Proteção legal das Edificações Existentes: Direitos dos Proprietários em Obras de Beneficiação
- Ana Carolina Santos

- 1 de out.
- 4 min de leitura
A reabilitação do edificado existente em Portugal beneficia de um importante quadro legal que protege os direitos dos proprietários, garantindo que as normas supervenientes não prejudiquem edificações já construídas. Este regime jurídico constitui um pilar fundamental para a recuperação do património construído nacional.

Princípio da Proteção do Existente
O Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) consagra expressamente o princípio da proteção do existente através do artigo 60.º. Esta disposição legal retoma um princípio já presente no Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), estabelecendo regras claras para a realização de obras em construções já existentes.
Fundamento legal essencial
"As edificações construídas ao abrigo do direito anterior e as utilizações respectivas não são afetadas por normas legais e regulamentares supervenientes"
O artigo 60.º do RJUE estabelece quatro pontos fundamentais:
Proteção integral: Edificações construídas sob legislação anterior mantêm a sua legalidade
Limitação de exigências: A licença não pode ser recusada com base em normas posteriores à construção
Condições específicas: Obras que não originem ou agravem desconformidades com normas vigentes
Benefício adicional: Intervenções que melhorem as condições de segurança e salubridade
Regime de Obras em Edificações Existentes
Obras abrangidas pela Proteção
O regime transitório aplica-se especificamente a:
Obras de reconstrução: Quando se reconstrói total ou parcialmente uma edificação existente
Obras de alteração: Modificações das características físicas sem aumento de área
Obras de conservação: Intervenções para manter as condições de segurança e salubridade
Obras de beneficiação: Melhoramentos que valorizem a edificação
Obras excluídas do Regime
É fundamental compreender que o regime não se aplica a:
Obras de ampliação: Que resultem no aumento da área de implantação, construção ou altura da fachada
Obras que agravem desconformidades: Intervenções que piorem a situação existente face às normas
Aplicação prática do Princípio
Edificações anteriores a 1951
As construções anteriores a 7 de agosto de 1951 gozam de proteção especial, uma vez que antecederam a entrada em vigor do RGEU. Nestas edificações:
As obras de alteração devem respeitar as características arquitectónicas originais
Não é exigível conformidade com normas técnicas posteriores
Mantém-se a legalidade da construção original
Exemplos práticos de aplicação
Situação 1: Moradia construída em 1980 com pé-direito inferior ao atualmente exigido
Resultado: Obras de reparação e alteração permitidas sem necessidade de aumentar o pé-direito
Situação 2: Edifício dos anos 70 com escadas sem conformidade com normas atuais
Resultado: Beneficiação autorizada desde que não agrave as condições existentes
Situação 3: Prédio antigo sem cumprimento de índices urbanísticos atuais
Resultado: Proteção garantida para obras que mantenham ou melhorem as condições
Regime Jurídico da Reabilitação Urbana
O Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (RJRU) reforça estas proteções, estabelecendo que:
Edificações com mais de 30 anos podem beneficiar de flexibilizações adicionais
Operações de reabilitação urbana têm regime ainda mais favorável
O sacrifício decorrente do cumprimento de normas atuais deve ser proporcional
"O princípio visa permitir intervenções que melhorem a situação existente, independentemente dos parâmetros exigíveis para novas edificações"
Procedimentos e Garantias
Licenciamento facilitado
As Câmaras Municipais devem:
Analisar pedidos à luz do direito vigente à data da construção original
Não exigir conformidade com normas supervenientes
Facilitar o licenciamento de obras de beneficiação
Documentação necessária
Para beneficiar da proteção legal, os proprietários devem:
Demonstrar a antiguidade da construção
Comprovar a legalidade original da edificação
Apresentar projeto que não agrave desconformidades
Evidenciar melhorias nas condições de segurança ou salubridade
Benefícios do Regime
Vantagens para os Proprietários
Económicas: Evita custos desproporcionais de adequação a normas atuais
Práticas: Permite manutenção e melhoria sem constrangimentos excessivos
Patrimoniais: Protege o valor do imóvel e incentiva a conservação
Impacto na Recuperação Urbana
O regime contribui significativamente para:
Recuperação do património construído nacional
Revitalização de centros históricos
Sustentabilidade urbana através da reutilização do edificado existente
Redução do abandono de edifícios

Casos especiais e exceções
Edifícios Classificados
Construções com valor patrimonial podem ter:
Regimes específicos mais restritivos
Necessidade de pareceres de entidades especializadas
Condições particulares de intervenção
Alterações de Uso
A mudança de utilização pode:
Exigir cumprimento de normas específicas da nova função
Manter proteção para elementos estruturais existentes
Necessitar de avaliação caso a caso
Responsabilidades e Obrigações
Deveres dos Proprietários
O RGEU estabelece que os proprietários devem:
Realizar obras de conservação pelo menos de 8 em 8 anos
Manter condições de segurança e salubridade
Assegurar o bom estado de conservação das edificações
Competências Municipais
As Câmaras Municipais podem:
Determinar obras de conservação necessárias
Fiscalizar o cumprimento das obrigações
Aplicar medidas coercivas em caso de incumprimento
Para considerar
A proteção legal das edificações existentes representa um equilíbrio fundamental entre a necessidade de evolução normativa e a salvaguarda dos direitos dos proprietários. Este regime permite que o património construído seja mantido e melhorado sem sacrifícios desproporcionais, contribuindo para a sustentabilidade urbana e a preservação da identidade arquitectónica nacional. A aplicação correta destes princípios requer conhecimento especializado e análise cuidadosa de cada situação específica. Face à complexidade técnica e legal envolvida, é fundamental que os proprietários procurem aconselhamento profissional qualificado para garantir o cumprimento das disposições legais e maximizar os benefícios disponíveis.
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