Alteração de Uso sem obras: Comunicação Prévia com Prazo Simplificada
- Ana Carolina Santos

- 14 de out.
- 8 min de leitura
Quantas vezes já pensou em mudar a utilização de um imóvel ou fração sem que isso implique obras físicas no espaço? Talvez pretenda transformar uma habitação em escritório, um comércio em consultório, ou simplesmente atualizar informações do título de utilização emitido anteriormente. Esta operação, aparentemente simples, possui um enquadramento legal específico que importa conhecer para evitar complicações futuras e garantir que o seu projeto avança com total conformidade legal.
Neste post, exploramos de forma clara e objetiva o regime jurídico da alteração de uso sem obras, focando-nos no procedimento de Comunicação Prévia com Prazo, introduzido pelo Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) e reforçado pelas recentes alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro.

O que é a Alteração de Uso sem obras?
A alteração de uso sem obras consiste na mudança da finalidade ou utilização de um edifício ou fração autónoma sem que sejam realizadas obras físicas sujeitas a controlo prévio. Em termos práticos, significa que o imóvel mantém as suas características físicas inalteradas — não há demolições, construções, ampliações ou alterações estruturais — mas passa a ter uma função diferente da originalmente autorizada.
Exemplos comuns:
Habitação que passa a funcionar como escritório
Espaço comercial que se transforma em consultório médico
Armazém convertido em atelier
Gabinete profissional que passa a habitação
Esta operação está sempre sujeita a controlo prévio pela Câmara Municipal, independentemente de não haver intervenção física no espaço.
Enquadramento legal: O regime do RJUE
O artigo 62.º-B do RJUE, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 10/2024, estabelece que a alteração da utilização de edifício ou fração, ou de alguma informação constante do título de utilização emitido, quando não é precedida de operação urbanística sujeita a controlo prévio, deve ser objeto de Comunicação Prévia com Prazo.
Esta comunicação prévia destina-se a:
Demonstrar e declarar a conformidade da utilização prevista com as normas legais e regulamentares que fixam os usos e utilizações admissíveis
Demonstrar e declarar a idoneidade do edifício ou fração autónoma para o fim pretendido, podendo contemplar utilizações mistas
Simplificação introduzida pelo Simplex Urbanístico
As alterações introduzidas em 2024 vieram simplificar significativamente este procedimento, eliminando a anterior necessidade de autorização de utilização e substituindo-a por um mecanismo mais ágil e menos burocrático: a comunicação prévia com prazo.
Esta mudança insere-se numa estratégia mais ampla de modernização administrativa e simplificação dos procedimentos urbanísticos, visando reduzir prazos, diminuir custos e facilitar o relacionamento entre os cidadãos e a administração pública.
Procedimento: Como funciona a Comunicação Prévia com Prazo
1. Verificação Prévia da Viabilidade
Antes de avançar com a comunicação prévia, é fundamental verificar se a alteração de uso pretendida é compatível com os instrumentos de gestão territorial aplicáveis ao imóvel:
Plano Diretor Municipal (PDM): Define os usos admissíveis para cada zona do município
Plano de Urbanização (PU): Estabelece regras mais detalhadas para áreas específicas
Plano de Pormenor (PP): Fixa condições pormenorizadas quando aplicável
Regulamentos municipais: Podem estabelecer restrições adicionais
Esta verificação pode ser realizada através de consulta aos serviços municipais ou solicitando uma informação prévia junto da Câmara Municipal.
2. Instrução da Comunicação Prévia
A comunicação prévia deve ser instruída com os seguintes elementos:
Termo de Responsabilidade
O elemento central da comunicação prévia é um termo de responsabilidade que deve declarar:
A conformidade da utilização prevista com as normas legais e regulamentares aplicáveis
A idoneidade do edifício ou fração para o fim pretendido
Este termo pode ser subscrito por pessoa legalmente habilitada a ser autor de projeto, nos termos do regime jurídico que define a qualificação profissional exigível aos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projetos.
Documentação complementar
Para além do termo de responsabilidade, a comunicação deve incluir:
Requerimento do pedido (em formato PDF/A com data e assinatura digital)
Código de acesso à certidão permanente da Conservatória do Registo Predial
Plantas do edifício ou fração identificando os espaços e respetivas utilizações
Quadro sinótico de utilização
Fotografias do imóvel (opcional mas recomendável)
Importante: As peças desenhadas devem demonstrar a conformidade da utilização prevista com as normas legais e a idoneidade do edifício para o fim pretendido.
3. Submissão da Comunicação
A comunicação prévia deve ser apresentada através de plataforma eletrónica disponibilizada pela Câmara Municipal:
Em Lisboa: através da Loja Lisboa Online e plataforma Urbanismo Digital
Noutros municípios: através das plataformas municipais específicas ou do Balcão do Empreendedor (quando aplicável)
A plataforma emite um comprovativo eletrónico da apresentação da comunicação.
4. Prazo de Análise Municipal
Após a submissão da comunicação prévia, a Câmara Municipal dispõe de 20 dias para analisar o pedido.
Durante este prazo, o Presidente da Câmara pode:
Aceitar tacitamente a comunicação: se não houver qualquer pronúncia no prazo de 20 dias
Rejeitar a comunicação: se verificar desconformidades com as normas aplicáveis
Determinar a realização de vistoria: quando existam indícios sérios de que o edifício não é idóneo para o fim pretendido
5. Vistoria (quando aplicável)
Caso o Presidente da Câmara determine a realização de vistoria, esta deve ocorrer no prazo de 20 dias após a submissão da comunicação.
Composição da comissão de vistoria:
Mínimo de três técnicos designados pela Câmara
Pelo menos dois devem ter habilitação legal para ser autor de projeto correspondente à utilização objeto de vistoria
Conclusões da vistoria:
Declaração de conformidade do edifício ou fração para o uso pretendido
Imposição de obras de alteração (se necessário)
Recusa fundamentada (em casos excecionais)
6. Início da Utilização
O edifício ou fração autónoma pode ser utilizado para a finalidade pretendida nas seguintes situações:
Imediatamente após decorridos 20 dias da submissão da comunicação prévia, se não houver rejeição ou determinação de vistoria
Após a declaração de conformidade resultante de vistoria favorável
Após a realização das obras determinadas em vistoria (quando aplicável)
Situações especiais e exceções
Edifícios em Propriedade Horizontal
Quando a fração se situa em edifício constituído em regime de propriedade horizontal, a alteração de uso pode exigir autorização da assembleia de condóminos, dependendo do que estiver previsto no título constitutivo ou regulamento do condomínio.
Aspetos a considerar:
Verificar se o título constitutivo prevê restrições de uso
Avaliar se a nova utilização é compatível com o caráter do edifício
Considerar potenciais impactos nos restantes condóminos (ruído, circulação, etc.)
Imóveis Classificados ou em Zonas de Proteção
Para imóveis classificados como de interesse cultural, ou localizados em zonas de proteção de imóveis classificados, podem existir restrições adicionais mesmo quando não há obras físicas.
Nestes casos, pode ser necessário obter pareceres de entidades como o Instituto do Património Cultural ou Direções Regionais de Cultura.
Estabelecimentos sujeitos a Licenciamento Setorial
Determinadas atividades exigem, para além da conformidade urbanística, licenças ou autorizações setoriais específicas:
Estabelecimentos de restauração e bebidas: autorização da Câmara Municipal e registo no Balcão do Empreendedor
Estabelecimentos de saúde: licenciamento pela Entidade Reguladora da Saúde (ERS)
Estabelecimentos de ensino: autorização da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares
Comércio alimentar: registo na Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE)
A comunicação prévia de alteração de uso não substitui estes licenciamentos setoriais, que devem ser obtidos autonomamente.

Fiscalização e consequências do incumprimento
Dever de Fiscalização Municipal
A Câmara Municipal tem o dever de fiscalizar se os edifícios e frações estão a ser utilizados de acordo com o título de utilização ou comunicação prévia apresentada.
Utilização sem Comunicação Prévia
A utilização de um edifício ou fração para fins diferentes dos autorizados sem apresentar a devida comunicação prévia constitui:
Contraordenação, punível com coimas entre:
250€ e 3.740,98€ para pessoas singulares
500€ e 44.891,81€ para pessoas coletivas
Fundamento para ordem de cessação da utilização pelo Presidente da Câmara
Possibilidade de aplicação de sanções acessórias, incluindo:
Encerramento do estabelecimento
Suspensão de licenças e autorizações
Privação do direito a subsídios públicos
Caducidade do Dever de Fiscalização
O dever de fiscalização da Câmara Municipal caduca 10 anos após a data de emissão do título da comunicação prévia.
No entanto, a utilização indevida pode continuar a ser invocada por terceiros (vizinhos, condomínio) para fundamentar ações judiciais.
Aspetos Fiscais e Registais
Atualização da Matriz Predial
A alteração de uso deve ser comunicada à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) para efeitos de atualização da matriz predial.
Consequências fiscais:
Alteração da classificação fiscal do imóvel
Possível reavaliação do valor patrimonial tributário
Impacto no montante de IMI
Influência no IMT em futuras transmissões
Registo Predial
Embora a comunicação prévia de alteração de uso sem obras não implique, regra geral, alteração ao registo predial, é recomendável verificar junto da Conservatória do Registo Predial se há necessidade de atualização de informações, especialmente quando a mudança for significativa (por exemplo, de habitação para comércio).
Vantagens da Comunicação Prévia com Prazo
O novo regime introduzido em 2024 trouxe vantagens significativas face ao sistema anterior:
1. Simplicidade Procedimental
Antes: Era necessário requerer autorização de utilização, com apreciação municipal complexa e demorada
Agora: Basta apresentar comunicação prévia com termo de responsabilidade, permitindo início de utilização em 20 dias (salvo rejeição ou vistoria)
2. Redução de prazos
Prazo máximo: 20 dias (vs. prazos anteriores que podiam ultrapassar vários meses)
Início de atividade: Imediato após prazo de 20 dias sem oposição municipal
3. Menor burocracia
Documentação: Simplificada face ao regime anterior
Responsabilização do técnico: Através do termo de responsabilidade, garante-se conformidade legal sem necessidade de análise exaustiva municipal
4. Previsibilidade
Prazos definidos: O interessado sabe quando pode iniciar a utilização
Critérios claros: As condições de conformidade estão legalmente estabelecidas
Conselhos práticos
Para assegurar que o processo decorre sem percalços:
Antes de apresentar a comunicação:
Consulte o PDM e regulamentos municipais aplicáveis
Verifique se o título constitutivo do condomínio impõe restrições
Avalie a necessidade de licenciamentos setoriais específicos
Confirme que não são necessárias obras físicas (caso contrário, o procedimento será diferente)
Durante o procedimento:
Contrate técnico habilitado e experiente para subscrever o termo de responsabilidade
Assegure que toda a documentação está completa e correta
Mantenha contacto com os serviços municipais
Esteja preparado para eventual vistoria
Após a comunicação:
Aguarde o prazo de 20 dias antes de iniciar a utilização (salvo se houver aceitação expressa anterior)
Comunique à AT a alteração para efeitos fiscais
Informe o condomínio (quando aplicável)
Obtenha licenças setoriais necessárias antes de iniciar atividade
Conserve toda a documentação do procedimento
Nunca:
Inicie a utilização antes do prazo legal ou sem aguardar resposta a eventual vistoria
Omita informações relevantes no termo de responsabilidade
Ignore restrições impostas pelo condomínio ou instrumentos de gestão territorial
Assuma que a comunicação de alteração de uso dispensa licenciamentos setoriais
Para considerar
A alteração de uso sem obras é uma operação que, embora não implique transformações físicas no imóvel, possui relevância jurídica, urbanística e fiscal significativa. O novo regime de Comunicação Prévia com Prazo representa um avanço importante na simplificação administrativa, mas não elimina a necessidade de rigor e responsabilidade por parte de todos os intervenientes.
O termo de responsabilidade subscrito por técnico habilitado é a pedra angular deste procedimento. Através dele, transfere-se para a esfera do técnico e do proprietário a responsabilidade de garantir que a nova utilização é conforme com todas as normas aplicáveis — urbanísticas, de segurança, de salubridade, de acessibilidades e todas as demais que regulam a ocupação e uso dos edifícios. Esta responsabilização não é uma mera formalidade burocrática. É uma garantia de que o interesse público na correta utilização do edificado, na segurança das pessoas, na qualidade urbana e na proteção dos direitos de terceiros está salvaguardado, sem que tal implique processos administrativos morosos e onerosos.
Por isso, é fundamental que este procedimento seja encarado com a seriedade que merece: consultar técnicos qualificados, verificar todas as condicionantes legais, obter as autorizações necessárias junto de outras entidades quando aplicável, e respeitar escrupulosamente os prazos e requisitos estabelecidos. Só assim se garante que a alteração de uso é não apenas formalmente legal, mas substantivamente correta, evitando conflitos futuros com a administração, com vizinhos, com o condomínio ou com entidades fiscalizadoras setoriais.
Precisa de apoio especializado para o seu projeto de alteração de uso?
A AC-Arquitetos está à sua disposição para o acompanhar em todo o processo — desde a verificação prévia da viabilidade da alteração pretendida até à conclusão do procedimento de comunicação prévia, incluindo a elaboração do termo de responsabilidade e de toda a documentação necessária. Com conhecimento da legislação urbanística portuguesa e experiência consolidada em procedimentos junto das Câmaras Municipais, asseguramos que o seu projeto avança com segurança, eficiência e total conformidade legal. Entre em contacto connosco e conte com uma equipa que transforma a complexidade legal numa solução clara, profissional e eficaz para o seu projeto.



