Propriedade Horizontal em Portugal: Benefícios e aspetos legais a considerar
- Ana Carolina Santos

- há 7 dias
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A propriedade horizontal constitui um regime jurídico fundamental no panorama imobiliário português, permitindo que diferentes partes de um edifício pertençam a proprietários distintos enquanto se partilham áreas comuns. Compreender este regime é essencial para quem adquire ou possui uma fração autónoma, seja um apartamento, loja ou escritório. Este post esclarece os principais benefícios deste sistema e os cuidados legais que devem ser observados.

O que define a propriedade horizontal
A propriedade horizontal é um regime previsto no Código Civil português (artigos 1414.º a 1438.º-A) e complementado pelo Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro. Este regime caracteriza-se pela coexistência de duas dimensões: a propriedade individual sobre uma fração autónoma e a compropriedade sobre as partes comuns do edifício.
Para que um edifício possa ser constituído em propriedade horizontal, cada fração autónoma deve ser uma unidade independente, distinta e isolada, com saída própria para uma parte comum do edifício ou para a via pública. Esta exigência legal garante que cada fração tenha autonomia funcional.
A propriedade horizontal permite a individualização das frações de um edifício, conferindo a cada proprietário autonomia sobre o seu espaço enquanto garante a gestão partilhada das áreas comuns.
Principais vantagens do regime
Redução de impostos
A constituição de um edifício em propriedade horizontal permite a divisão do valor patrimonial tributário por múltiplas frações, o que pode resultar numa redução significativa do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI). Quanto maior for a fração conjunta, maior tende a ser o índice percentual de custo sobre o imóvel. A divisão em frações autónomas permite uma carga fiscal mais equilibrada.
Liberdade de transação
Cada fração autónoma pode ser vendida, arrendada ou hipotecada de forma independente. Esta flexibilidade permite ao proprietário dispor da sua fração em qualquer momento sem necessidade de acordo dos restantes condóminos, desde que respeite as regras do condomínio.
Valorização patrimonial
A divisão de um edifício em frações autónomas tende a aumentar o potencial de valorização do imóvel. Ao permitir a comercialização individual de cada fração, o proprietário pode maximizar o retorno sobre o investimento.
Gestão clara e organizada
O regime de propriedade horizontal estabelece regras transparentes de gestão, definindo responsabilidades de cada proprietário e mecanismos de tomada de decisão através da assembleia de condóminos. Esta estrutura promove a conservação adequada do edifício e previne conflitos.
Processo de constituição de propriedade horizontal
Consulta inicial à Câmara Municipal
O primeiro passo é solicitar informação à Câmara Municipal onde o imóvel está inserido. É necessário obter uma declaração que confirme que o edifício cumpre todos os requisitos legais para constituição em propriedade horizontal.
Elaboração do projeto técnico
A constituição exige a preparação de documentação técnica completa:
Projeto de arquitetura aprovado pela Câmara Municipal.
Licença de utilização ou licença de construção.
Plantas de divisão das frações, com identificação de cada uma.
Caderneta predial atualizada.
Memória descritiva elaborada por técnico legalmente habilitado.
Realização de vistoria municipal
Na maioria dos municípios, a constituição de propriedade horizontal requer vistoria realizada pela Câmara Municipal. Esta vistoria verifica se o edifício cumpre os requisitos legais, se as partes comuns estão em condições de utilização e se cada fração autónoma dispõe de saída própria. A vistoria pode ser dispensada caso exista certificação de memória descritiva, desde que haja projeto de arquitetura aprovado.
Elaboração do título constitutivo
O título constitutivo da propriedade horizontal é o documento notarial que individualiza cada fração e fixa o valor relativo de cada uma, expresso em percentagem ou permilagem do valor total do edifício. Este documento deve especificar:
Descrição de todas as frações autónomas.
Identificação das partes comuns.
Permilagem de cada fração (valor proporcional da fração no conjunto do edifício).
Regulamento do condomínio (se aplicável).
Registo predial
Após elaboração do título constitutivo em escritura pública, este deve ser registado na Conservatória do Registo Predial. O registo confere eficácia jurídica plena à constituição da propriedade horizontal e permite a individualização matricial de cada fração.
Direitos e deveres dos condóminos
Direitos fundamentais
Propriedade plena sobre a fração: O condómino tem direito de usar, fruir e dispor da sua fração autónoma de forma livre, dentro das restrições impostas pelo regime.
Participação na administração: Todos os condóminos têm direito a participar e votar nas assembleias do condomínio, podendo ser eleitos para cargos de gestão.
Utilização das áreas comuns: Direito de aceder e utilizar as partes comuns (escadas, elevadores, jardins, garagens) de acordo com a sua finalidade.
Informação transparente: Os condóminos têm direito a receber informações claras sobre despesas, contas e decisões que afetam o condomínio.
Deveres essenciais
Pagamento das despesas comuns: Obrigação de contribuir para as despesas de manutenção, conservação e funcionamento das partes comuns, proporcionalmente à permilagem da fração.
Conservação da fração: Responsabilidade pela manutenção da própria fração e dever de não realizar atos que prejudiquem a estrutura do edifício ou as frações vizinhas.
Respeito pelas normas: Cumprimento das regras estabelecidas no título constitutivo, no regulamento do condomínio e nas deliberações da assembleia.
Participação no fundo de reserva: Contribuição obrigatória para o fundo comum de reserva, destinado a custear obras de conservação extraordinária.
Gestão do condomínio: assembleia e administração
Assembleia de condóminos
A assembleia é o órgão máximo de decisão do condomínio. Compete-lhe deliberar sobre:
Aprovação do orçamento anual e contas.
Eleição e destituição do administrador.
Realização de obras de conservação ou inovação nas partes comuns.
Aprovação ou alteração do regulamento do condomínio.
Fixação das quotas de condomínio.
As decisões são tomadas por maioria, calculada em função da permilagem de cada fração, salvo disposição em contrário no título constitutivo ou na lei.
Administrador do condomínio
O administrador é o órgão executivo responsável pela gestão corrente do condomínio. As suas principais obrigações incluem:
Regular o uso das coisas comuns e a prestação de serviços de interesse comum.
Realizar reparações e atos necessários à conservação das partes comuns.
Elaborar o orçamento anual e gerir as contas bancárias do condomínio.
Cobrar as receitas e pagar as despesas comuns.
Emitir a declaração de encargos anuais e eventuais dívidas (vulgo "declaração de dívida") no prazo de 10 dias após pedido do condómino.
Aspetos financeiros: permilagem e despesas
Cálculo da permilagem
A permilagem representa o valor proporcional de cada fração no conjunto total do edifício, expresso em partes por mil. O cálculo considera:
Área útil da fração.
Localização no edifício.
Finalidade (habitação, comércio, estacionamento).
Qualidade e acabamentos.
A permilagem determina dois valores fundamentais: a proporção a pagar na quota de condomínio e o número de votos na assembleia.
Tipos de despesas
Despesas ordinárias: Custos regulares de manutenção e funcionamento das partes comuns (limpeza, iluminação, água, elevadores, seguro do edifício). São pagas mensalmente através das quotas de condomínio.
Despesas extraordinárias: Obras de conservação extraordinária ou inovações aprovadas em assembleia (pintura geral do edifício, reparação do telhado, substituição de elevadores). São repartidas proporcionalmente à permilagem de cada fração.
Alterações à propriedade horizontal
A alteração da constituição de propriedade horizontal ocorre quando há modificação numa ou mais frações autónomas. Situações típicas incluem:
Divisão de uma fração em duas ou mais.
Fusão de duas frações numa única.
Alteração de permilagem.
A alteração requer aprovação unânime da assembleia de condóminos e deve ser formalizada em escritura pública, seguida de registo predial. O proprietário que promove a alteração deve comunicá-la ao administrador no prazo de 30 dias.
Transmissão de frações: nova legislação
Desde 2023, a transmissão de frações autónomas está sujeita a novas exigências. O condómino que pretenda vender a sua fração necessita de uma declaração escrita emitida pelo administrador, no prazo de 10 dias, indicando o montante de todos os encargos de condomínio e eventuais dívidas. Esta declaração é documento instrutório obrigatório para a escritura pública, salvo se o adquirente declarar expressamente que prescinde da mesma. A nova legislação protege o comprador, garantindo transparência sobre a situação financeira da fração.
Adicionalmente, o novo proprietário não é responsável pelo pagamento de obras nas partes comuns deliberadas antes da aquisição da fração. Esta regra clarifica a repartição temporal de responsabilidades entre antigo e novo proprietário.
Conselhos práticos para proprietários
Antes de adquirir uma fração, solicite a declaração de encargos ao administrador. Confirme que não existem dívidas pendentes e que o condomínio está regularmente gerido.
Participe ativamente nas assembleias de condóminos. A presença e votação garantem que a sua voz é ouvida nas decisões que afetam o edifício e as despesas futuras.
Mantenha registos completos de pagamentos de quotas e obras extraordinárias. Esta documentação é essencial em caso de venda ou litígio.
Respeite o regulamento do condomínio e as deliberações da assembleia. O incumprimento pode resultar em sanções pecuniárias ou ações judiciais.
Consulte profissionais qualificados (arquitetos, advogados, notários) antes de constituir propriedade horizontal ou realizar alterações. O processo envolve complexidades técnicas e legais que requerem conhecimento especializado.
Verifique se o título constitutivo está devidamente registado. O registo predial é essencial para a eficácia jurídica da constituição e para futuras transações.
Para considerar
A propriedade horizontal é um regime que equilibra autonomia individual e responsabilidade coletiva. Permite a gestão eficiente de edifícios com múltiplos proprietários, garantindo direitos claros e obrigações bem definidas. A constituição deste regime não é apenas uma formalidade administrativa, mas um instrumento que valoriza o património, reduz impostos e facilita transações.
A observância dos requisitos legais e a participação ativa na gestão do condomínio são fundamentais para o bom funcionamento do sistema. Proprietários informados e envolvidos contribuem para a conservação do edifício e para a harmonia entre condóminos. A transparência financeira, a manutenção regular das partes comuns e o respeito mútuo são pilares de um condomínio bem-sucedido.
Para quem pretende constituir propriedade horizontal ou adquirir uma fração autónoma, a assessoria profissional é altamente recomendada. Contacte a AC-Arquitetos para obter apoio na constituição de propriedade horizontal, elaboração de projetos técnicos e acompanhamento dos processos camarários necessários.



