Salvaguarda de árvores e espaços verdes em centros urbanos
- Ana Carolina Santos
- 3 de jul.
- 3 min de leitura
O artigo 126.º do RGEU (Regulamento Geral das Edificações Urbanas) estabelece uma protecção especial que muitos desconhecem: árvores e maciços arbóreos situados em propriedades privadas podem beneficiar de classificação de interesse público, impedindo o seu corte ou supressão. Esta disposição legal, em vigor desde 1951 mas pouco conhecida do público geral, constitui um pilar fundamental da preservação do património verde urbano em Portugal.

"A protecção legal das árvores urbanas não se limita ao espaço público – também se estende ao domínio privado quando existe manifesto interesse público."
1. Enquadramento legal da protecção arbórea
O que diz o RGEU sobre árvores protegidas
O artigo 126.º estabelece que árvores ou maciços de arborização situados em terrenos particulares podem ser oficialmente classificados como de manifesto interesse público quando possuam características especiais de:
Porte excecional para a espécie e localização
Beleza que contribua para a valorização da paisagem urbana
Condições de exposição que as tornem elementos de referência visual
Valor histórico ou cultural associado à árvore ou conjunto arbóreo
Proteção reforçada pela nova legislação
A Lei n.º 59/2021, de 18 de agosto, veio reforçar significativamente a protecção do arvoredo urbano, estabelecendo um regime jurídico específico de gestão que abrange:
Património arbóreo dos domínios público e privado municipais
Arvoredo do Estado em meio urbano
Árvores classificadas de interesse público ou municipal
Espécies protegidas por legislação específica
2. Procedimentos de classificação e protecção
Classificação de interesse público
Competência do ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas):
Critério de Avaliação | Elementos considerados |
Representatividade | Espécies raras ou em risco de extinção local |
Dimensões | Porte excecional, diâmetro do tronco, altura |
Idade | Exemplares centenários ou com valor histórico |
Valor paisagístico | Integração harmoniosa na paisagem urbana |
Significado cultural | Associação a eventos históricos ou tradições locais |
Classificação de interesse municipal
Responsabilidade das Câmaras Municipais, mediante:
Inventário municipal do património arbóreo
Regulamento específico de gestão do arvoredo urbano
Plataforma digital para consulta pública e denúncias
Plano municipal de arborização de longo prazo
3. Restrições e obrigações legais
Interdições absolutas
Nas árvores classificadas é proibido:
Corte ou abate sem autorização específica
Podas excessivas que alterem a forma natural
Danos intencionais ao sistema radicular
Alterações do solo que prejudiquem a árvore
Construções que comprometam o desenvolvimento
Intervenções condicionadas
Apenas permitidas com autorização prévia:
Podas de segurança por motivos comprovados
Podas de manutenção na época adequada
Tratamentos fitossanitários por técnicos qualificados
Obras no envolvimento com medidas de protecção
4. Responsabilidades dos proprietários
Dever de conservação
Os proprietários de terrenos com árvores protegidas devem:
Manter as árvores em bom estado de conservação
Comunicar problemas de saúde da árvore às autoridades
Solicitar autorização antes de qualquer intervenção
Garantir acesso para vistorias técnicas quando solicitado
Consequências do incumprimento
A supressão não autorizada de árvores protegidas constitui:
Contraordenação punível com coima
Obrigação de reposição dos exemplares abatidos
Indemnização pelos danos ambientais causados
Responsabilidade civil por prejuízos a terceiros

5. Benefícios da arborização urbana protegida
Serviços ambientais quantificáveis
As árvores urbanas proporcionam benefícios mensuráveis:
Captura de CO₂: Até 22 kg anuais por árvore adulta
Produção de oxigénio: Suficiente para duas pessoas por dia
Retenção de água: Até 150 litros de água da chuva por ano
Redução térmica: Diminuição de 2-5°C na temperatura local
Filtragem do ar: Remoção de partículas poluentes e poeiras
Valorização imobiliária
Estudos demonstram que a presença de arvoredo protegido:
Aumenta o valor dos imóveis entre 5% a 15%
Melhora a classificação energética dos edifícios
Reduz custos de climatização no verão
Cria ambientes mais atractivos para investimento
6. Instrumentos municipais de gestão
Planos municipais de arborização
Documentos estratégicos que definem:
Diagnóstico do património arbóreo existente
Metas de plantação para os próximos 20-30 anos
Espécies adequadas ao clima e solo locais
Locais prioritários para novas plantações
Metodologias de manutenção e protecção
Regulamentos específicos
Cada município deve elaborar regulamento contendo:
Regras técnicas de plantação e manutenção
Procedimentos de autorização de intervenções
Critérios de classificação municipal
Sanções por incumprimento
Compensações por remoção autorizada
Para refletir
A protecção das árvores em meio urbano representa um investimento no futuro das cidades portuguesas. O cumprimento escrupuloso da legislação vigente não só preserva o património natural como valoriza o património construído. A classificação oficial de árvores ou conjuntos arbóreos, seja ao nível nacional ou municipal, constitui uma ferramenta poderosa de ordenamento territorial que equilibra direitos privados com interesses colectivos.
As recentes alterações legislativas reforçaram significativamente os poderes de fiscalização e as responsabilidades dos proprietários, exigindo maior rigor no planeamento de intervenções que possam afectar o arvoredo urbano. A criação obrigatória de inventários municipais e regulamentos específicos promete melhorar substancialmente a gestão do património arbóreo nas próximas décadas.
Alertas importantes:
Consulte sempre as autoridades competentes antes de intervir em árvores de grande porte
Verifique se existe classificação oficial das árvores no seu terreno
Mantenha-se informado sobre os regulamentos municipais específicos da sua área
Considere o valor acrescentado das árvores no planeamento de projectos de construção