Pisos recuados em edifícios: O que são, quando são possíveis e como legalizar?
- Ana Carolina Santos
- há 3 dias
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A questão dos pisos recuados nos edifícios urbanos é um tema que interessa tanto a proprietários como a projetistas e investidores. Nos últimos anos, a procura de soluções arquitetónicas ajustadas à legislação nacional, nomeadamente quanto à volumetria dos edifícios e à legalidade dos acréscimos, trouxe ainda mais relevância à discussão sobre os pisos recuados.
Este post foi elaborado para esclarecer de forma pragmática, clara e acessível tudo o que precisa de saber sobre pisos recuados: o que são, em que situações podem ser construídos e, sobretudo, quais são as regras para a sua legalização em Portugal segundo o Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU) e legislação complementar.

O que é um piso recuado?
Um piso recuado é um andar de um edifício cuja fachada se encontra recuada em relação ao alinhamento dos pisos inferiores. Ou seja, em vez de manter o alinhamento vertical das fachadas, o piso superior é afastado, criando normalmente terraços ou varandas sobre a platibanda do andar imediatamente inferior.
Esta solução tem vindo a ser adotada, tanto em reabilitação como em construção nova, por vários motivos:
Valoriza o edifício ao criar terraços privativos.
Contribui para uma menor perceção visual do aumento da altura da fachada.
Pode responder a imposições urbanísticas e regulatórias relativas a cérceas e volumetrias.
Ponto-chave: Os pisos recuados permitem aumentar área útil sem impor impacto visual ou volumétrico excessivo, desde que respeitem as normas legais e urbanísticas em vigor.
Em que situações é possível construir pisos recuados?
A possibilidade de construir pisos recuados depende de diversos fatores jurídicos e regulamentares. Não basta a mera vontade do proprietário ou técnico — a sua viabilidade depende do contexto específico e dos regulamentos municipais aplicáveis.
Regras essenciais para construção de pisos recuados:
Plano Diretor Municipal (PDM) e Regulamento Municipal: Algumas Câmaras Municipais admitem pisos recuados acima da cércea dominante, outras impõem limitações. Consulte sempre o regulamento municipal antes de avançar com o projeto.
RGEU (Regulamento Geral das Edificações Urbanas): O art.º 59.º do RGEU define critérios para a altura máxima das fachadas e a linha de 45º. Pisos recuados podem ser aceites desde que se cumpram estes requisitos.
Condições urbanísticas e volumétricas: A linha de 45º é fundamental para aferir a legalidade dos acréscimos em altura. Situações de gaveto ou terrenos em declive podem admitir exceções à regra.
Caráter do edifício: Edifícios de gaveto, em zona de transição de volumetrias ou com soluções de reabilitação podem ter condições distintas das edificações correntes.
Quando é especialmente justificável o uso de pisos recuados:
Em operações de reabilitação, para colmatar desfasamentos na frente urbana.
Em edifícios em lotes de gaveto, onde pode ser ajustada a transição de alturas.
Quando a legislação local admite a manutenção da altura dominante apenas até determinada profundidade, autorizando o recuo para continuidade do volume construtivo.
Fatores que permitem ou limitam pisos recuados
Fator | Admissão/Possibilidade | Observação |
Regulamento Municipal | Variável | Imperativo consultar antes de projetar |
Linha dos 45º (RGEU, art. 59.º) | Deve ser respeitada | Permite avaliar saltos de cércea mediante recuo |
Zona de gaveto ou transição volumétrica | Pode justificar um piso recuado | Sujeito a apreciação casuística |
Logradouro ou terreno em declive | Tolerância limitada | Com limites definidos por regulamento local |
Área histórica ou protegida | Mais restrições | Pode carecer de parecer específico |
Como legalizar um piso recuado?
Legalizar um piso recuado, seja numa obra nova ou na regularização de uma construção existente, implica observar vários procedimentos e requisitos técnicos e administrativos. A não observância pode resultar em indeferimento do pedido camarário ou implicar obrigações de reposição da legalidade urbanística.
Passos fundamentais para a legalização:
Avaliação prévia do regulamento municipal: Certifique-se do que está disposto no PDM, regulamento de urbanização e normas municipais específicas que podem limitar, condicionar ou permitir pisos recuados.
Análise do RGEU: Verifique a linha de 45º, as distâncias entre fachadas, afastamentos mínimos e outros parâmetros de salubridade, insolação e ventilação.
Licenciamento ou Comunicação Prévia: Submeta o projeto à Câmara Municipal pela via aplicável (licença ou comunicação prévia, conforme o caso e a zona). Deve anexar termo de responsabilidade do arquiteto e todos os elementos exigidos legalmente.
Enquadramento especial em edifícios existentes: No âmbito de reabilitação, pode ser possível obter tolerâncias ou justificar soluções específicas desde que se demonstre a não afetação das condições de salubridade, segurança e volumetria urbana.
Pareceres complementares: Quando aplicável, solicite parecer da Direção Regional de Cultura (em áreas classificadas) ou de outras entidades (em zonas de proteção especial).
Execução rigorosa do projeto aprovado: A obra deve ser executada conforme o projeto licenciado, sob pena de ilegalidade e embargo.
Documentação obrigatória para legalização:
Projeto de arquitetura e especialidades.
Termo de responsabilidade do autor do projeto.
Declaração de conformidade do projeto com a legislação e regulamentos aplicáveis.
Planta de implantação, cortes e alçados que evidenciem o recuo pretendido.
Relatório urbanístico justificativo, se necessário.
Memória descritiva fundamentada.

Conselhos práticos para quem está a pensar legalizar, construir ou comprar imóveis com pisos recuados
Antes de comprar um edifício com piso recuado (existente ou por regularizar), solicite sempre um parecer técnico.
O recurso a arquitetos experientes é essencial para evitar projetos recusados ou irregularidades urbanísticas.
A regularização de pisos recuados não licenciados pode implicar custos acrescidos ou obrigações de demolição.
Para projetos em zonas históricas ou áreas sensíveis, prepare-se para maior rigor e necessidade de pareceres adicionais.
Não inicie obras sem aprovação camarária, mesmo em edifícios antigos ou com "acréscimos de volume". O risco de processos de fiscalização e sanções é elevado.
“Pisos recuados são instrumentos de flexibilização volumétrica e arquitectónica, mas só têm viabilidade e legalidade quando plenamente integrados no quadro legal e regulamentar aplicável.”
Exemplo prático
Imagine uma moradia em Lisboa, localizada num bairro consolidado mas em zona de transição volumétrica:
O proprietário pretende construir um novo piso, mas a legislação limita a altura à dominante da rua.
Projeta-se então um piso recuado, criando um terraço com recuo mínimo de 3 metros relativamente ao alinhamento da fachada principal, reduzindo o impacto visual e respeitando a linha dos 45º.
O pedido é acompanhado de memórias descritivas, plantas e alçados com demonstração do recuo e, após parecer favorável dos serviços municipais, é aprovado e licenciado.
Se o proprietário tentasse avançar sem respeito pelas normas, o risco de embargo e obrigação de demolição seria real.
Pontos de atenção e limitações
Cada município pode ter interpretações e regulamentos próprios, pelo que é fundamental o estudo prévio do caso concreto.
As normas do RGEU continuam a ser de aplicação obrigatória, em conjugação com o regime jurídico da urbanização e edificação (RJUE).
O “costume” ou prática passada não legitima soluções contrárias à legislação em vigor.
Obras sem licença ou comunicação prévia, ainda que executadas há muitos anos, não têm garantida a legalização automática — com exceção de situações previstas em regimes especiais de regularização ou reabilitação.
Para refletir
O planeamento, licenciamento e eventual legalização de pisos recuados exige rigor técnico, conhecimento das especificidades locais e respeito integral pela legislação aplicável. Uma solução arquitetónica inovadora só será valorizada pelo mercado — e tranquila para o proprietário — se for juridicamente segura.
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Nota importante: Este post não dispensa, em caso algum, a consulta individualizada de profissionais qualificados e dos regulamentos em vigor. A legislação urbanística é dinâmica, variando consoante o local, o tipo de intervenção e as caraterísticas do edifício.