Informação Prévia e Consultas Técnicas: As Entidades que decidem o futuro do seu projeto
- Ana Carolina Santos

- 30 de out.
- 9 min de leitura
Iniciar um projeto de construção, ampliação ou alteração de um imóvel em Portugal é um processo que envolve múltiplas etapas administrativas e técnicas. Entre os instrumentos mais relevantes para quem pretende avançar com uma operação urbanística encontra-se o Pedido de Informação Prévia (PIP). Este procedimento facultativo permite obter, antecipadamente, uma resposta clara sobre a viabilidade da operação pretendida, os condicionamentos aplicáveis e o procedimento de controlo prévio a que ficará sujeito.
Contudo, um aspeto frequentemente desconhecido ou subestimado por quem não domina a área urbanística é o papel das entidades externas no processo. São diversas as organizações públicas – desde organismos da administração central até entidades concessionárias – que podem ter de se pronunciar sobre um projeto. A forma como estas consultas técnicas são realizadas, quem as coordena, os prazos envolvidos e os efeitos dos pareceres emitidos são elementos cruciais que podem determinar o sucesso ou o atraso significativo de qualquer pretensão.
Este post esclarece o funcionamento do sistema de consultas técnicas no âmbito da informação prévia, identificando as entidades envolvidas, o papel de cada uma e os mecanismos que garantem a coordenação e celeridade do processo.
O que é o Pedido de Informação Prévia?
O Pedido de Informação Prévia, regulado nos artigos 14.º a 17.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), constitui um procedimento autónomo através do qual qualquer interessado pode solicitar à Câmara Municipal informação sobre:
A viabilidade de realizar determinada operação urbanística ou conjunto de operações diretamente relacionadas
Condicionamentos legais ou regulamentares aplicáveis
Infraestruturas disponíveis e necessárias
Servidões administrativas e restrições de utilidade pública
Índices urbanísticos, cérceas, afastamentos e demais parâmetros
Estimativa de encargos urbanísticos devidos
A informação prévia pode contemplar aspetos específicos como volumetria, alinhamento, implantação da edificação, projeto de arquitetura, programa de utilização do edifício, áreas de cedência e infraestruturas locais.
Efeitos Vinculativos da Informação Prévia Favorável
Quando é proferida uma decisão favorável no âmbito de um PIP, esta vincula as entidades competentes na decisão sobre um eventual pedido de licenciamento ou controlo sucessivo de operações sujeitas a comunicação prévia. Mais ainda, se a informação prévia contemplar todos os elementos previstos no artigo 14.º, n.º 2, do RJUE, a operação urbanística pode ficar isenta de controlo prévio, permitindo o início imediato dos trabalhos após comunicação à Câmara Municipal.
A validade da informação prévia favorável é de dois anos a contar da notificação ao requerente, prazo durante o qual o interessado deve iniciar a operação urbanística. Decorrido este prazo, é possível requerer ao presidente da Câmara a declaração de manutenção dos pressupostos de facto e de direito, válida por mais um ano.
Consultas a Entidades Externas: Quando são obrigatórias?
Uma das questões centrais no procedimento de informação prévia é determinar quando é necessário consultar entidades externas à Câmara Municipal. O artigo 15.º do RJUE estabelece que, no âmbito deste procedimento, há lugar a consultas externas sempre que tal seja exigível num eventual pedido de licenciamento ou comunicação prévia da mesma operação.
Tipos de Consultas
As consultas a entidades externas podem ser classificadas em duas categorias principais:
Consultas em razão da localização: Aplicam-se quando a operação urbanística interfere com servidões administrativas, restrições de utilidade pública ou outros condicionalismos territoriais que dependem da pronúncia de entidades da administração central, institutos públicos, empresas do setor empresarial do Estado ou entidades concessionárias que detenham poderes de autoridade.
Consultas técnicas sectoriais: Relacionam-se com aspetos específicos da operação, como segurança contra incêndios, acessibilidades, património cultural, ambiente, saúde pública, entre outros, cuja apreciação compete a organismos especializados.
Dispensa de Consultas
É importante notar que a consulta a entidades externas pode ser dispensada em determinadas situações:
Quando a operação urbanística já tenha sido objeto de apreciação favorável no âmbito de informação prévia anterior
Quando tenha havido aprovação de operação de loteamento urbano
Quando tenha sido aprovado plano de pormenor, salvo nos casos de planos de salvaguarda que estabeleçam a necessidade dessa consulta
As Entidades envolvidas no processo
O sistema de consultas técnicas envolve uma multiplicidade de intervenientes. Compreender o papel de cada um é essencial para acompanhar a tramitação do processo e antecipar eventuais obstáculos.
Câmara Municipal
A Câmara Municipal é a entidade licenciadora e o primeiro interlocutor do requerente. Compete-lhe:
Receber e analisar o pedido de informação prévia
Identificar as entidades externas que devem ser consultadas
Promover as consultas necessárias através da Plataforma Eletrónica dos Procedimentos Urbanísticos
Deliberar sobre o pedido de informação prévia no prazo de 20 ou 30 dias, consoante a complexidade
Notificar o requerente da decisão final
Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR)
Nas situações em que a pretensão interfere com múltiplas servidões administrativas ou restrições de utilidade pública em razão da localização, a CCDR territorialmente competente assume o papel de entidade coordenadora.
A CCDR:
Recebe da Câmara Municipal a identificação das entidades a consultar
Verifica e confirma as entidades indicadas, excluindo as que não são solicitadas em razão da localização e adicionando outras que devam ser consultadas
Promove a consulta simultânea a todas as entidades identificadas
Emite uma decisão global e vinculativa de toda a administração central após receção dos pareceres ou decurso dos prazos
Pode convocar conferência decisória quando existam pareceres negativos
Este mecanismo de coordenação visa simplificar e agilizar o processo, evitando que o requerente ou a Câmara Municipal tenham de gerir individualmente múltiplas consultas a diferentes organismos.
Entidades Externas específicas
Consoante a natureza e localização da operação urbanística, podem ser consultadas entidades como:
Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) – em casos de imóveis classificados ou em vias de classificação, zonas de proteção de monumentos ou sítios arqueológicos
Agência Portuguesa do Ambiente (APA) – quando a operação se situe em zonas de Reserva Ecológica Nacional (REN), Reserva Agrícola Nacional (RAN) ou junto a cursos de água
Infraestruturas de Portugal (IP) – se a pretensão interfira com estradas nacionais ou ferrovias
Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) – em situações de risco
Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) – quando existam linhas elétricas de alta tensão ou gasodutos
Entidades gestoras de redes e infraestruturas – águas, saneamento, telecomunicações, eletricidade
Cada entidade pronuncia-se exclusivamente no âmbito das suas atribuições e competências.
O funcionamento das Consultas: Prazos e procedimentos
Prazos de resposta
O artigo 13.º do RJUE estabelece que as entidades externas devem pronunciar-se no prazo de 20 dias a contar da disponibilização do processo. Este prazo é alargado para 40 dias quando se trate de obras relativas a imóveis de interesse nacional ou de interesse público.
Deferimento Tácito
Um dos aspetos mais relevantes do regime das consultas externas é o deferimento tácito. Se os pareceres, autorizações ou aprovações não forem recebidos dentro do prazo legal, considera-se haver concordância da entidade com a pretensão formulada.
Este mecanismo impede que a ausência de resposta de uma entidade bloqueie indefinidamente o procedimento, garantindo celeridade ao processo.
Caráter vinculativo dos Pareceres
Os pareceres das entidades externas são, em regra, obrigatórios mas não vinculativos. Contudo, só têm caráter vinculativo quando tal resulte expressamente da lei e desde que se fundamentem em condicionamentos legais ou regulamentares e sejam recebidos dentro do prazo previsto.
Na prática, isto significa que um parecer negativo emitido fora do prazo legal não impede a Câmara Municipal de deferir a pretensão. Por outro lado, quando a lei qualifica um parecer como vinculativo e este é negativo, a Câmara Municipal fica impedida de aprovar a operação urbanística.
Conferência Decisória: Solução de conflitos
Quando existem pareceres negativos emitidos por entidades externas no prazo legal, a CCDR pode convocar uma conferência decisória.
Objetivos da Conferência Decisória
Reunir todas as entidades consultadas, o requerente e a Câmara Municipal
Discutir as objeções formuladas e procurar soluções concertadas
Esclarecer dúvidas técnicas e apresentar alternativas
Emitir uma decisão global e vinculativa no prazo de 10 dias após a realização da conferência
A conferência decisória realiza-se preferencialmente por videoconferência e constitui um momento de participação direta do requerente no processo de decisão. Esta transparência contribui para a aproximação entre cidadãos e Administração e tem-se revelado uma mais-valia na superação de objeções técnicas.
Na conferência decisória, os pareceres têm natureza não vinculativa, independentemente da sua classificação em legislação especial, permitindo uma ponderação global e equilibrada de todos os interesses em presença.
Consultas Prévias promovidas pelo Requerente
O artigo 13.º-B do RJUE prevê a possibilidade de o interessado solicitar previamente os pareceres, autorizações ou aprovações legalmente exigidos junto das entidades competentes, entregando-os com o requerimento inicial de informação prévia.
Vantagens
Maior controlo sobre o processo por parte do requerente
Antecipação de eventuais problemas ou condicionantes
Redução do tempo global de tramitação
Condições
Os pareceres não podem ter sido emitidos há mais de dois anos
Não podem ter ocorrido alterações dos pressupostos de facto ou de direito em que se basearam
Se o interessado não tiver promovido todas as consultas necessárias, o gestor do procedimento promove as consultas em falta
Esta possibilidade representa uma oportunidade de o requerente assumir um papel mais ativo e interventivo no procedimento, podendo dialogar diretamente com as entidades externas e esclarecer dúvidas técnicas antes mesmo de apresentar o pedido formal à Câmara Municipal.
Plataforma Eletrónica dos Procedimentos Urbanísticos (SIRJUE)
Todo o sistema de consultas a entidades externas funciona através da Plataforma Eletrónica dos Procedimentos Urbanísticos, também conhecida como SIRJUE.
Funcionalidades
Submissão de pedidos e documentos pelos interessados
Identificação automática das entidades a consultar
Promoção simultânea de consultas
Acompanhamento em tempo real do estado do procedimento
Emissão de notificações eletrónicas
Interoperabilidade com outras plataformas da Administração Pública
A desmaterialização do processo e a utilização de uma plataforma única contribuem significativamente para a transparência, celeridade e eficiência dos procedimentos urbanísticos.
Estatísticas e impacto das Consultas
No período entre 2008 e junho de 2024, a CCDR Centro emitiu, juntamente com as restantes entidades intervenientes, um total de 48.583 consultas no âmbito de procedimentos urbanísticos.
Estes números evidenciam:
A dimensão do sistema de consultas técnicas
A complexidade da coordenação entre múltiplas entidades
A importância do papel da CCDR enquanto entidade coordenadora
A monitorização estatística permite ainda à CCDR caracterizar a região, identificar os municípios que mais promovem consultas, as entidades mais solicitadas e o sentido dos pareceres emitidos (favoráveis, condicionados ou negativos), contribuindo para o planeamento e melhoria contínua dos serviços.
Conselhos práticos para Proprietários e Promotores
Antes de submeter o Pedido de Informação Prévia
✓ Consulte um técnico habilitado (arquiteto, engenheiro) para elaborar o pedido e os elementos técnicos necessários
Durante a tramitação
✓ Esteja disponível para esclarecer dúvidas ou fornecer elementos adicionais solicitados pelas entidades externas
✓ Participe ativamente na conferência decisória, caso seja convocada, apresentando as suas razões e propondo soluções alternativas
Após a decisão
✓ Respeite os condicionalismos impostos nos pareceres favoráveis condicionados
✓ Inicie a operação urbanística dentro do prazo de validade da informação prévia favorável
✓ Mantenha os pressupostos em que se baseou a decisão, uma vez que alterações substanciais podem invalidar a informação prévia obtida
Desafios e perspetivas futuras
Apesar dos avanços significativos introduzidos pelas sucessivas reformas do RJUE – nomeadamente a criação da figura da entidade coordenadora, o deferimento tácito e a conferência decisória – persistem alguns desafios:
Complexidade do sistema: A multiplicidade de entidades e de regimes sectoriais torna o sistema difícil de compreender para quem não é especialista
Articulação entre entidades: Nem sempre a coordenação é perfeita, podendo ocorrer duplicações ou lacunas nas consultas
Qualidade dos pareceres: Pareceres insuficientemente fundamentados ou genéricos dificultam a tomada de decisão
Cumprimento de prazos: Apesar do deferimento tácito, atrasos na emissão de pareceres continuam a ser uma realidade
As perspetivas futuras apontam para uma maior digitalização, interoperabilidade entre sistemas e simplificação dos procedimentos. O reforço da formação dos técnicos municipais e das entidades externas é igualmente essencial para garantir a qualidade e celeridade das respostas.
Em poucas palavras
O pedido de informação prévia constitui um instrumento valioso para quem pretende iniciar uma operação urbanística em Portugal. Permite obter certezas antecipadas sobre a viabilidade do projeto, os condicionamentos aplicáveis e o procedimento a seguir.
No entanto, o sucesso deste instrumento depende crucialmente do funcionamento eficaz do sistema de consultas a entidades externas. A CCDR, enquanto entidade coordenadora, desempenha um papel central na articulação entre a administração central, local e os promotores, emitindo decisões globais e vinculativas que conferem segurança jurídica aos interessados.
Compreender o papel de cada entidade, os prazos aplicáveis, os efeitos dos pareceres e os mecanismos de resolução de conflitos é fundamental para antecipar obstáculos, reduzir prazos e aumentar as probabilidades de sucesso de qualquer projeto de construção.
A transparência e celeridade do processo dependem também da colaboração ativa do requerente, que deve fornecer toda a informação necessária, estar disponível para esclarecimentos e, sempre que possível, promover previamente as consultas junto das entidades competentes.
Necessita de apoio técnico especializado?
Na AC-Arquitetos possuímos experiência na elaboração de pedidos de informação prévia e na gestão de consultas técnicas junto de entidades externas. A nossa equipa de arquitetos e engenheiros conhece:
Os requisitos técnicos e legais aplicáveis a cada tipo de operação urbanística
As entidades que devem ser consultadas em função da localização e natureza do projeto
Os procedimentos de recurso e de participação em conferências decisórias
Acompanhamos todo o processo, desde a fase inicial de viabilidade até à obtenção da informação prévia favorável, assegurando que o seu projeto cumpre integralmente a legislação em vigor e que não existem obstáculos imprevistos à sua concretização.
Entre em contacto connosco para uma consulta inicial. Asseguramos uma abordagem rigorosa, transparente e orientada para resultados, transformando a complexidade administrativa numa oportunidade para valorizar o seu projeto.



