Responsabilidade Criminal em obras ilegais: O que está em causa?
- Ana Carolina Santos
- 8 de ago.
- 4 min de leitura
Quem já se aventurou numa remodelação, ampliação ou construção de raiz sabe que o mundo do licenciamento pode parecer um labirinto. Contudo, sair das “paredes” da lei não é apenas sinónimo de coimas municipais: em determinadas situações, a obra ilegal pode mesmo representar crime. Neste post sintetizamos as noções-chave da responsabilidade criminal associada às infracções urbanísticas em Portugal, para que construtores, investidores e proprietários saibam ao que estão sujeitos – e como evitar dores de cabeça (e de carteira).

Obras ilegais: da contra-ordenação ao crime
Nível de infracção | Enquadramento legal | Exemplos típicos | Consequências |
Contra-ordenação | Construir sem licença; usar sem autorização de utilização; ignorar livro de obra | Coimas até 450 000 € e sanções acessórias (ex.: embargo, demolição, cessação de uso) | |
Crime | Violar regras técnicas pondo em risco vidas ou património; prosseguir obra embargada; ocultar factos em licenciamento | Prisão até 3 anos ou multa; perda de material; obrigação de reparar/demolir |
Todas as obras não licenciadas são ilícitas, mas só algumas configuram crime. O que faz a diferença é a existência de perigo para pessoas ou bens, a desobediência deliberada às ordens da autoridade ou a falsidade de informação prestada.
Quando é que a obra ilegal é crime?
Infração de regras de construção (art.º 277.º CP)
Quem pode ser acusado? Autor de projecto, director de obra, empreiteiro, fiscalização ou mesmo o dono da obra, se intervier tecnicamente.
Que conduta basta? Planear, dirigir ou executar obra contrariando normas legais, regulamentares ou técnicas criando perigo para a vida, integridade física ou bens de valor elevado.
Pena: prisão até 3 anos ou multa.
Exemplo: adicionar um piso sem cálculo estrutural e sem projecto, colocando em risco o colapso da edificação.
Violação de regras urbanísticas por funcionário (art.º 382.º-A CP)
Aplica-se a: técnicos municipais ou membros de entidades licenciadoras.
Conduta: autorizar ou informar favoravelmente um processo, sabendo-o ilegal.
Pena: prisão até 3 anos (5 anos em áreas protegidas) ou multa.
Desobediência às ordens de embargo (art.º 348.º CP)
Se… a Câmara embarga a obra e os trabalhos continuam.
Pena: prisão até 1 ano ou multa até 120 dias, sem prejuízo de novas coimas e demolição.
Obras em imóvel classificado ou protegido (art.º 278.º-A CP)
“Apenas” contra-ordenação? Atenção aos valores
Mesmo quando não há crime, as contra-ordenações previstas no RJUE podem ser pesadas:
Obra sem licença / comunicação prévia
Pessoa singular: 500 € a 200 000 €
Pessoa colectiva: 1 500 € a 450 000 €
Desvio ao projecto licenciado
Mesmos intervalos de coima, agravados se existir comunicação prévia.
Ocupação sem autorização de utilização
Até 100 000 € (singular) ou 250 000 € (colectiva).
E não ficam por aqui:
Sanções acessórias: demolições, encerramento de estabelecimentos, perda de subsídios, interdição de exercer actividade.
Custos indirectos: embargo prolongado, juros de financiamento, perda de arrendatários ou compradores.
Como evitar o lado negro da obra?
Conselhos práticos
Planeie antes de demolir ou construir. Consulte previamente arquitecto, engenheiro e Câmara Municipal sobre o enquadramento da sua intenção.
Peça licença ou use comunicação prévia consoante o caso – e aguarde a decisão ou o termo do prazo legal.
Guarde todos os projectos com termo de responsabilidade e assegure que os autores estão inscritos na sua Ordem Profissional.
Mantenha o livro de obra actualizado e no local do estaleiro.
Respeite o projecto aprovado – qualquer alteração relevante exige adenda e deferimento.
Não subestime as normas de segurança, acessibilidade e eficiência energética. Violá-las arrisca a acusação de perigo concreto.
Se receber um embargo, pare de imediato e procure regularizar. Desobedecer é crime.
Faça manutenção pós-obra. Edifícios degradados que ponham em perigo terceiros podem levar a medidas coercivas ou sanções penais.

Responsabilidade criminal além da obra
Sócios e gerentes de empresas construtoras respondem criminalmente se dirigirem ou consentirem práticas ilegais.
Pessoas colectivas também podem ser condenadas quando o crime for cometido no seu interesse ou benefício.
Técnicos que assinam projectos “de favor” sem verificar as condições reais incorrem em crime de falsidade e infracção técnica.
Para considerar
Construir fora das regras pode parecer, à primeira vista, uma forma de “acelerar o processo” ou poupar custos. A realidade mostra o contrário: os riscos criminais, financeiros e reputacionais superam largamente qualquer ganho imediato. A legislação portuguesa é clara ao punir quem põe em causa a segurança, o património colectivo e a confiança no ordenamento do território.
Na dúvida, procure sempre apoio especializado desde a fase de conceito até ao acompanhamento em obra. Cumprir é mais barato do que remediar – e evita ficha criminal.