Vistoria para Alteração de Uso: O que é avaliado na aprovação final do imóvel
- Ana Carolina Santos

- 15 de out.
- 10 min de leitura
Pretende transformar uma habitação em comércio, um escritório em habitação ou um espaço comercial em serviços? A alteração do uso de um edifício ou fração autónoma é uma operação urbanística com implicações significativas, e compreender o procedimento de vistoria que pode ser exigido pela Câmara Municipal é essencial para garantir que o processo decorre sem contratempos e culmina com a emissão da autorização de utilização que permite o início da nova atividade.
Ao contrário de outras operações urbanísticas onde a vistoria é sempre obrigatória, a alteração de uso sem realização de obras pode seguir um procedimento simplificado — a comunicação prévia com prazo — mas a Câmara Municipal reserva-se o direito de determinar a realização de uma vistoria quando entenda necessário verificar se o edifício ou fração está efetivamente apto para o novo fim pretendido.
Neste post, exploramos de forma clara e objetiva o que é uma alteração de uso, quando é exigida vistoria, o que é verificado pela comissão de vistoria, como preparar o imóvel para aprovação e quais os cuidados a ter para evitar problemas que possam inviabilizar a autorização ou exigir obras de correção.

O que é a Alteração de Uso?
A alteração de uso (ou alteração de utilização) consiste na mudança do fim para o qual um edifício ou fração autónoma está autorizado a ser utilizado, conforme fixado na licença ou autorização de utilização original.
Exemplos de alteração de uso:
Habitação → Comércio (converter apartamento em loja)
Comércio → Habitação (transformar loja em habitação)
Habitação → Serviços (transformar casa em escritório ou consultório)
Comércio → Serviços (converter loja em gabinete de advogados)
Serviços → Habitação (reconverter escritório em apartamento)
Importante: A alteração de uso é considerada uma operação urbanística sujeita a controlo prévio nos termos do artigo 4.º do RJUE, mesmo que não implique a realização de obras de construção, ampliação ou alteração física.
Procedimentos para Alteração de Uso
Alteração de Uso sem realização de obras
Quando a alteração de uso não implica obras ou apenas implica obras isentas de controlo prévio (pequenas obras de conservação ou alterações interiores que não afetem estrutura, fachadas ou instalações comuns), o procedimento aplicável é a comunicação prévia com prazo, prevista nos artigos 62.º-A e 62.º-B do RJUE.
Elementos a apresentar:
Termo de responsabilidade subscrito por técnico legalmente habilitado (arquiteto ou engenheiro) que declare:
A conformidade da utilização pretendida com as normas legais e regulamentares que fixam os usos e utilizações admissíveis (PDM, PU, PP)
A idoneidade do edifício ou fração para o fim pretendido
Prazo:
O edifício ou fração pode ser utilizado para a finalidade pretendida decorridos 20 dias após a submissão da comunicação prévia, salvo se a Câmara Municipal determinar a realização de vistoria nesse prazo.
Alteração de Uso com realização de obras
Se a alteração de uso implicar a realização de obras sujeitas a licenciamento ou comunicação prévia (alterações que afetem a estrutura, fachadas, volumetria, número de fogos, instalações comuns), o procedimento aplicável é o licenciamento ou comunicação prévia de obras, conforme o caso.
Neste cenário, a aprovação final do uso ocorre com a emissão da licença ou admissão de utilização após conclusão das obras, precedida de vistoria (quando aplicável).
Quando é determinada Vistoria em Alteração de Uso?
O Presidente da Câmara Municipal pode determinar a realização de vistoria no prazo de 20 dias após a submissão da comunicação prévia, quando se verifique alguma das seguintes situações:
a) O termo de responsabilidade não se encontre completo ou apresente deficiências
Se o documento submetido não contiver todos os elementos obrigatórios ou apresentar informação insuficiente ou contraditória.
b) Existirem indícios sérios de que o edifício não é idóneo para o fim pretendido
Se, com base em elementos ao dispor da Câmara (processos anteriores, reclamações, informações de fiscalização, características conhecidas do edifício), houver fundadas razões para suspeitar que o imóvel não reúne as condições técnicas, de salubridade, segurança ou conformidade regulamentar exigidas para o novo uso.
Exemplos de situações que podem motivar determinação de vistoria:
Mudança de habitação para comércio em edifício com mais de 50 anos, sem informação sobre obras recentes de adequação
Alteração para estabelecimento de restauração ou similares que exijam requisitos específicos (extração de fumos, segurança contra incêndios, isolamento acústico)
Conversão de loja em habitação quando existam dúvidas sobre cumprimento de requisitos de habitabilidade (iluminação natural, ventilação, pé-direito, instalações sanitárias adequadas)
Fração localizada em edifício ou zona onde existam restrições urbanísticas específicas
Nota importante: A determinação de vistoria suspende o prazo de 20 dias, pelo que o imóvel não pode ser utilizado para o novo fim enquanto a vistoria não for realizada e aprovada.
Composição da Comissão de Vistoria
A vistoria é realizada por uma comissão composta por, pelo menos, três técnicos designados pela Câmara Municipal.
Esta comissão pode integrar:
Arquitetos (para avaliar aspetos de conformidade arquitetónica, habitabilidade, acessibilidades)
Engenheiros civis (para avaliar aspetos estruturais, de segurança, estabilidade)
Engenheiros de outras especialidades conforme aplicável (eletrotecnia, mecânica, segurança contra incêndios)
A comissão desloca-se ao local, inspeciona o edifício ou fração e elabora um auto de vistoria onde descreve o estado em que se encontra o imóvel, lista eventuais deficiências ou desconformidades detetadas e emite parecer sobre a idoneidade do imóvel para o fim pretendido.
O que é verificado na Vistoria de Alteração de Uso
A comissão de vistoria avalia se o edifício ou fração reúne as condições exigidas pela legislação e regulamentação aplicáveis ao novo uso pretendido.
1. Conformidade com Normas Urbanísticas
Verificação:
O novo uso pretendido é admissível no local, conforme Plano Diretor Municipal (PDM), Plano de Urbanização (PU) ou Plano de Pormenor (PP)?
Existem condicionamentos específicos aplicáveis à zona (por exemplo, restrições à instalação de determinados estabelecimentos em zonas históricas ou residenciais)?
Exemplo: Em Lisboa, existem condicionamentos à instalação de novos estabelecimentos de restauração e bebidas em zonas como Alfama, Bairro Alto, Bica, Mouraria e Madragoa.
2. Requisitos de Habitabilidade (quando o novo uso é habitação)
Se a alteração for para habitação, a comissão verifica se a fração cumpre os requisitos mínimos de habitabilidade estabelecidos no Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU):
Pé-direito livre mínimo: 2,40 m nos compartimentos habitacionais (salas, quartos, cozinhas); 2,20 m em corredores, vestíbulos, instalações sanitárias
Iluminação e ventilação natural: Vãos envidraçados para o exterior com área não inferior a 1/10 da área do compartimento nos compartimentos de permanência prolongada (salas, quartos)
Compartimentos mínimos: Conforme tipologia pretendida (T0, T1, T2, etc.), devem existir os compartimentos obrigatórios (sala, quarto(s), cozinha ou kitchenette, instalação sanitária)
Áreas mínimas: Cumprimento das áreas úteis mínimas estabelecidas para cada tipologia
Instalações sanitárias: Equipamento mínimo (sanita, lavatório, base de duche ou banheira), ventilação adequada
Cozinha: Equipamento mínimo, ventilação adequada, revestimentos laváveis
3. Requisitos específicos para Comércio e Serviços
Se a alteração for para comércio ou serviços, a comissão verifica:
Pé-direito livre mínimo: 3,00 m (ou 2,70 m em casos de adaptação de edifícios pré-existentes, mediante tolerância fundamentada)
Acessibilidade: Cumprimento das normas de acessibilidades (Decreto-Lei n.º 163/2006) — entrada acessível, instalações sanitárias acessíveis (quando aplicável), percursos interiores sem barreiras
Segurança contra incêndios: Cumprimento do SCIE (Segurança Contra Incêndios em Edifícios) — vias de evacuação adequadas, resistência ao fogo de elementos construtivos, sinalização, extintores, deteção e alarme conforme categoria de risco
Ventilação e exaustão: Sistemas adequados de ventilação, especialmente em estabelecimentos de restauração (extração de fumos, odores)
Isolamento acústico: Cumprimento do Regulamento Geral do Ruído, especialmente em estabelecimentos que possam gerar ruído (restauração, diversão noturna, ginásios)
Higiene e salubridade: Revestimentos adequados, instalações sanitárias para funcionários e público (conforme legislação aplicável ao tipo de estabelecimento)
4. Conformidade com requisitos de Segurança Estrutural
Verificação:
O edifício apresenta sinais de degradação estrutural, fissuras, humidades, infiltrações?
A estrutura está apta a suportar as cargas e utilizações decorrentes do novo uso?
Exemplo: A conversão de habitação em ginásio ou espaço de armazenamento pode exigir verificação da capacidade de carga das lajes.
5. Conformidade de Instalações Técnicas
Instalações elétricas: Conformidade com normas técnicas, potência adequada ao novo uso, quadros elétricos certificados
Instalações de águas e esgotos: Funcionamento adequado, ligação à rede pública ou sistema alternativo conforme
Instalações de gás (quando aplicável): Conformidade com normas de segurança
Rede de telecomunicações (ITED): Instalação conforme com normas aplicáveis
6. Condições de Salubridade e Conforto
Humidades: Ausência de humidades ascensionais, infiltrações, bolores, condensações excessivas
Iluminação: Iluminação natural adequada (quando exigível) e iluminação artificial suficiente
Ventilação: Ventilação natural ou mecânica adequada, renovação de ar conforme
Conforto térmico: Isolamento térmico adequado (quando exigível por legislação aplicável)
7. Conformidade com Alvará de Loteamento (quando aplicável)
Se o edifício ou fração estiver inserido em lote resultante de operação de loteamento, a comissão verifica se o novo uso pretendido é compatível com os usos admitidos no alvará de loteamento.
Resultado da Vistoria
Após inspeção, a comissão de vistoria elabora auto de vistoria onde descreve o estado do imóvel e emite parecer:
a) Parecer favorável
O edifício ou fração reúne condições para o uso pretendido. A Câmara Municipal emite a autorização de alteração de utilização (novo alvará) no prazo de 10 dias úteis após a vistoria.
b) Parecer condicionado — imposição de obras de alteração
O edifício ou fração pode ser adequado ao uso pretendido, mas exige a realização de obras de correção ou adaptação (por exemplo: instalação de extração de fumos, reforço de isolamento acústico, correção de instalações elétricas, criação de acessibilidades).
Neste caso, a Câmara notifica o interessado para realizar as obras no prazo fixado. Após conclusão, pode ser determinada nova vistoria para verificar a adequada execução das obras impostas. O imóvel só pode ser utilizado após verificação da correção das deficiências.
c) Parecer desfavorável
O edifício ou fração não reúne condições para o uso pretendido e não é viável a sua adequação (por exemplo: violação grave de normas urbanísticas, impossibilidade técnica de cumprimento de requisitos essenciais).
Neste caso, a Câmara Municipal indefere o pedido de alteração de utilização.

Como preparar o imóvel para aprovação na Vistoria
Para maximizar as hipóteses de obter parecer favorável na vistoria, o proprietário deve:
Antes de submeter a Comunicação Prévia
1. Consultar o PDM e regulamentos aplicáveis
Verificar se o novo uso pretendido é admissível na zona onde se localiza o imóvel.
2. Contratar técnico qualificado
Um arquiteto ou engenheiro com experiência em alterações de uso pode avaliar previamente se o imóvel cumpre os requisitos técnicos e regulamentares aplicáveis ao novo uso e, se necessário, propor soluções de adequação.
3. Realizar obras de adequação necessárias antes de submeter o pedido
Se forem necessárias obras para adequar o imóvel ao novo uso (instalação de instalações sanitárias adicionais, criação de ventilação adequada, reforço de isolamento acústico, adaptação de acessos), é preferível realizá-las antes de submeter a comunicação prévia, reduzindo o risco de imposição de obras pela vistoria.
Atenção: Se as obras forem sujeitas a controlo prévio, devem ser previamente licenciadas ou comunicadas.
Durante a Vistoria
1. Facilitar o acesso da comissão
Garantir que a comissão tem acesso livre e desimpedido a todos os compartimentos e espaços do imóvel.
2. Disponibilizar documentação
Ter disponível:
Cópia da comunicação prévia submetida e termo de responsabilidade
Plantas do imóvel
Documentação comprovativa de obras realizadas (se aplicável)
Certificados e declarações de conformidade de instalações técnicas (eletricidade, gás, ITED, segurança contra incêndios)
3. Manter o imóvel em bom estado de conservação
Apresentar o imóvel limpo, em bom estado de conservação, sem sinais evidentes de degradação, humidades ou deficiências.
Após a Vistoria
Se forem impostas obras de correção:
Executar as obras rigorosamente conforme indicado no auto de vistoria
Solicitar nova vistoria (se necessária) após conclusão
Não iniciar a utilização do imóvel para o novo fim enquanto não for emitida a autorização
Prazo de Emissão da Autorização de Alteração de Utilização
Se não houver determinação de vistoria: O imóvel pode ser utilizado para o novo fim 20 dias após submissão da comunicação prévia.
Se houver vistoria com parecer favorável: A autorização (novo alvará) é emitida no prazo de 10 dias úteis após a vistoria.
Se houver vistoria com imposição de obras: A autorização só é emitida após nova vistoria que confirme a adequada execução das obras impostas.
Regime Especial: Alteração de Uso para Habitação (Simplex Urbanístico)
Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 10/2024 (Simplex Urbanístico), foi introduzido um regime especial para facilitar a alteração de uso de frações para habitação.
Principais alterações:
Dispensa de autorização dos condóminos: A alteração de uso de uma fração para habitação não carece de autorização dos restantes condóminos, podendo ser feita unilateralmente por escritura pública ou documento particular autenticado.
Simplificação de formalidades: Eliminação da obrigação de apresentação da ficha técnica de habitação nos atos de transmissão de propriedade.
Manutenção do controlo urbanístico: Apesar da simplificação, a Câmara Municipal continua a ter de atestar que a alteração é urbanisticamente admissível, emitindo certidão comprovativa.
Conselhos práticos para proprietários
Planeie com antecedência: Não submeta a comunicação prévia sem ter a certeza de que o imóvel cumpre os requisitos aplicáveis ao novo uso
Consulte técnicos qualificados: Arquitetos e engenheiros podem avaliar previamente a viabilidade da alteração e identificar obras necessárias
Verifique o PDM: Confirme que o novo uso é admissível na localização do imóvel antes de investir em obras de adequação
Execute obras de adequação antes do pedido: Reduz o risco de imposição de obras pela comissão de vistoria
Não inicie a nova atividade antes da autorização: Utilizar o imóvel sem autorização constitui contraordenação sujeita a coima
Para considerar
A alteração de uso de um edifício ou fração não é uma mera formalidade administrativa. Representa uma mudança significativa nas exigências técnicas, regulamentares e de segurança aplicáveis ao imóvel, e a responsabilidade pela conformidade recai integralmente sobre o proprietário e os técnicos que subscrevem o termo de responsabilidade.
A possibilidade de determinação de vistoria pela Câmara Municipal é um mecanismo de salvaguarda do interesse público, garantindo que edifícios e frações utilizados para determinados fins (especialmente habitação, comércio ou serviços abertos ao público) reúnem efetivamente as condições de segurança, salubridade e conforto exigidas pela legislação.
A preparação adequada — consulta prévia do enquadramento urbanístico, avaliação técnica rigorosa, execução de obras de adequação necessárias antes do pedido, documentação completa e correta — é a melhor garantia de que a vistoria, se determinada, resultará em parecer favorável e na rápida emissão da autorização de alteração de utilização.
Improvisar, assumir que "não vão verificar" ou subscrever termos de responsabilidade sem confirmação efetiva da conformidade são atitudes que geram riscos significativos: indeferimento do pedido, imposição de obras de correção dispendiosas, atrasos na entrada em funcionamento, responsabilização civil e disciplinar dos técnicos e, em casos extremos, impossibilidade de viabilizar o novo uso pretendido.
A transparência, o rigor técnico e o cumprimento escrupuloso da legislação são os pilares de um processo de alteração de uso bem-sucedido.
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