 m (face aos 2,40 m do RGEU)
Sótãos habitáveis: possibilidade de pé-direito inferior em metade da área
Águas-furtadas e mansardas: regime flexível para aproveitamento de espaços
Proporções dos compartimentos
A legislação manteve critérios de proporcionalidade para garantir a funcionalidade:
Comprimento máximo: não pode exceder o dobro da largura
Círculo inscrito: diâmetro mínimo de 1,8 m entre paredes
Cozinhas pequenas: círculo inscrito pode reduzir-se a 1,6 m (área inferior a 5 m²)
Alterações na Circulação e Acessos
Corredores e Circulação Interna
A Portaria estabeleceu critérios específicos para a circulação:
Largura mínima de corredores: 0,9 m nas habitações
Garantia de acessibilidade: manutenção da funcionalidade dos espaços
Flexibilidade construtiva: adaptação à realidade das construções existentes
Escadas em edifícios coletivos
Para edifícios com mais de 2 pisos ou 4 habitações servidas pela mesma escada:
Largura dos lanços: redução para 1 m (desde que não entre paredes)
Patins: largura não inferior à dos lanços
Degraus: largura mínima de 0,22 m e altura máxima de 0,193 m
Simplificação das Instalações Sanitárias
Redução de exigências
Uma das mudanças mais práticas foi a flexibilização das instalações sanitárias:
Uma casa de banho completa é suficiente para habitações com mais de 4 compartimentos
Eliminação de redundâncias desnecessárias
Foco na funcionalidade em vez da multiplicação de instalações
Esta alteração reconheceu que a qualidade habitacional não depende necessariamente da quantidade de instalações sanitárias, mas da sua adequação às necessidades dos utilizadores.
Obrigações de adequação
Demolições necessárias
A Portaria estabeleceu que deve ser garantida a demolição de paredes interiores quando exigida para a legalização do edifício. Esta disposição permite:
Adequação das dimensões dos compartimentos
Melhoria da distribuição interior
Cumprimento dos critérios mínimos estabelecidos
Otimização do espaço disponível
Ligação às Infraestruturas
A exigência de possibilidade de ligação às redes gerais garante:
Acesso a água potável através da rede pública
Saneamento adequado com ligação ao sistema público
Fornecimento de energia elétrica regulamentado
Integração urbana das construções legalizadas
Impacto social e económico
Benefícios para as famílias
A Portaria 243/84 trouxe benefícios concretos para milhares de famílias:
Segurança jurídica da propriedade
Acesso a crédito bancário com garantia hipotecária
Valorização imobiliária dos imóveis legalizados
Possibilidade de transação sem constrangimentos legais
Impacto Urbanístico
Do ponto de vista urbanístico, a legislação permitiu:
Integração de áreas clandestinas no tecido urbano oficial
Melhoria das condições de habitabilidade sem custos proibitivos
Ordenamento territorial de vastas áreas periféricas
Redução da pressão sobre o mercado habitacional formal
Procedimentos de aplicação
Vistoria Técnica obrigatória
O processo de legalização ao abrigo desta Portaria exige sempre vistoria técnica que deve analisar:
Condições estruturais do edifício
Segurança da construção e das edificações contíguas
Viabilidade de ligação às infraestruturas públicas
Conformidade com os critérios mínimos estabelecidos
Documentação necessária
Para beneficiar desta legislação, é necessário apresentar:
Projeto de legalização elaborado por técnico habilitado
Relatório de vistoria técnica favorável
Plantas atualizadas dos compartimentos
Demonstração da conformidade com os critérios mínimos
Limitações e Exclusões
Edificações não abrangidas
A Portaria não se aplica a:
Edifícios sem acesso independente ou com acessos partilhados
Construções sem viabilidade de ligação às redes
Edifícios com problemas estruturais graves
Construções que ponham em risco a segurança de terceiros
Critérios de exclusão
Não podem beneficiar do regime especial as construções que:
Não cumpram os requisitos mínimos de segurança
Apresentem riscos estruturais significativos
Impossibilitem a ligação às infraestruturas básicas
Comprometam o ordenamento territorial local

Evolução Legislativa posterior
Influência em Diplomas posteriores
A Portaria 243/84 influenciou a evolução da legislação urbanística portuguesa:
Reconhecimento da realidade das construções existentes
Flexibilização de critérios em situações específicas
Pragmatismo regulamentar face a problemas sociais
Equilibrio entre qualidade e acessibilidade habitacional
Precedente Regulamentar
Esta legislação criou um precedente importante ao demonstrar que é possível:
Adaptar regulamentos às circunstâncias sociais
Manter padrões de qualidade sem rigidez excessiva
Resolver problemas habitacionais através de soluções legais
Integrar construções informais no ordenamento oficial
Conselhos práticos para Proprietários
Antes de iniciar o processo
Para quem pretende legalizar uma construção ao abrigo desta Portaria:
Verificar os requisitos de acesso independente e ligação às redes
Contactar um técnico qualificado para avaliação preliminar
Medir rigorosamente todos os compartimentos
Identificar alterações necessárias para cumprimento dos critérios
Durante o processo
No decurso da legalização:
Acompanhar a vistoria técnica com atenção aos detalhes
Documentar todas as modificações realizadas
Manter comunicação regular com a Câmara Municipal
Respeitar os prazos estabelecidos no processo
Para considerar
A Portaria n.º 243/84 representa um marco na evolução do direito urbanístico português, demonstrando que a legislação pode ser simultaneamente rigorosa e pragmática. Esta norma reconheceu uma realidade social incontornável - a existência de milhares de habitações construídas à margem dos regulamentos oficiais - e criou um caminho legal para a sua integração no ordenamento jurídico.
As alterações introduzidas nos critérios de habitabilidade não representaram uma redução da qualidade habitacional, mas sim uma adequação inteligente dos padrões às circunstâncias existentes. A redução das áreas mínimas, a flexibilização do pé-direito e a simplificação das instalações sanitárias permitiram que milhares de famílias obtivessem segurança jurídica sem investimentos incomportáveis.
O sucesso desta legislação demonstra a importância de equilibrar o rigor técnico com a realidade social, criando soluções que protegem simultaneamente a qualidade de vida dos cidadãos e a sua capacidade económica. A Portaria 243/84 continua a ser uma referência na abordagem pragmática aos desafios habitacionais, inspirando desenvolvimentos legislativos posteriores que procuram resolver problemas concretos através de soluções juridicamente sólidas.
Esta experiência portuguesa mostra que é possível regular sem burocratizar excessivamente, mantendo padrões de qualidade adequados enquanto se oferece flexibilidade suficiente para resolver situações complexas herdadas do passado.
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