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Pisos recuados em edifícios: O que são, quando são possíveis e como legalizar?

  • Foto do escritor: Ana Carolina Santos
    Ana Carolina Santos
  • há 3 dias
  • 5 min de leitura

A questão dos pisos recuados nos edifícios urbanos é um tema que interessa tanto a proprietários como a projetistas e investidores. Nos últimos anos, a procura de soluções arquitetónicas ajustadas à legislação nacional, nomeadamente quanto à volumetria dos edifícios e à legalidade dos acréscimos, trouxe ainda mais relevância à discussão sobre os pisos recuados.

Este post foi elaborado para esclarecer de forma pragmática, clara e acessível tudo o que precisa de saber sobre pisos recuados: o que são, em que situações podem ser construídos e, sobretudo, quais são as regras para a sua legalização em Portugal segundo o Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU) e legislação complementar.


Piso recuado numa habitação unifamiliar em Lisboa
Piso recuado numa habitação unifamiliar em Lisboa

O que é um piso recuado?


Um piso recuado é um andar de um edifício cuja fachada se encontra recuada em relação ao alinhamento dos pisos inferiores. Ou seja, em vez de manter o alinhamento vertical das fachadas, o piso superior é afastado, criando normalmente terraços ou varandas sobre a platibanda do andar imediatamente inferior.

Esta solução tem vindo a ser adotada, tanto em reabilitação como em construção nova, por vários motivos:

  • Valoriza o edifício ao criar terraços privativos.

  • Contribui para uma menor perceção visual do aumento da altura da fachada.

  • Pode responder a imposições urbanísticas e regulatórias relativas a cérceas e volumetrias.

Ponto-chave: Os pisos recuados permitem aumentar área útil sem impor impacto visual ou volumétrico excessivo, desde que respeitem as normas legais e urbanísticas em vigor.



Em que situações é possível construir pisos recuados?


A possibilidade de construir pisos recuados depende de diversos fatores jurídicos e regulamentares. Não basta a mera vontade do proprietário ou técnico — a sua viabilidade depende do contexto específico e dos regulamentos municipais aplicáveis.



Regras essenciais para construção de pisos recuados:


  • Plano Diretor Municipal (PDM) e Regulamento Municipal: Algumas Câmaras Municipais admitem pisos recuados acima da cércea dominante, outras impõem limitações. Consulte sempre o regulamento municipal antes de avançar com o projeto.

  • RGEU (Regulamento Geral das Edificações Urbanas): O art.º 59.º do RGEU define critérios para a altura máxima das fachadas e a linha de 45º. Pisos recuados podem ser aceites desde que se cumpram estes requisitos.

  • Condições urbanísticas e volumétricas: A linha de 45º é fundamental para aferir a legalidade dos acréscimos em altura. Situações de gaveto ou terrenos em declive podem admitir exceções à regra.

  • Caráter do edifício: Edifícios de gaveto, em zona de transição de volumetrias ou com soluções de reabilitação podem ter condições distintas das edificações correntes.



Quando é especialmente justificável o uso de pisos recuados:


  • Em operações de reabilitação, para colmatar desfasamentos na frente urbana.

  • Em edifícios em lotes de gaveto, onde pode ser ajustada a transição de alturas.

  • Quando a legislação local admite a manutenção da altura dominante apenas até determinada profundidade, autorizando o recuo para continuidade do volume construtivo.



Fatores que permitem ou limitam pisos recuados

Fator

Admissão/Possibilidade

Observação

Regulamento Municipal

Variável

Imperativo consultar antes de projetar

Linha dos 45º (RGEU, art. 59.º)

Deve ser respeitada

Permite avaliar saltos de cércea mediante recuo

Zona de gaveto ou transição volumétrica

Pode justificar um piso recuado

Sujeito a apreciação casuística

Logradouro ou terreno em declive

Tolerância limitada

Com limites definidos por regulamento local

Área histórica ou protegida

Mais restrições

Pode carecer de parecer específico


Como legalizar um piso recuado?


Legalizar um piso recuado, seja numa obra nova ou na regularização de uma construção existente, implica observar vários procedimentos e requisitos técnicos e administrativos. A não observância pode resultar em indeferimento do pedido camarário ou implicar obrigações de reposição da legalidade urbanística.



Passos fundamentais para a legalização:


  • Avaliação prévia do regulamento municipal: Certifique-se do que está disposto no PDM, regulamento de urbanização e normas municipais específicas que podem limitar, condicionar ou permitir pisos recuados.

  • Análise do RGEU: Verifique a linha de 45º, as distâncias entre fachadas, afastamentos mínimos e outros parâmetros de salubridade, insolação e ventilação.

  • Licenciamento ou Comunicação Prévia: Submeta o projeto à Câmara Municipal pela via aplicável (licença ou comunicação prévia, conforme o caso e a zona). Deve anexar termo de responsabilidade do arquiteto e todos os elementos exigidos legalmente.

  • Enquadramento especial em edifícios existentes: No âmbito de reabilitação, pode ser possível obter tolerâncias ou justificar soluções específicas desde que se demonstre a não afetação das condições de salubridade, segurança e volumetria urbana.

  • Pareceres complementares: Quando aplicável, solicite parecer da Direção Regional de Cultura (em áreas classificadas) ou de outras entidades (em zonas de proteção especial).

  • Execução rigorosa do projeto aprovado: A obra deve ser executada conforme o projeto licenciado, sob pena de ilegalidade e embargo.



Documentação obrigatória para legalização:


  • Projeto de arquitetura e especialidades.

  • Termo de responsabilidade do autor do projeto.

  • Declaração de conformidade do projeto com a legislação e regulamentos aplicáveis.

  • Planta de implantação, cortes e alçados que evidenciem o recuo pretendido.

  • Relatório urbanístico justificativo, se necessário.

  • Memória descritiva fundamentada.


Piso recuado em edifício de habitação multifamiliar em Lisboa
Piso recuado em edifício de habitação multifamiliar em Lisboa

Conselhos práticos para quem está a pensar legalizar, construir ou comprar imóveis com pisos recuados


  • Antes de comprar um edifício com piso recuado (existente ou por regularizar), solicite sempre um parecer técnico.

  • O recurso a arquitetos experientes é essencial para evitar projetos recusados ou irregularidades urbanísticas.

  • A regularização de pisos recuados não licenciados pode implicar custos acrescidos ou obrigações de demolição.

  • Para projetos em zonas históricas ou áreas sensíveis, prepare-se para maior rigor e necessidade de pareceres adicionais.

  • Não inicie obras sem aprovação camarária, mesmo em edifícios antigos ou com "acréscimos de volume". O risco de processos de fiscalização e sanções é elevado.



“Pisos recuados são instrumentos de flexibilização volumétrica e arquitectónica, mas só têm viabilidade e legalidade quando plenamente integrados no quadro legal e regulamentar aplicável.”


Exemplo prático


Imagine uma moradia em Lisboa, localizada num bairro consolidado mas em zona de transição volumétrica:

  • O proprietário pretende construir um novo piso, mas a legislação limita a altura à dominante da rua.

  • Projeta-se então um piso recuado, criando um terraço com recuo mínimo de 3 metros relativamente ao alinhamento da fachada principal, reduzindo o impacto visual e respeitando a linha dos 45º.

  • O pedido é acompanhado de memórias descritivas, plantas e alçados com demonstração do recuo e, após parecer favorável dos serviços municipais, é aprovado e licenciado.

Se o proprietário tentasse avançar sem respeito pelas normas, o risco de embargo e obrigação de demolição seria real.



Pontos de atenção e limitações


  • Cada município pode ter interpretações e regulamentos próprios, pelo que é fundamental o estudo prévio do caso concreto.

  • As normas do RGEU continuam a ser de aplicação obrigatória, em conjugação com o regime jurídico da urbanização e edificação (RJUE).

  • O “costume” ou prática passada não legitima soluções contrárias à legislação em vigor.

  • Obras sem licença ou comunicação prévia, ainda que executadas há muitos anos, não têm garantida a legalização automática — com exceção de situações previstas em regimes especiais de regularização ou reabilitação.



Para refletir


O planeamento, licenciamento e eventual legalização de pisos recuados exige rigor técnico, conhecimento das especificidades locais e respeito integral pela legislação aplicável. Uma solução arquitetónica inovadora só será valorizada pelo mercado — e tranquila para o proprietário — se for juridicamente segura.


Precisa de apoio para estudar a viabilidade do seu projeto?

Contacte a AC-Arquitetos. Como arquitetos especializados em projetos e processos camarários, acompanhamos o seu projeto desde o conceito até à legalização, evitando surpresas e potenciando o valor do seu imóvel.



Nota importante: Este post não dispensa, em caso algum, a consulta individualizada de profissionais qualificados e dos regulamentos em vigor. A legislação urbanística é dinâmica, variando consoante o local, o tipo de intervenção e as caraterísticas do edifício.


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