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Transformar espaço comercial em escritório: Fatores cruciais de viabilidade

  • Foto do escritor: Ana Carolina Santos
    Ana Carolina Santos
  • há 5 dias
  • 7 min de leitura

A transformação de um espaço comercial — seja loja, galeria ou outro local de atividade comercial — num escritório é prática crescente no mercado imobiliário português. Proprietários e investidores reconhecem oportunidades económicas significativas, especialmente em contextos onde o comércio presencial enfrenta desafios, mas a procura de espaços de trabalho se mantém robusta. Contudo, a conversão não é meramente uma questão de remoção de mobiliário ou reorganização de divisórias. Em Portugal, o processo está sujeito a enquadramento regulatório rigoroso, avalições técnicas e procedimentos administrativos obrigatórios. Este post detalha os fatores essenciais que proprietários e gestores devem considerar antes de iniciar qualquer alteração de uso para escritório.


Piso superior de loja convertida em escritório, em Lisboa
Piso superior de loja convertida em escritório, em Lisboa

O que é considerado uma Alteração de Uso para efeitos legais?


A alteração de uso é uma operação urbanística específica, definida pelo Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99. Não se trata simplesmente de mudar a atividade exercida num espaço — trata-se de modificação legal da destinação da fracção ou edifício.​



Distinção crítica: Alteração de Uso vs. simples mudança de atividade


Este ponto é fundamental para compreender a legalidade e os procedimentos necessários:

Simples mudança de atividade — quando se muda o tipo de atividade comercial mantendo a classe de uso (por exemplo, de loja de vestuário para loja de alimentos). Esta situação não requer comunicação ao município, apenas cumprimento de requisitos específicos do tipo de atividade (licenças de negócio, registos nas Finanças, etc.).

Alteração de uso — quando se muda a classe de uso. Por exemplo, converter loja ou espaço comercial em escritório constitui alteração de uso, porque modifica a categoria jurídica da destinação do espaço, passando de "comércio" para "serviços/escritório". Esta situação requer procedimento administrativo junto da Câmara Municipal.​

A distinção é relevante porque a alteração de uso submete o interessado a verificações regulatórias adicionais que a simples mudança de atividade não implica.



Primeira verificação: Conformidade com Regulação Municipal e Urbanística


Antes de qualquer procedimento administrativo, é obrigatório verificar se a alteração de uso para escritório é sequer permitida no local específico do imóvel.


Consulta do Plano Diretor Municipal

O Plano Diretor Municipal (PDM) estabelece, para cada zona do território, quais as utilizações permitidas e proibidas. Alguns PDMs estabelecem zonas vedadas à instalação de escritórios ou exigem certos requisitos adicionais. Por exemplo:

  • Áreas designadas exclusivamente para habitação podem não permitir escritórios

  • Áreas de comércio tradicional podem ter restrições

  • Centros históricos podem ter regulamentações específicas

  • Zonas de crescimento sustentável podem exigir conformidade com critérios ambientais ou de acessibilidade

Procedimento: Contacte a Câmara Municipal ou aceda ao website do município para consultar o PDM e identificar se a localização permite transformação em escritório.



Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação

Para além do PDM, o município pode ter regulamento específico que establece requisitos adicionais para escritórios. Estes podem incluir:

  • Requisitos de área mínima ou máxima

  • Requisitos de estacionamento

  • Requisitos de acessibilidade

  • Exigências de materiais ou padrões estéticos

  • Períodos de funcionamento ou restrições ambientais

Procedimento: Solicite cópia do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação à Câmara Municipal ou consulte no website.



Propriedade Horizontal e Regulamento de Condomínio

Se o imóvel está inserido em propriedade horizontal (condomínio), o regulamento do condomínio pode proibir ou restringir a conversão em escritório. Algumas cláusulas condominiais estabelecem, por exemplo, que determinadas fracções só podem ser utilizadas para fins comerciais tradicionais ou habitacionais.

Procedimento: Consulte o regulamento do condomínio e, se necessário, solicite parecer formal do administrador do condomínio sobre a viabilidade da alteração. Caso o regulamento exija, pode ser necessário obter aprovação de assembleias de condóminos.


Verificação antecipada de conformidade urbanística economiza meses e evita investimento em processos administrativos que serão indeferidos.


Procedimento Administrativo: Comunicação Prévia com Prazo


Após confirmar que a alteração de uso é permitida, o proprietário deve submeter comunicação prévia à Câmara Municipal, regulada pelo artigo 62.º-B do RJUE.​


Documentação obrigatória

A submissão deve incluir:

  1. Termo de responsabilidade — subscrito por profissional habilitado (arquiteto ou engenheiro), confirmando:

    • Conformidade da utilização prevista com normas legais e regulamentares que fixam usos e utilizações admissíveis

    • Idoneidade do edifício ou fracção para a finalidade pretendida (escritório)

    • Identificação de alterações ou obras necessárias para garantir adequação

  2. Identificação do titular — pessoa singular ou colectiva, com NIF

  3. Descrição do edifício — localização, tipologia, características gerais

  4. Especificação da nova utilização — "escritório" ou "serviços de escritório"

  5. Documentação complementar — conforme exigências municipais específicas (pode incluir projetos de alteração se obras forem necessárias)


Prazos e Processamento

A Câmara Municipal tem 20 dias úteis para analisar a comunicação. Decorrido este prazo, sem contestação expressa, o uso pode ser alterado imediatamente.

No entanto, a Câmara Municipal pode, dentro deste prazo, determinar a realização de vistoria se:

  • O termo de responsabilidade não estiver completo

  • Existirem indícios sérios de que o edifício não é idóneo para fins de escritório

Se vistoria for determinada, deve ser realizada no prazo de 15 dias, com notificação prévia ao proprietário.



Idoneidade do espaço: Critérios técnicos obrigatórios


O conceito de "idoneidade" é central na alteração de uso. O edifício deve ser idóneo — isto é, adequado — para funcionar como escritório em condições de segurança, salubridade e funcionalidade.​


Infraestruturas fundamentais

Qualquer espaço a converter em escritório deve dispor de:

  • Abastecimento de água: Ligação à rede pública ou sistema privado adequado

  • Saneamento: Ligação à rede pública de esgotos ou sistema equivalente

  • Eletricidade: Instalação segura, conformidade com normas técnicas, capacidade adequada à carga de trabalho

  • Ventilação: Sistemas que garantam qualidade do ar interior, seja natural ou mecânica

  • Aquecimento/climatização: Adequados às condições climáticas locais


Espaço e configuração

  • Configuração: Espaço deve ser configurável para funções de trabalho — mesas, computadores, reuniões, circulação

  • Altura livre: Pé-direito (altura do chão ao teto) deve ser adequado, sem restrições específicas para escritórios, mas recomendado, no mínimo de 2,7 metros para ambientes de trabalho confortáveis


Instalações Sanitárias

Para escritório, a legislação exige:

  • Mínimo 1 casa de banho acessível, com lavatório, sanita e duche/banheira

  • Requisitos específicos: Área mínima de 3,5 a 4,5 m² conforme características do espaço


Segurança Contra Incêndios

A segurança contra incêndios é requisito obrigatório, regulado pelo Decreto-Lei n.º 220/2008. Isto inclui:​

  • Rotas de emergência: Caminhos claramente identificados para evacuação

  • Saídas de emergência: Mínimo 2 saídas independentes se o espaço tiver mais de certa área

  • Sinalização: Placas de segurança e indicação de saídas

  • Equipamento de combate a incêndios: Extintores, hidrantes ou sistemas automáticos conforme o caso

  • Plano de evacuação: Documento que especifica procedimentos em caso de emergência

Para escritórios pequenos (até 250 m² e ocupação até 50 pessoas), os requisitos podem ser simplificados, mas devem ser sempre cumpridos.


Acessibilidade

Se o espaço estiver numa zona de acesso público e for grande, deve cumprir com requisitos de acessibilidade para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, conforme o Decreto-Lei n.º 163/2006. Isto inclui:​

  • Acesso sem barreiras

  • Portas com largura adequada

  • Instalações sanitárias acessíveis

  • Parqueamento acessível (se aplicável)



Obras necessárias para adequação


Na maioria dos casos, a simples alteração de uso não é suficiente. O espaço pode necessitar de obras para adequar-se aos critérios de idoneidade.


Tipos de obras comuns

  • Instalação ou reorganização de instalações sanitárias — muitos espaços comerciais têm instalações mínimas

  • Reforço de ventilação — instalação de sistemas de ar condicionado ou ventilação mecânica

  • Adequação de sistemas de segurança contra incêndios — instalação de equipamentos, sinalização, reorganização de saídas

  • Reparação ou reforço de estrutura — caso exista degradação

  • Reconfiguração de divisões — para criar espaços funcionais de trabalho


Procedimento para obras

Se as obras necessárias implicam alterações estruturais ou modificação da fachada, podem estar sujeitas a licenciamento adicional. Nestes casos, será necessário:

  1. Submeter projeto de alteração à Câmara Municipal

  2. Obter licença de obra (procedimento separado)

  3. Executar obras sob supervisão

  4. Realizar vistoria de conclusão de obra

Se as obras são simples e não alteram estrutura ou fachada, podem estar isentas de licenciamento adicional.


Loja em Lisboa convertida em escritório
Loja em Lisboa convertida em escritório

Alteração de Registo Predial e Título de Utilização


Após conclusão bem-sucedida do processo e eventual execução de obras, é obrigatório alterar:


Licença de Utilização

A Câmara Municipal deve emitir nova licença de utilização (ou certificado de conformidade) indicando que o espaço agora é autorizado para escritório. Este documento é fundamental para:

  • Venda ou arrendamento do imóvel

  • Obtenção de financiamento bancário

  • Prova de conformidade perante autoridades


Registo Predial

A alteração de uso deve ser comunicada e registada na Conservatória do Registo Predial. Isto garante que, no registo público de propriedades, o imóvel aparece com a sua nova destinação. Esta alteração é importante não apenas para conformidade legal, mas também para evitar futuras disputas sobre a utilização legítima do espaço.



Erros frequentes que devem ser evitados


Ignorar verificações preliminares

Muitos proprietários iniciam o processo administrativo apenas para descobrir, meses depois, que o PDM proíbe escritórios na zona, ou que o regulamento do condomínio impede a alteração. Verifique tudo antecipadamente.


Submeter documentação incompleta

O termo de responsabilidade do técnico deve ser rigoroso e detalhado. Documentação incompleta ou genérica resulta em devoluções e prolongamento do processo.


Não avaliar obras necessárias

Alguns proprietários subestimam as obras necessárias para adequação do espaço. Isto resulta em custos ocultos durante o processo. Contrate avaliação técnica inicial para identificar todas as obras necessárias.


Iniciar exploração antes de autorização final

Utilizar o espaço como escritório antes da aprovação formal constitui violação legal. Aguarde sempre a resposta oficial da Câmara Municipal e obtenção do novo título de utilização.


Não manter conformidade contínua

Após obtenção da autorização, o proprietário permanece obrigado a manter o espaço conforme os padrões de segurança, salubridade e funcionalidade. Negligência resulta em notificações e potencial clausura.



Conselhos práticos para sucesso


Procure consultoria qualificada

A complexidade do processo exige assessoria de profissionais especializados. Um arquiteto ou engenheiro com experiência em alteração de usos pode:

  • Avaliar a viabilidade técnica e legal antecipadamente

  • Identificar todas as obras necessárias

  • Preparar documentação de qualidade

  • Representar o proprietário perante a Câmara Municipal

O investimento em consultoria de qualidade é recuperado pelo tempo poupado e por erros evitados.


Documente completamente a propriedade

Antes de iniciar qualquer procedimento, reúna:

  • Caderneta Predial Urbana (certidão do registo predial)

  • Certidão Permanente

  • Licença de utilização atual

  • Projeto de construção original (se disponível)

  • Processo de obras junto da Câmara Municipal

  • Regulamento do condomínio (se aplicável)

  • Certidões e autorizações anteriores

Esta documentação acelera o processo e previne surpresas.


Contacte a Câmara Municipal para orientação prévia

Antes de investir recursos, contacte a Câmara Municipal e solicite:

  • Confirmação de que a alteração é permitida no PDM

  • Identificação de requisitos específicos do regulamento municipal

  • Orientação sobre documentação necessária

  • Tempo médio de processamento

Muitos municípios oferecem serviço de "informação prévia" não vinculativo mas orientador.


Implemente a conformidade desde o início

Desde o momento em que o espaço é autorizado para escritório, implemente sistemas e práticas que garantam conformidade contínua:

  • Manutenção regular de instalações

  • Testes periódicos de segurança contra incêndios

  • Registos de inspeções e reparações

  • Atualização de seguros



Para considerar


A transformação de espaço comercial em escritório é processo totalmente viável e frequentemente economicamente atrativo. Contudo, o sucesso depende de compreensão completa do enquadramento regulatório e de avaliação técnica rigorosa da idoneidade do espaço.

A subestimação dos requisitos legais ou das obras necessárias resulta em atrasos significativos, custos incrementais inesperados e, em casos extremos, em impossibilidade de prosseguir com o projeto. Inversamente, proprietários que se informam adequadamente, contratam profissionais qualificados e cumprem rigorosamente com procedimentos administrativos encontram percurso relativivamente expedito para alteração de uso.

Espaço comercial bem convertido em escritório, com conformidade legal completa, torna-se ativo imobiliário resiliente, com procura robusta e valorização sustentada no mercado.

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