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Escritório em casa: Alteração de Uso entre habitação e teletrabalho em Portugal

  • Foto do escritor: Ana Carolina Santos
    Ana Carolina Santos
  • 30 de out.
  • 5 min de leitura

O fenómeno do trabalho remoto modificou profundamente a forma como utilizamos os nossos espaços habitacionais. Esta transformação trouxe consigo questões regulamentares importantes que muitos proprietários e arrendatários desconhecem. Compreender as regras urbanísticas aplicáveis à utilização de uma habitação para exercício de atividade profissional é fundamental para evitar situações de ilegalidade e garantir o cumprimento das normas em vigor.


Apartamento convertido em escritório, em Odivelas
Apartamento convertido em escritório, em Odivelas


Em Portugal, a utilização de um edifício ou fração está legalmente definida e não pode ser alterada sem observância dos procedimentos adequados. O Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) estabelece que qualquer alteração de uso – ou seja, modificar a finalidade para a qual o imóvel foi licenciado – está sujeita a controlo municipal.



O que configura Alteração de Uso?


A alteração de uso ocorre quando se pretende afetar um espaço originalmente destinado a habitação para outras finalidades, como:

  • Consultórios ou gabinetes profissionais

  • Escritórios para exercício de atividade empresarial

  • Ateliers

  • Pequenos comércios ou serviços

Atenção: O simples facto de trabalhar ocasionalmente a partir de casa, mantendo a função residencial como dominante, não configura, em princípio, alteração de uso. Contudo, quando a atividade profissional passa a ser a função principal do espaço, ou quando implica movimentação significativa de pessoas ou alterações físicas substanciais, a situação já poderá exigir procedimentos legais.



Quando é necessário comunicar a Alteração?


De acordo com o artigo 62.º-B do RJUE, sempre que se pretenda alterar a utilização de um edifício ou fração sem que tenha havido operação urbanstica prévia (ou seja, sem obras), deve apresentar-se uma comunicação prévia com prazo à Câmara Municipal.

Esta comunicação destina-se a:

  • Demonstrar a conformidade da nova utilização com as normas que regulam os usos admissíveis na zona

  • Declarar a idoneidade do espaço para a finalidade pretendida

  • Garantir que o edifício reúne as condições necessárias para o novo uso


Elementos necessários

A comunicação prévia deve incluir um termo de responsabilidade subscrito por técnico legalmente habilitado (como arquiteto ou engenheiro) que ateste:

  1. A conformidade do uso pretendido com as regras urbanísticas aplicáveis (Planos Municipais de Ordenamento do Território, regulamentos municipais)

  2. A adequação física do espaço ao fim pretendido

  3. O cumprimento das normas técnicas de construção aplicáveis


Implicações para Condomínios e Propriedade Horizontal

Nos edifícios em regime de propriedade horizontal, a alteração de uso de uma fração pode estar condicionada pelo regulamento do condomínio. É comum encontrar cláusulas que:

  • Proíbem ou limitam o exercício de atividades profissionais

  • Exigem autorização da assembleia de condóminos

  • Estabelecem restrições quanto ao tipo de atividades permitidas

Conselho prático: Antes de iniciar qualquer procedimento junto da Câmara Municipal, verifique o título constitutivo da propriedade horizontal e consulte o regulamento do condomínio.



Critérios de análise


Para aferir se a prática de teletrabalho configura alteração de uso sujeita a procedimento municipal, importa considerar:

Intensidade da utilização:

  • Número de horas diárias dedicadas à atividade

  • Permanência de equipamentos profissionais

  • Volume de documentação ou materiais armazenados

Impacto na vizinhança:

  • Existência de fluxo de clientes, fornecedores ou colaboradores

  • Ruído ou incómodos gerados pela atividade

  • Alterações na dinâmica do edifício

Alterações físicas:

  • Necessidade de obras de adaptação do espaço

  • Instalação de sinalética ou identificação exterior

  • Modificação significativa do aspeto da fração

Em regra, o teletrabalho desenvolvido exclusivamente pelo próprio morador, sem receção de público e sem alterações físicas significativas, mantém a caracterização dominante de habitação, não exigindo comunicação prévia. Contudo, situações limítrofes devem ser avaliadas caso a caso.



O processo de Comunicação Prévia


Prazos e procedimento

  1. Submissão da comunicação: Através da Plataforma Eletrónica dos Procedimentos Urbansticos ou diretamente na Câmara Municipal

  2. Prazo para utilização: Decorridos 20 dias após a submissão da comunicação, o espaço pode ser utilizado para a nova finalidade

  3. Possibilidade de vistoria: O presidente da Câmara pode determinar a realização de vistoria quando existam indícios de que o edifício não é idóneo para o fim pretendido


Consequências do não cumprimento

A utilização de uma fração para finalidade diversa da licenciada, sem a devida comunicação ou autorização, constitui infração urbanística. O município pode:

  • Ordenar a cessação imediata da utilização indevida

  • Determinar o despejo administrativo

  • Aplicar coimas que podem variar entre 250€ e 3.740,98€ para pessoas singulares, e entre 500€ e 44.891,81€ para pessoas coletivas

  • Instaurar processo de embargo ou demolição, quando aplicável


Planos Municipais e Regulamentos Locais

Os Planos Diretores Municipais (PDM), Planos de Urbanização e Planos de Pormenor definem os usos admissíveis para cada zona do território. Alguns municípios possuem regulamentação específica sobre:

  • Atividades compatíveis com zonas residenciais

  • Percentagens máximas de área comercial ou de serviços em edifícios habitacionais

  • Requisitos de estacionamento para atividades não residenciais

É fundamental consultar a regulamentação municipal aplicável à localização específica do imóvel antes de avançar com qualquer alteração de uso.



Aspetos Fiscais e Contributivos


A alteração de uso de habitação para atividade económica tem implicações fiscais que importa considerar:

IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis):

  • A taxa aplicável pode ser superior para imóveis afetos a comércio ou serviços

  • Deve solicitar-se a atualização da matriz predial urbana junto das Finanças

IRS:

  • Possibilidade de dedução de despesas relacionadas com o espaço afeto à atividade profissional

  • Obrigatoriedade de contabilização adequada quando exista exercício efetivo de atividade

Seguros:

  • Verifique junto da seguradora se a apólice do imóvel cobre o exercício de atividade profissional

  • Podem ser necessários seguros específicos de responsabilidade civil profissional


Sala de reuniões de apartamento convertido em escritório, em Odivelas
Sala de reuniões de apartamento convertido em escritório, em Odivelas

Boas práticas e recomendações


Antes de iniciar a atividade

✓Consulte os documentos do imóvel (escritura, licença de utilização, regulamento de condomínio)

✓ Contacte a Câmara Municipal para esclarecimento de dúvidas específicas

✓Avalie a necessidade de contratar técnico habilitado para elaboração do termo de responsabilidade

✓ Informe a assembleia de condóminos, quando aplicável


Durante a atividade

✓ Mantenha cópia da comunicação prévia e eventuais pareceres favoráveis

✓ Respeite as condições estabelecidas no regulamento de condomínio

✓ Minimize incómodos para a vizinhança

✓ Mantenha a documentação fiscal atualizada


Alterações supervenientes

✓ Comunique à Câmara Municipal quaisquer modificações substanciais na atividade

✓Solicite nova comunicação prévia se o uso inicialmente comunicado se alterar significativamente

✓ Atualize a informação junto das Finanças sempre que necessário



O papel das Câmaras Municipais


As Câmaras Municipais têm competência para:

  • Apreciar as comunicações prévias de alteração de uso

  • Realizar vistorias quando existam dúvidas sobre a adequação do espaço

  • Fiscalizar o cumprimento das normas urbanísticas

  • Determinar medidas corretivas ou sancionatórias em caso de incumprimento

A fiscalização sucessiva é uma realidade, e o município pode, a qualquer momento (até 10 anos após a comunicação), verificar se as condições declaradas se mantêm.



Para considerar


A evolução dos modelos de trabalho coloca novos desafios ao enquadramento jurídico-urbanístico dos espaços. O teletrabalho e o trabalho remoto vieram borrar as fronteiras tradicionais entre habitação e atividade profissional.

Embora a legislação atual preveja mecanismos de controlo e regularização, é essencial que proprietários e profissionais compreendam que:

  • A transparência e o cumprimento das obrigações legais são a melhor forma de evitar problemas futuros

  • Cada situação deve ser analisada considerando as suas particularidades

  • A consulta prévia de técnicos qualificados pode evitar erros dispendiosos

  • O diálogo com a Câmara Municipal e com o condomínio facilita a resolução de questões

O equilíbrio entre a flexibilidade necessária aos novos modos de trabalhar e o cumprimento das normas urbanísticas e de vizinhança é possível. Requer, contudo, informação, planeamento e responsabilidade por parte de todos os intervenientes.


Precisa de apoio especializado?

Na AC-Arquitetos compreendemos os desafios que a alteração de uso de espaços habitacionais para funções profissionais representa. A nossa equipa de arquitetos especializados pode:

  • Avaliar a viabilidade técnica e legal da alteração pretendida

  • Elaborar os elementos técnicos necessários à comunicação prévia

  • Subscrever os termos de responsabilidade exigidos

  • Acompanhar todo o processo junto das entidades competentes

  • Propor soluções de adaptação do espaço quando necessário


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