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Regulamentação e Portarias na recuperação do Património edificado Português

  • Foto do escritor: Ana Carolina Santos
    Ana Carolina Santos
  • 10 de jul.
  • 7 min de leitura

A reabilitação de edifícios antigos em Portugal representa um desafio técnico e legal complexo, onde a aplicação rigorosa do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU) frequentemente colide com a realidade construtiva do passado. A Portaria n.º 243/84 surgiu como resposta pragmática a esta problemática, estabelecendo um equilíbrio entre a preservação do património edificado e as exigências de habitabilidade contemporâneas.

A legislação portuguesa reconhece que nem todos os edifícios antigos podem cumprir integralmente as normas atuais, criando instrumentos flexíveis que permitem a sua recuperação sem comprometer a segurança e habitabilidade.


Apartamento reabilitado e adaptado à Portaria 243/84, no Porto
Apartamento reabilitado e adaptado à Portaria 243/84, no Porto

RGEU: Fundamento da Construção Moderna


Origens e Objetivos

O Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38.382 de 7 de agosto de 1951, estabeleceu as bases técnicas da construção moderna em Portugal. Este documento normativo visa garantir:

  • Condições de segurança estrutural em todas as edificações

  • Padrões de habitabilidade adequados às necessidades humanas

  • Salubridade dos espaços construídos

  • Integração urbanística harmoniosa


Princípios Fundamentais

O RGEU assenta em princípios que permanecem válidos mais de 70 anos após a sua aprovação:


Segurança Estrutural

  • Resistência mecânica adequada dos materiais e estruturas

  • Estabilidade global dos edifícios

  • Proteção contra riscos sísmicos e climáticos

  • Durabilidade das soluções construtivas


Habitabilidade

  • Dimensões mínimas dos compartimentos

  • Iluminação e ventilação naturais adequadas

  • Isolamento térmico e acústico

  • Acessibilidade e circulação funcional



Realidade das Construções Clandestinas


Contexto Histórico

Durante as décadas de 1960 e 1970, Portugal enfrentou uma explosão urbana sem precedentes, resultante da migração interna e do retorno de emigrantes. Esta pressão demográfica levou ao aparecimento de vastas áreas de construção clandestina, especialmente nas periferias das grandes cidades.



Desafios Regulamentares

A aplicação integral do RGEU a estas construções apresentava obstáculos significativos:

  • Investimentos desproporcionais para adequação às normas

  • Demolições em massa com graves consequências sociais

  • Impossibilidade técnica de cumprir todas as exigências

  • Agravamento da crise habitacional existente



A Portaria 243/84: Solução Pragmática


Contexto Legislativo

A revogação do Decreto-Lei n.º 278/71 pelo Decreto-Lei n.º 804/76 criou um vazio legal que dificultava a legalização de construções clandestinas. A Portaria n.º 243/84 veio colmatar esta lacuna, estabelecendo condições mínimas de habitabilidade que permitiam a recuperação viável destas edificações.



Filosofia Regulamentar

A portaria baseia-se numa abordagem pragmática que reconhece:

  • A impossibilidade prática de aplicar integralmente o RGEU

  • A necessidade social de legalizar habitações existentes

  • O equilíbrio entre qualidade habitacional e viabilidade económica

  • A preservação do investimento familiar já realizado



Tolerâncias e Adaptações Técnicas


Dimensões dos Compartimentos

A Portaria 243/84 introduziu flexibilidade nas dimensões mínimas exigidas pelo RGEU:


Áreas Reduzidas

  • Compartimentos gerais: área mínima de 8 m² (redução face ao RGEU)

  • Habitações pequenas: pelo menos um compartimento com 10,5 m²

  • Habitações maiores: pelo menos dois compartimentos com 10,5 m²

  • Casos especiais: compartimentos de 7 m² em situações específicas


Cozinhas Adaptadas

  • Área padrão: 5 m² mínimos para cozinhas

  • Habitações pequenas: redução possível para 4 m²

  • Funcionalidade mantida: preservação da adequação ao uso



Pé-Direito e Proporções


Altura dos Compartimentos

  • Redução autorizada: de 2,40 m (RGEU) para 2,35 m

  • Sótãos habitáveis: flexibilidade adicional em metade da área

  • Águas-furtadas: aproveitamento de espaços sob cobertura


Geometria dos Espaços

  • Proporções equilibradas: comprimento máximo igual ao dobro da largura

  • Círculo inscrito: diâmetro mínimo de 1,8 m (1,6 m para cozinhas pequenas)

  • Funcionalidade garantida: manutenção da adequação ao uso



Critérios de Aplicação


Requisitos Fundamentais

A Portaria 243/84 estabelece condições claras para a sua aplicação:


Características do Edifício

  • Acesso independente: entrada própria, não partilhada

  • Ligação às redes: possibilidade de conexão às infraestruturas públicas

  • Viabilidade técnica: condições estruturais adequadas

  • Segurança garantida: ausência de riscos para ocupantes e vizinhos


Procedimentos Obrigatórios

  • Vistoria técnica: análise das condições de segurança e habitabilidade

  • Avaliação estrutural: verificação da estabilidade do edifício

  • Análise de vizinhança: impacto nas edificações contíguas

  • Projeto de adequação: definição das intervenções necessárias



Intervenções necessárias


Demolições Interiores

A portaria prevê expressamente a demolição de paredes interiores quando necessária para a legalização. Esta medida permite:

  • Adequar as dimensões dos compartimentos aos mínimos exigidos

  • Melhorar a distribuição funcional dos espaços

  • Criar áreas de circulação adequadas

  • Optimizar o aproveitamento do espaço disponível


Infraestruturas

  • Ligação à rede de água: acesso garantido a água potável

  • Saneamento básico: conexão ao sistema público de esgotos

  • Energia elétrica: instalação conforme as normas de segurança

  • Gás: quando aplicável, instalação regulamentar



Impacto na Reabilitação Urbana


Benefícios Sociais

A aplicação da Portaria 243/84 trouxe vantagens evidentes:


Para as Famílias

  • Segurança jurídica da propriedade

  • Acesso ao crédito bancário com garantia hipotecária

  • Valorização imobiliária dos imóveis legalizados

  • Possibilidade de transação sem constrangimentos legais


Para a Sociedade

  • Integração urbana de áreas anteriormente marginalizadas

  • Melhoria das condições de habitabilidade

  • Redução da pressão sobre o mercado habitacional formal

  • Preservação do investimento já realizado pelas famílias



Consequências Urbanísticas


Ordenamento Territorial

  • Regularização de vastas áreas periurbanas

  • Integração nas redes de infraestruturas públicas

  • Melhoria da qualidade ambiental urbana

  • Consolidação do tecido urbano existente


Gestão Municipal

  • Simplificação dos processos de legalização

  • Aumento da receita fiscal municipal

  • Melhoria dos serviços públicos prestados

  • Planeamento mais eficaz do desenvolvimento urbano



Evolução Regulamentar posterior


Influência em Diplomas seguintes

A filosofia da Portaria 243/84 influenciou desenvolvimentos legislativos posteriores:


Novos Regimes de Reabilitação

  • Decreto-Lei n.º 95/2019: novo enquadramento para reabilitação de edifícios

  • Portaria n.º 304/2019: requisitos funcionais específicos para edifícios antigos

  • Flexibilização controlada: manutenção de padrões de qualidade com adaptabilidade


Princípios mantidos

  • Pragmatismo regulamentar: adaptação às circunstâncias existentes

  • Equilíbrio social: consideração dos impactos económico-sociais

  • Qualidade habitacional: manutenção de padrões mínimos adequados

  • Viabilidade técnica: soluções tecnicamente sustentáveis



Aplicação prática contemporânea


Casos de aplicação atual

A Portaria 243/84 continua a ser aplicada em situações específicas:


Construções Rurais

  • Quintas tradicionais: adaptação de construções agrícolas para habitação

  • Aldeias históricas: recuperação de núcleos rurais antigos

  • Turismo rural: conversão de edifícios tradicionais

  • Segunda habitação: legalização de construções familiares


Centros Urbanos Antigos

  • Centros históricos: reabilitação de edifícios degradados

  • Bairros operários: recuperação de habitação social antiga

  • Zonas industriais: reconversão de antigas áreas produtivas

  • Crescimento orgânico: legalização de ampliações informais



Limitações e Desafios


Restrições de Aplicação

  • Edifícios sem acesso independente: exclusão do regime especial

  • Impossibilidade de ligação às redes: requisito fundamental não cumprido

  • Problemas estruturais graves: riscos inaceitáveis para a segurança

  • Incompatibilidade urbanística: conflito com instrumentos de planeamento


Questões Técnicas

  • Materiais desatualizados: necessidade de reforço ou substituição

  • Normas de segurança: adequação aos padrões contemporâneos

  • Eficiência energética: integração de medidas de sustentabilidade

  • Acessibilidade: adaptação para pessoas com mobilidade reduzida



Articulação com o RGEU


Complementaridade Regulamentar

A Portaria 243/84 não substitui o RGEU, mas complementa-o:


Aplicação Hierárquica

  • RGEU como referência: norma geral mantém-se válida

  • Portaria como exceção: aplicação em situações específicas

  • Critérios de qualidade: preservação dos objetivos fundamentais

  • Flexibilização controlada: adaptação sem comprometer a segurança


Critérios de escolha

  • Construções novas: aplicação integral do RGEU

  • Reabilitação major: tendencialmente aplicação do RGEU

  • Legalização de existente: possível aplicação da Portaria 243/84

  • Casos limite: análise casuística pelos serviços técnicos



Procedimentos Técnicos


Documentação necessária

Para aplicação da Portaria 243/84, é necessário apresentar:


Elementos obrigatórios

  • Levantamento rigoroso: plantas atualizadas de todos os pisos

  • Relatório de vistoria: análise técnica das condições existentes

  • Projeto de Legalização: definição das intervenções necessárias

  • Termo de responsabilidade: assumido por técnico habilitado


Estudos complementares

  • Avaliação estrutural: quando existam dúvidas sobre a estabilidade

  • Análise de infraestruturas: viabilidade de ligação às redes

  • Impacto na vizinhança: efeitos nas construções contíguas

  • Medidas corretivas: definição das obras necessárias



Processo de Aprovação


Fases do Procedimento

  • Instrução inicial: verificação da documentação apresentada

  • Análise técnica: avaliação da conformidade com os critérios

  • Vistoria municipal: confirmação das condições no local

  • Decisão fundamentada: aprovação ou rejeição do pedido


Prazos e Tramitação

  • Instrução: prazo para completar a documentação

  • Análise: período de avaliação pelos serviços técnicos

  • Vistoria: agendamento e realização da verificação local

  • Decisão: comunicação da deliberação municipal


Apartamento reabilitado e remodelado na Ramada
Apartamento reabilitado e remodelado na Ramada

Conselhos para Proprietários


Avaliação Preliminar

Antes de iniciar um processo de Legalização:


Verificação de Requisitos

  • Acesso independente: confirmar se existe entrada própria

  • Ligação às redes: verificar a viabilidade técnica das conexões

  • Estado de conservação: avaliar a necessidade de obras estruturais

  • Conformidade urbanística: consultar os instrumentos de planeamento


Preparação do Processo

  • Contactar técnico qualificado: arquiteto ou engenheiro civil

  • Reunir documentação: escrituras, plantas antigas, licenças anteriores

  • Orçamentar intervenções: estimar os custos das obras necessárias

  • Planear cronograma: definir prazos realistas para o processo



Durante o Processo


Acompanhamento Técnico

  • Supervisão especializada: acompanhamento por técnico experiente

  • Comunicação regular: contacto frequente com os serviços municipais

  • Documentação atualizada: manutenção de registos completos

  • Cumprimento de prazos: respeito pelos timings estabelecidos


Execução de Obras

  • Empreiteiro qualificado: seleção de profissional competente

  • Materiais adequados: escolha de produtos conformes às normas

  • Fiscalização: acompanhamento técnico da execução

  • Registo fotográfico: documentação das fases de obra



Perspetivas Futuras


Tendências Regulamentares

A evolução da legislação aponta para:


Maior Flexibilidade

  • Adaptação às realidades locais: consideração das especificidades regionais

  • Simplificação processual: redução da burocracia desnecessária

  • Agilização dos prazos: resposta mais rápida aos pedidos

  • Critérios funcionais: foco no desempenho em vez de prescrições rígidas


Sustentabilidade Integrada

  • Eficiência energética: integração obrigatória de medidas de poupança

  • Materiais sustentáveis: incentivo ao uso de produtos ecológicos

  • Economia circular: aproveitamento de materiais existentes

  • Impacto ambiental: minimização das consequências ecológicas



Inovação Tecnológica


Novos Materiais

  • Soluções de reforço: técnicas avançadas de consolidação estrutural

  • Isolamentos eficientes: materiais de alta performance térmica

  • Sistemas inteligentes: domótica aplicada à reabilitação

  • Produtos multifuncionais: soluções que combinam várias funcionalidades


Métodos Construtivos

  • Intervenção mínima: técnicas que preservam o máximo do existente

  • Reversibilidade: soluções que podem ser alteradas no futuro

  • Modularity: sistemas que facilitam adaptações posteriores

  • Automação: processos que reduzem a mão-de-obra necessária



Para considerar


O RGEU e a Portaria 243/84 representam dois pilares fundamentais da regulamentação portuguesa da construção, demonstrando como a legislação pode evoluir para responder às necessidades sociais sem comprometer os padrões de qualidade e segurança. Esta abordagem pragmática permitiu a integração de milhares de habitações no tecido urbano legal, contribuindo para a coesão social e territorial.

A experiência portuguesa na articulação entre normas rígidas e flexibilização controlada oferece lições valiosas para outros contextos onde o património edificado existente não cumpre integralmente as normas contemporâneas. O equilíbrio entre preservação, adaptação e melhoria das condições habitacionais é um desafio constante que requer soluções legislativas inovadoras e tecnicamente fundamentadas.

A reabilitação de edifícios antigos continuará a ser uma prioridade nas políticas urbanas portuguesas, especialmente num contexto de crise habitacional e de necessidade de sustentabilidade ambiental. A evolução regulamentar futura deverá manter o espírito pragmático da Portaria 243/84, adaptando-se às novas exigências de eficiência energética, acessibilidade e qualidade de vida, sem perder de vista a viabilidade económica das intervenções.



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