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Proteção do Existente: Como funciona o Regime Transitório na Reabilitação de edifícios

  • Foto do escritor: Ana Carolina Santos
    Ana Carolina Santos
  • há 3 dias
  • 4 min de leitura

Atualizado: há 3 dias

O regime transitório constitui um dos pilares fundamentais do direito urbanístico português, estabelecendo um equilíbrio entre a necessidade de evolução das normas técnicas e a proteção dos direitos adquiridos pelos proprietários. Este mecanismo legal garante que as edificações não sejam penalizadas pela mera alteração da legislação ao longo do tempo.


Remodelação e reabilitação de um apartamento em Lisboa ao abrigo do artigo 60.º do RJUE
Remodelação e reabilitação de um apartamento em Lisboa ao abrigo do artigo 60.º do RJUE

Fundamento legal: O artigo 60.º do RJUE


O Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), através do seu artigo 60.º, consagra expressamente o princípio da proteção do existente. Esta disposição legal, que retoma um princípio já presente no antigo Regulamento Geral das Edificações Urbanas, estabelece regras claras para a realização de obras em construções já existentes.



Disposições fundamentais



O artigo 60.º estabelece quatro pontos essenciais:

  • Proteção integral do existente: As edificações construídas ao abrigo do direito anterior e as suas utilizações não são afetadas por normas legais e regulamentares supervenientes

  • Limitação de exigências: A licença de obras de reconstrução ou alteração não pode ser recusada com fundamento em normas supervenientes à construção originária

  • Condições de aplicação: Desde que as obras não originem ou agravem desconformidade com as normas em vigor

  • Benefício adicional: Ou tenham como resultado a melhoria das condições de segurança e salubridade da edificação



Como se aplica na prática


Obras abrangidas

O regime transitório aplica-se especificamente a:

  • Obras de reconstrução: Quando se reconstrói total ou parcialmente uma edificação existente

  • Obras de alteração: Modificações das características físicas sem aumento de área

  • Comunicação prévia: O regime aplica-se também na fiscalização sucessiva de obras sujeitas a este procedimento


Obras excluídas

É importante sublinhar que o regime não se aplica a:

  • Obras de ampliação: Que resultem no aumento da área de implantação, área total de construção ou altura da fachada

  • Obras que agravem desconformidades: Intervenções que criem ou intensifiquem incumprimentos das normas vigentes



Vantagens do Sistema


Para os Proprietários

O regime transitório oferece segurança jurídica aos proprietários, permitindo:

  • Manutenção de direitos adquiridos: Proteção contra alterações legislativas posteriores à construção

  • Viabilização de investimentos: Possibilidade de reabilitar edifícios sem exigir conformidade total com normas atuais

  • Flexibilidade na intervenção: Admite soluções que melhorem as condições existentes, mesmo que não atinjam padrões atuais


Para a Sociedade

Este mecanismo contribui para:

  • Recuperação do património construído: Incentiva a reabilitação em vez da demolição

  • Sustentabilidade urbana: Promove o aproveitamento do edificado existente

  • Equilíbrio económico: Evita custos desproporcionais de adaptação integral



O regime transitório representa um passo importante na recuperação do património construído, permitindo a realização de obras suscetíveis de melhorar as condições de segurança e salubridade sem impor sacrifícios desproporcionais aos proprietários.


Casos práticos de aplicação


Exemplo 1: Reabilitação de edifício do século XX

Um edifício construído em 1960, com pé-direito de 2,40 metros (inferior ao atual mínimo de 2,70 metros), pode ser objeto de obras de alteração para melhoria das instalações sanitárias ou da eficiência energética, sem necessidade de elevar o pé-direito, desde que as intervenções melhorem as condições de habitabilidade.


Exemplo 2: Adequação de estabelecimento comercial

Uma loja construída antes da entrada em vigor das atuais normas de acessibilidades pode ser remodelada interiormente, mantendo-se isenta das novas exigências, desde que a intervenção não agrave as condições de acessibilidade existentes.



Limites e cuidados especiais


Verificação de conformidade original

É fundamental comprovar que a edificação estava em conformidade com as normas vigentes à data da sua construção. Esta prova cabe ao requerente e pode ser feita através de:

  • Documentação original do projeto

  • Alvará de licença de construção

  • Outros documentos que comprovem a legalidade da construção


Análise Técnica rigorosa

As Câmaras Municipais devem avaliar cuidadosamente:

  • Se as obras propostas melhoram efetivamente as condições de segurança e salubridade

  • Se não existe agravamento de desconformidades

  • Se existe possibilidade técnica e económica de maior conformização



Articulação com outros regimes


Normas de Acessibilidades

O Decreto-Lei n.º 163/2006 estabelece regime específico para edificações existentes, prevendo prazos de adaptação diferenciados conforme a data de construção. Este regime articula-se com o princípio da proteção do existente, estabelecendo um equilíbrio entre exigências atuais e realidade edificada.


Património Classificado

Para imóveis classificados ou em vias de classificação, o regime transitório assume particular importância, permitindo intervenções de conservação e beneficiação sem comprometer os valores patrimoniais a preservar.


    Remodelação e reabilitação de um apartamento em Alfama ao abrigo do artigo 60.º do RJUE
Remodelação e reabilitação de um apartamento em Alfama ao abrigo do artigo 60.º do RJUE

Procedimento Administrativo


Instrução dos Pedidos

Os pedidos de licenciamento ou comunicação prévia de obras ao abrigo do regime transitório devem incluir:

  • Termo de responsabilidade do técnico responsável

  • Memória descritiva justificando a aplicação do regime

  • Documentação comprovativa da situação legal original

  • Projetos das especialidades quando aplicável


Análise Municipal

As Câmaras Municipais devem:

  • Verificar a aplicabilidade do regime ao caso concreto

  • Confirmar que as obras não agravam desconformidades

  • Avaliar os benefícios em termos de segurança e salubridade

  • Decidir com fundamento técnico adequado


Conselhos práticos

Para uma aplicação eficaz do regime transitório, recomenda-se:

  • Consulta prévia aos serviços municipais para esclarecimento sobre a aplicabilidade do regime

  • Documentação completa da situação legal original do edifício

  • Projeto técnico fundamentado que demonstre as melhorias propostas

  • Acompanhamento profissional qualificado durante todo o processo


Benefícios para a Reabilitação Urbana

O regime transitório constitui um instrumento fundamental para:

  • Dinamizar o mercado da reabilitação: Reduz incertezas e custos excessivos

  • Preservar o tecido urbano consolidado: Evita demolições desnecessárias

  • Promover a eficiência energética: Facilita intervenções de beneficiação térmica

  • Melhorar a qualidade habitacional: Permite atualizações funcionais importantes



Para considerar


O regime transitório em legislação urbanística representa um exemplo de como o direito pode evoluir mantendo equilíbrio entre progresso técnico e estabilidade jurídica. A proteção do existente não significa imobilismo, mas sim uma abordagem ponderada que valoriza o património construído enquanto permite a sua evolução qualitativa.

Este mecanismo legal torna-se particularmente relevante num contexto nacional onde a reabilitação urbana assume prioridade crescente face à necessidade de regeneração dos centros urbanos e de aproveitamento sustentável do edificado existente.

A aplicação criteriosa deste regime exige conhecimento técnico especializado e acompanhamento profissional adequado. A consulta a arquitetos e outros técnicos qualificados é essencial para assegurar que as intervenções se enquadram corretamente no âmbito da proteção do existente, maximizando os benefícios legais disponíveis.


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